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COISAS DA BOLA

DO CASTELINHO PARA O MUNDO

Naquela tarde, já indo embora a estação de outono do ano do bicentenário da proclamação da independência do nosso querido Brasil, palmilhava eu junto com meu neto Bernardo Getúlio pelas muitas veredas da nossa querida Porto União. Entre muitas conversas e questionamentos do pequeno, cinco anos, deparamo-nos bem em frente ao casarão Castelinho, hoje Casa da Cultura Aníbal Khury. Vendo que eu ficara extasiado e olhava insistentemente do pé até a riba aquele prédio, meu neto me puxava pela mão como que exigindo mais atenção. Encontramos ali uma porta totalmente escancarada pelo lado da rua Coronel Belarmino, pois estava tendo uma exposição de quadros de artistas do Vale do Iguaçu. Após travar uma conversa com a secretária, tivemos a autorização para adentrar e observar as telas, bem como para passearmos por todos os cômodos daquele casarão. Descendo por uma enorme escada interna demos de cara com uma sala no andar térreo, e aí não teve jeito, tremendo dos pés à cabeça meus olhos marejaram e minha cachola voltou no tempo. Preocupado com o estado em que fiquei, Bernardo Getúlio me fitando intensamente perguntou:

– O que você viu Nono? Por que que ficou desse jeito?
Completamente emocionado e olhando para todos os lados, procurei me achar dentro daquela sala em meados da década de 1960, e respondi para o netinho:
– Quer ouvir uma historinha do Nono? Sente aqui junto de mim neste degrau da escada que vou te contar.
Sentados lado a lado, comecei a narrativa:
A situação do nosso querido Brasil era só de incertezas naquela década. Guardando uns parcos tostões ganhos nas confecções de roupas através da sua velha máquina de costurar, que juntados com outros ganhos pelo meu pai através dos cortes de cabelos e barbas dos fregueses que utilizavam os seus excelentes serviços, meus pais foram conversar com a famosa professora de datilografia, dona Ely, para ver a possibilidade, desde que ela baixasse o preço da mensalidade, me matricularem no curso de datilografia. Entraram em um acordo monetário, e na semana seguinte, após a aula da última turma da tarde eu iniciei o curso sozinho naquela sala do Castelinho. Diferentemente das outras aulas por ali, só estavam na sala, eu, dona Ely e sua fiel companheira, a “buldoga” Astreia, que só de olhar já dava um cagaço. Rodeado por máquinas de escrever da marca Remington, a professora Ely disse que escolheu a melhor máquina para utilizar no meu aprendizado e, com um olhar severo deixou bem claro, que se eu não seguisse os seus ensinamentos, a sua enorme cachorra buldogue lhe avisaria latindo, bem como poderia me tirar lascas com seus enormes dentes. Odiando a professora e quase freando na minha calça curta, com muito medo daquele enorme animal eu iniciei o aprendizado. Primeiramente ela começou a me orientar como deveria me posicionar em frente da máquina de escrever. Mostrou o seu funcionamento, suas peças e me ensinou como trocar as fitas de tinta e seus ajustes. Me ensinou com calma, detalhe por detalhe, e quando demos por nós, já tinha passado uma hora de aula e o dia tinha virado um breu. Antes de me dispensar para ir embora, se posicionando de frente colocou as suas mãos nos meus ombros, e olho no olho, deixou bem claro ao dizer: menino! Você tem que aprender a datilografar sem olhar as teclas. Algumas vezes não vou estar aqui para fiscalizar, mas se você tentar me enganar, a Astreia vai latir, e se você continuar ela vai te avançar e te morder. Cuidado.
No dia seguinte, com o olhar fixo somente no texto da folha posicionada ao lado esquerdo da máquina, as letras ASDFG começaram a ser impressas e foi a primeira aula prática que tive. Sem nunca olhar para as teclas, mesmo a professora Ely não estando por ali, o medo que eu tinha da cadela Astreia fazia com que executasse à risca o solicitado. Não nego que após várias aulas, algumas vezes tentei olhar para o teclado da máquina, mas fui dissuadido, pois o forte rosnar daquela buldoga era assustador. E foi assim, nestes termos que ao final de noventa dias o curso terminara. Todos os alunos das turmas que iniciaram o curso na mesma época fariam uma prova final juntos, inclusive eu. Em pé, atrás dos alunos, encostada na parede, ladeada pela cachorra Astreia, antes que fosse acionado o cronômetro para o início, a professora Ely pediu para que eu me levantasse pois estava dispensado de fazer a prova. Me deu o diploma e me mandou para casa tugindo ao meu ouvido que nenhum daqueles alunos estava tão bem preparado como eu.
Engraxando sapatos na barbearia do meu pai, vendendo dolés pelas ruas e entregando jornais nos finais de semana eu conseguia uns trocos que entregava para a minha mãe para ajudar nas despesas em casa. Não sei como, acho que do Céu me caiu um serviço de cobrador de ruas e tive o primeiro registro em uma carteira profissional para menores de idade. Bom no pedal, com uma velha bicicleta cedida pela firma eu executava o meu trabalho não dando folga para os devedores. Em um certo tempo, época de faturamento e fechamento do mês na empresa, um dos funcionários do escritório adoeceu. Vendo os demais colegas sobrecarregados de trabalho e como estava com as cobranças em dia, eu ainda piá de tudo, me ofereci para ajudá-los. Questionado se sabia “bater máquina” humildemente eu disse que mais ou menos. Lembro que alguns deles de forma sarcástica sorriram. Tentando tirar um sarro, me colocaram à disposição uma máquina de escrever e ao lado empilharam um calhamaço de notas fiscais. Como já era próximo da hora do almoço, alegres, todos se preparavam para ir para as suas casas, não sem antes, às gargalhadas, deixarem bem claro para mim que no final da tarde aquelas faturas e duplicatas referentes aquelas notas fiscais deveriam estar prontas.
Não fui almoçar naquele dia, e no início do expediente da tarde ao retornar para o trabalho, o chefe do escritório foi surpreendido com todas as faturas e duplicatas já prontas sobre a sua mesa. Estupefato pelo feito, chamou todos. Rodeado por todos os funcionários do escritório fui colocado à prova quando me deram vários memorandos para bater. Entusiasmado, eu dedilhava numa ligeireza aquelas teclas da máquina de escrever marca Olivetti e realizava a tarefa rapidamente. Inquirido do porquê de não ter contado que sabia datilografia, respondi que nunca tinham perguntado e afinal, eu fora contratado para ser um cobrador de rua. A partir daquela tarde, além de cobrador eu passaria a fazer parte efetiva do escritório e receberia uns tostões a mais. Me especializei na parte contábil e departamento de pessoal. Anos mais tarde me formei em Contabilidade.
Ao contar essa história para o meu neto, aliás narrando num palavreado que conseguiu a atenção total dele, não percebi, que lá em cima no primeiro andar, no acesso daquela enorme escada, também sentada, uma das artistas que estava expondo os seus quadros ouvira toda a narrativa. Ao perceber que fora vista, suspirando forte me dirigiu a palavra, pediu desculpas por ficar na espreita ouvindo, salientando que dentro daquelas paredes muita gente deveria ter aprendido e dado os primeiros passos em uma profissão. Pensando no que aquela artista falou, hoje sentado na frente do meu notebook para escrever esta crônica, percebo de forma clara que o tempo às vezes se torna cruel, ele vai minando as resistências físicas e não se tem como lutar contra. Nos dias atuais, encontrando dificuldades em me movimentar e postergando a substituição de um joelho, com artroses nas articulações, principalmente nos dedos das duas mãos, eu, que fazia “chover” no teclado de uma máquina de escrever, hoje, como que catando milho encontro dificuldade até em usar um teclado do computador. Não sendo um profeta antevejo que os meus dias de escritor vão ficar cada vez mais difíceis, mas eu não me entrego. Não vou jogar a toalha nunca. Até quando vou lutar não sei. Mesmo com dor, os meus dois futuros lançamentos já foram redigidos com muitas dificuldades, e se ELE permitir, ainda este ano estarão na praça.
Com as mãos sempre contristadas, sou só gratidão ao Papai do Céu.

COISAS DA BOLA são fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outras frutos da minha imaginação. Qualquer semelhança será puro acaso.

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3 Comentários

1 Comentário

  1. io game

    10/31/2022 a 19:31

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    01/22/2023 a 12:55

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COISAS DA BOLA

Fragmentos de uma infância

Noite sim, e noite também, o compadre Ava e a comadre Landa rumavam até nossa casa para prosear, tomar um capilé e jogar um pife. Naquela noite, só apareceu a madrinha Landa. Justificou, que o marido Ava fora pescar com uma turma de amigos lá para as bandas do Rio Timbó. Pediu para minha mãe se o seu afilhado poderia dormir na sua casa. Tinha medo de dormir sozinha. E, lá fui eu, nos meus dez anos, cuidar da minha madrinha.
A casa dela, de madeira, ainda cheirando à construção recente, comprada de um senhor que morava na beira da antiga Linha Velha, rangia com a leve brisa daquela noite. Papai foi quem fez o transporte com seu velho caminhãozinho Ford F600. Tinha ajudado a desmontá-la e montá-la no lugar atual.

Deitadinho ao lado da madrinha, eu tentava não tossir pela grande quantidade de fumaça dentro daquele pequeno quarto de dormir. Com um canivete afiado igual ao fio de uma navalha, após, cortar o fumo macaio e enrolar em uma palha de milho, ela fumava um paieiro atrás do outro. Parecendo nervosa, deitada de pança para cima e fitando o vazio, resmungava e falava baixinho – o Ava me paga, ele mentiu para mim, não foi pescar coisa nenhuma, tem rabo de saia na jogada. Sem idade para entender o palavreado, eu só queria dormir para acordar logo cedo e armar a capa dali fugindo daquela fumaceira.
A noite já ia para a madrugada, e numa tosse após a outra, acordei. Vi a madrinha Landa roncando. As labaredas já tomavam conta. Gritei e gritei, assustado. Ela acordou. Só tivemos tempo de sair para fora. Tudo ardeu rapidamente. Sobraram ali as cinzas e as muitas lágrimas na feição da madrinha. Ela se ojerizou mais, quando no clarear do dia, o padrinho Ava chegou, e meio sem jeito, lhe entregou uma fieira de lambaris.

Uma mãe. Um filho.

Filho de mãe solteira. O pai, já finado, nunca quis saber dele. Era a mãe e o filho, sozinhos, um para o outro. Eram unha e carne. Se amavam muito. Nunca se largavam. Viviam, um em função do outro. Separados, morreriam. Por que, sem um ou outro, de que lhe valeria viver?

Aquela mãe fez até o impossível para criá-lo bem. Conseguiu que ele não fizesse nada que não fosse direito. Ele dera um rapaz estimado por todos. Na lida então! Se sobressaia. No final da tarde ela sempre o esperava no portão. Quando ela saía para algum afazer, ele não sossegava enquanto ela não chegasse. Ficava ansioso esperando-a. Não quis casar, pois uma nora poderia incomodar a mãe.

Nas vezes em que tomavam chimarrão ao rodar do Sol, sentados à frente da casa conversavam comprido. Ela confidenciava – se ele lhe faltasse, se mataria. Cortaria os pulsos. Ele a acalmava – jamais te deixarei amada mãe. Você é tudo o que eu tenho, quero e preciso. Sem você, não sei se terei forças para prosseguir na jornada. E, assim viviam felizes, um para o outro.

Naquele final de tarde de uma sexta-feira, chovia de bica. Relâmpagos e trovões no céu. Não estranhou ela não estar lhe esperando no portão. Pensou! Não quer se molhar. Entrou, tirou a roupa molhada… sentiu algo estranho no ar. Se arrepiou todo, teve medo. Onde estava a sua mãe? Se perguntou! Chamou, chamou, gritou, gritou e nada. Procurou-a nas peças da casa. Lá estava ela dentro da banheira, somente com a cabeça de fora, ainda com os olhos não revirados. Parecia lhe sorrir. Mas, tinha dormido seu definitivo sono, de parada cardíaca. O chão fugiu de seus pés, ele quase desmaiou. Doeu de montão, dor sem jeito de se medir.

Como de costume naquele chão, chamou uma funerária para providências. Não veio o rabecão, e sim, uma picape. Sentado na traseira, com um guarda-chuva, se protegia e protegia a morta, não conseguiu. O guarda-chuva voou devido excesso de velocidade. Numa freada inesperada, bateu a cabeça na janela traseira. Um galo enorme ficou visível na sua fachada. Era mais uma dor, somada ao desespero. O mundo parecia estar indo ao fim. Doía, doía, tanto, tanto, que pareceu que ele não resistiria. Resistiu.

Enfim, os trâmites transcorreram na normalidade. Não tinha vaga no cemitério. Teve que cremar o corpo. Menos mal, dentro daquele pote as cinzas ficariam na sala. Estariam junto dele. Agora era vida nova, tinha que se acostumar, conseguiria? Uma dor daquelas, curava-se somente com muito tempo. E, ele passara rápido, mas a saudade teimava em ficar ali. Não queria ir embora de jeito maneira. Como consolo vivia beijando aquele pote de cinzas.

O tempo passou e amainou a dor e a saudade. Era chegada a hora de desfazer-se das roupas e objetos dela. Encontrou em cada peça da casa, escondida em algum canto, uma gilete. Atinou, que era verdade o que ela sempre lhe falava, que se ele faltasse, se mataria cortando os pulsos. Chorou, chorou e chorou.

Mais tempo passou, arrumou uma namorada. Daquelas, linda de morrer. Se apaixonou de loucura. Juntou os trapos. Ela foi morar com ele.

Um dia, ao tirar o pó dos objetos na sala ela encontrou aquele pote cheio de cinzas. Jogou no vaso sanitário. Puxou a descarga. Foi a maior cagada que fez. Viu ao maior desespero a que ele foi, ao notar que o pote estava vazio. Conheceu o lado monstro dele. Com uma gilete daquelas da sua mãe, cortou os pulsos da companheira. Viu-a, agonizando, esvair-se. O assoalho ficou vermelho. De frente ao crime, ligou para os tiras. Sentado ao lado do corpo bebeu uma, duas, três pingas misturadas com pólvora. Fez o sinal da cruz e murmurou oração. Com a mesma gilete cortou a sua jugular. E, lá fora chovia novamente, água em bica…

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COISAS DA BOLA

Por trás de um chute no capotão…

Prenunciando o que aconteceria nas arquibancadas do já lendário Estádio da Caixa D’água, a fuzarca já começou no sábado que antecedeu ao prélio. Vários torcedores iguaçuanos, raiz, soltavam rojões noite e madrugada adentro, onde a embaixada do rubro-negro da capital estava hospedada. A boleirada não pregou os olhos. As provocações passaram para o lado dos diretores dos dois Clubes que, em frente a uma bocada boêmia, quase foram às vias de fato. Só não deu um enfrentamento corporal porque o diretor do esquadrão curitibano pipocou e saiu na correria. Também um veículo Corcel, quase novo, ano 1970, que circulava buzinando pelos centros das cidades de Porto União e União da Vitória com um pendão atleticano, teve a sua antena quebrada e a bandeira arrancada e esgaçada.

Como o esperado, o clima estava ardendo. A rivalidade fora para as arquibancadas. Ambas torcidas trocavam, desde palavras das mais cabeludas até arremessos de frutas e ovos. De tanta ojeriza dos lados, antes mesmo da “moganga” rolar no relvado, um fanático atleticano foi cuspido da parte superior da arquibancada. Rolou por cima das cabeças daquele mar de gente quando o pau descambou. Estatelou-se no chão frente ao alambrado apinhado. Ali tinha virado a uma quase guerra, mas que foi contida pelo policiamento e por um pelotão de soldados do exército requisitado às pressas.

As arquibancadas e alambrados estavam estourando de assistência, até uma pulga encontraria dificuldades em se ajeitar para assistir aquele esperado espetáculo de bola, que seria o primeiro a criar a grande rivalidade entre os torcedores do Iguaçu e do Clube Atlético Paranaense, comprovada nos anos vindouros, inclusive com vários feridos e uma morte. Muitas bandeiras tremulavam, pois nunca antes, tanto povo se reuniu proporcionando um recorde de renda. Foi uma festa digna de ser apreciada, mas que deixou marcas, também no lombo de alguns.

Mal acomodados naquela parte das arquibancadas recém-construídas para aquele certame-debute, uma família de desportistas pertencentes ao proletariado chegara cedo ao Estádio. O pai, a mãe e os três filhos indo para a juventude encontraram dificuldades na portaria de acesso. O porteiro insistia em não os deixar adentrar carregando a cesta com frutas e alimentos. Depois do baita sururu e do tempo perdido, o porteiro, orientado, autorizou o acesso daquela família. Já dentro, o pai e a mãe, nervosos, procuravam conseguir um bom lugar e ver pela vez primeira um prélio entre chutadores profissionais. Mas levaram azar danado, o estádio já estava parecendo um formigueiro. Foram obrigados a se sentarem no aperto, no único lugar encontrado, no segundo degrau, que ficava bem próximo dos alambrados. Trazendo uma cesta cheia de frutas e uma volta de chouriço de porco, com sangue pisado, para forrar a barriga e suportar toda aquela tarde assistindo futebol, se acomodaram por ali mesmo. Não viam a hora de testemunharem o fragor da disputa.

Ouviu-se o referee. O balão de couro, enfim foi chutado dentro do palco verde. Um verdadeiro tapete. Entre vaias e muita gritaria os contendores peleavam pelo domínio da pelota como se ela fosse um prato de boia. O extrema-direita do Furacão, cabeludo e baixinho, liso igual a um bagre, rápido como um falcão-peregrino, comia a bola e dava show. Armava uma fumaceira para cima do beque iguaçuano. O que ele fazia com a peca era até de se duvidar. Parecia que tinha ela amarrada nos pés, não lhe fugia. Passava de roldão pelo beque – como queria – e dava risadas com o focinho virado para as arquibancadas. Ouvia xingamentos, mas não dava pelotas. Em um lance quando foi pegar o balão que saíra à lateral, bem em frente daquela família de torcedores, teve um caqui-café arremessado contra si. Não se fez de rogado. Jogando beijinhos, pisou com a chanca naquela fruta e tirando as sementes, sem rodeios, à várias dentadas, engoliu bonito.

Aquilo foi considerado como uma ofensa ao jovem autor do arremesso. Aquele ato ia dar o que falar. Soltando fumaça pelas ventas, fervendo por dentro, com mais raiva, aquele jovem torcedor atirou uma baita mexerica em direção ao corpo do ponteiro. Errou. Quando a pelota novamente saíra em lateral, o dianteiro nanico, apanhou e descascou a mexerica, e na ligeireza consumiu os gomos. Jogou mais beijinhos para a torcida e continuou dando um passeio no seu marcador. Pela sua atuação, ele merecia até que uma medalha fosse cunhada com seu nome.

Diferente do resultado esperado, aqueles torcedores em vez de hostilizá-lo mais, começaram a bater palmas quando ele fazia “gato e sapato” do beque. Começaram a gritar “olé”, “olé”. O coach, pressionado pelo reserva da posição, mandou aquele beque para a cerca – entrou o regra três para acabar com o baile dado por aquele extrema nanico. Ele jurou para o treinador, que ia aparar no meio o pontinha caipora. Não conseguiu cumprir a jura. Também foi mais um a ficar nas saudades. De cara, levou um esticão de bola no costado e viu o ponteiro como um The Flash. Comeu pó. Virou carne de canhão, quando o ponteiro fez um vai-mas-não-vai e quase trincou a sua espinha. Perdido, não sabia nem a cor do balão, só empapou a camisa. Aprendeu facilzinho, que o homem só vê o seu destino depois que tira o último véu. Depois daquela dança, aquele beque desistiu da vida na bola. Jogou as chuteiras na sarjeta. Foi trabalhar de pedreiro “meia cuié”.

Ao fim da peleja, com o quadro iguaçuano “tomando de quatro”, o jovem arremessador do caqui e da mexerica, com o seu peito de “sabiá” grudado ao alambrado, travou uma prosa com o baixinho e escorregadio extrema atleticano. Pediu-lhe a camisa. Se desculpando diante da impossibilidade em dar o manto, o atacante se justificou que não poderia fazê-lo, pois teria que usá-lo mais vezes no certame. Seu Clube vinha passando por dificuldades monetárias. Até o salário por vezes atrasava. Mas, assinou, como autógrafo, em um guardanapo de pano que estava na cesta de frutas do torcedor.

Nos tempos atuais, aquele pano está guardado dentro de um vidro de compota, lacrado, como relíquia e que comprova um tanto da história aqui contada.

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COISAS DA BOLA

Festa do Momo no Salão Poeira

Texto do livro – Missão Dada – Dez meses para a forja de um caráter.

O fato remonta ao início da década de 1970. Terminada a contenda amistosa no campo do Nacional (hoje um cemitério) bem em frente da Madeireira Miguel Forte, aqueles jovens integrantes do esquadrão de futebol do Salão São João, sentados embaixo de um grande pé de pinheiro, faziam planos para a noite carnavalesca. Por fazerem parte do proletariado, pular carnaval nos Clubes Concórdia e Clube Aliança estava fora de cogitação, pois jamais deixariam que aqueles seres da periferia frequentassem aquelas pistas de danças, que eram destinadas para os viventes da alta sociedade. Então, a festa do Momo teria que ser no mais tradicional e famoso salão boêmio das cidades, o Salão São João, conhecido como Poeira, também alcunhado por 25 Metros Abaixo dos Trilhos, afinal, eles teriam entrada franca, pois defendiam o esquadrão dos filhos do dono.
Já se ia pelas onze da noite. A imensa fila de pessoas comprando ingressos para adentrar ao salão era grande. A chuva forte tinha passado. Somente uma garoa fina molhava as cabeças dos enfileirados. Lá dentro o coro estava comendo solto. O senhor Severino fazia milagres no teclado daquele órgão. O baterista também dava show. Mesmo com as janelas fechadas devido a garoa, lá de fora, pelas frestas nas paredes sem sarrafos, através das réstias de luz, notava-se a grande quantidade de poeira dos sapatos, que com o barro já seco, misturado com o fubá que era colocado no assoalho para deixá-lo mais liso, iam ao ar.
Subindo os poucos degraus de madeira da escada de acesso, Kiko, Castro e Tivico, craques do esquadrão, muito conhecidos do porteiro, tinham o acesso livre. Já dentro do recinto se dirigiram ao mictório localizado lá no fundo do salão, e em frente a um pequeno espelho trinta por trinta, deram um trato na feição e pentearam as enormes jubas. Quando saíram do mijadouro, no ato, foram puxados por três damas para irem dançar, onde no tradicional trenzinho em fila indiana, todos cantando as marchinhas carnavalescas, faziam ziguezague por toda a pista.
No segue o baile, após duas danças os músicos paravam e os frequentadores encostavam o umbigo no balcão do bar e tomavam umas Brahmas (bebida da época). Dava-se o tempo para que todos pudessem se hidratar e, novamente as marchinhas carnavalescas eram tocadas. E, aquela gente serpenteava pela pista cantando, Mamãe eu quero… mamãe eu quero mamar… Assim seguia aquele ritual de sempre, até o dia clarear.
Tudo ia muito bem, era um suador só, de alegria, do ziguezague do trenzinho e das muitas cantorias, não deixando que o álcool permanecesse na cabeça das pessoas. Passando das três horas da madrugada, dançando naquele trenzinho da fila indiana, uma mulher muito bonita, esguia e alta, vestindo uma minissaia curtíssima, com o seu traseiro estilo tanajura, chamava a atenção de todos. Os marmanjos disputavam uma vaga naquele trenzinho, para poderem colocar as mãos nos quadris dela. Ora um, ora outro. Dançando, fazendo um carreiro naquela pista cheia de fubá, a “homarada” fazia de tudo para se aproximar daquela dama, que sempre tinha alguém com as mãos grudadas na sua cintura, e as vezes no “descuido”, encostavam nas popas do traseiro. Em dado momento, talvez por uma curva rápida do trenzinho, do meio das pernas daquela mulher desejada, caiu um pedaço de pano aveludado parecendo uma bolacha, igual uma esponja, dessas que as mulheres usavam para passar pó de arroz no rosto, pano este, manchado de sangue pisado – escuro –, que estava sendo usado como absorvente feminino.
Encostado na parede, Castro, que não tirava os olhos daquela fulana, presenciou o fato no ato e viu aquele pano ser chutado por muitos, sem que percebessem. Chutado por um ou por outro, aquele pano chegou até os pés dele, que se agachou e o apanhou. Chamou os amigos Kiko e Tivico e quando eles já estavam ao seu lado, fez uma enorme cagada. Porejado pelo álcool que ainda não tinha saído do seu corpo, Castro não se fez de rogado, pegou o absorvente e jogou para o alto no meio do salão. Aquele “Modess” caiu na cabeça de um homem, que acusou outro de ter jogado aquilo nele, desencadeando a maior briga de todos os tempos sobre aquela pista de dança. O “pau comeu” de cabo a rabo e o baile foi interrompido.
Encostados na parede ao lado do conjunto de músicos, Kiko e Tivico, os mais lúcidos, rezavam para que ninguém tivesse visto que fora o Castro o autor da proeza, pois, se um deles fosse envolvido na briga, os três, com certeza também iam para a porrada, nenhum deixaria o outro na mão, eram parceiros para o que desse e viesse. Após a chegada do policiamento civil, os briguentos foram levados para fora e encaminhados para a delegacia de polícia. Para a dama, que mais tarde descobriu-se o nome, Rachel, só lhe restou ir embora sem acompanhante, pois estava com o “chico”. Kiko, Castro e Tivico, em suas casas curaram o porre tomando chá de “água de valeta”, os bebuns conhecem esse remédio que cura ressaca.

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