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PSICOLOGIA PARA HOJE

Da vaidade e narcisismo ao não eu

Saindo da prática de escrever sobre um tema pertinente ao mês corrente, o assunto de hoje aborda algo sempre presente em nossas vidas, a vaidade. Para uns mais, para outros, menos, em alguns, ainda, ausente. Qualidade, defeito, pecado, necessidade, futilidade, autoafirmação? Como em tudo ou quase tudo, ve-se que o enquadre em qualquer dessas categorias tem a ver com a dosagem. A vaidade pode ser uma qualidade favorável quando a serviço do auto cuidado, do comportamento generoso, do realce da aparência física, por exemplo, que favorece a autoestima e bem estar pessoal, o quê repercute favoravelmente nas relações. A elegância nas atitudes e no autocuidado são positivas, porém os exageros e incongruências revelam fragilidade psíquica, dependência e aprisionamento quando excessiva e desmesurada.
A palavra vaidade, originária do latim, vanitas, significa algo fútil ou ilusório. Segundo a Bíblia, é algo enganoso, sem valor, que leva à ostentação e à idolatria. Diz o Eclesiaste que ela é filha da ignorância, da falta de autoconhecimento e de sensatez. Santo Agostinho afirma que a vaidade não é grandeza, mas inchaço e inchaço não é saudável. Para Tomás de Aquino, é o principal pecado capital, pois gera outros pecados e defeitos. A pessoa com excesso de vaidade pode ser comparada a um balão de ar, diz a Teologia, que se enche, mas é vazia interiormente, infla-se achando que é mérito seu o que lhe foi dado por Deus.
Várias são as áreas em que a vaidade se manifesta. Na área intelectual, os títulos acadêmicos, cujo valor é inquestionável. Quando ostentados, porém, revelam fragilidade psíquica subjacente. Esta ostentação aparece também como ressonância anacrônica dos títulos de nobreza de outrora. A vaidade espiritual tem em seu bojo uma complexa rede de causas e efeitos emocionais, operando debaixo da ambição pessoal, a ilusão de parecer um santo e espiritualizado diante dos outros. Uma visão psicanalítica do eu inferior pode ajudar as pessoas a verem a fragilidade pessoal sob a máscara “politicamente correta” usada por mais de um líder do movimento esotérico. Sepulcros caiados?
Há também o vaidoso político que atrai outros vaidosos, mariposas a gravitarem em torno de figuras de poder que gravitam e iludem-se pelo “prestígio pessoal” que esta proximidade sugere.

Do ponto de vista psicológico, diz Alfred Adler, o vaidoso usualmente faz cálculos a fim de beneficiar-se. Entende que o mundo existe para ele, mas é sensível a opiniões, ao que acham dele e fica refém destas, submetendo-se às exigências de perfeição para ser louvado. Assim, contraditoriamente, a pessoa vaidosa pretende superioridade, mas em vista da dependência que causa, este comportamento pode causar angústia, tristeza, incerteza e ansiedade sobre os resultados de seus esforços para parecer mais do que é. Para Freud, a vaidade está relacionada à infância, ao narcisismo primário, quando a criança acredita ser o centro das atenções. Este narcisismo permanece no inconsciente e, quando o sujeito, já adulto, sente-se desamparado, reedita esta experiência. Narciso foi condenado pela extrema vaidade, pois não via nada além da própria beleza. Diferente deste personagem mitológico, em tempos modernos, o vaidoso depende das redes sociais virtuais, onde posta fotos e feitos, para ser visto. Com isso, a ansiedade e inquietação são frequentes pela necessidade de apreciação de suas postagens, conferindo o tempo todo quantos likes e curtidas recebeu.

A Filosofia reconhece que a vaidade é um traço da natureza humana e pode se referir a um senso mais amplo de egoísmo e orgulho. Para Nietzsche, a vaidade é o que torna a visão do ser humano suportável, dissimulando paixões e emoções que moralmente são tidas como vergonhosas. Sob esta perspectiva não é a humildade que subjaz às ações virtuosas, mas o orgulho e a vaidade. Esta teria o papel de humanizar o indivíduo, a fim de torna-lo mais sociável e cumprir as exigências de uma moralidade estabelecida.
Se houve um tempo em que a pessoa vaidosa buscava pelo aperfeiçoamento moral para angariar vantagens conferidas pelo respeito alheio, na contemporaneidade, cada vez mais é a aparência física e a ostentação de posses que move o vaidoso. Socialmente, os padrões estéticos mudam a todo o momento e, não havendo possibilidade de se encaixar em todos, gera insatisfações e receio de julgamentos, comuns e recíprocos.
Gostos e desgostos, entendidos como escolhas, vão sendo construídos, despertando desejos atrelados à moda e costumes daqueles que são vistos como superiores ou exemplares. Mas algo vem acontecendo que contraria, que torna paradoxal esta lógica, a do destaque para chamar atenção para si. Cada vez mais se busca a mesmice, a replicação de modelos escancaradamente vendidos como valor que agregariam à beleza, à vaidade, à busca de ser apreciado. Assim moda transversaliza e padroniza o que era individual e marcante. Agora é a igualdade de padrões que ilude com a ideia de inserção e pertencimento. Para ser aceito é preciso estar igual, fazer igual? Seria esta a ideia? As sobrancelhas padronizadas, os cabelos da mesma cor, alisados e indiferenciados, as bocas com um desenho só uniformizam, empobrecem as características pessoais. É a beleza sem singularidade. Como fica Narciso, o único belo? Deste, que se acha o melhor, para o igual a todos para ser aceito, cai-se no não eu da padronização de traços prescritos.
Seria o vaidoso narcisista? Para Karen Horney, psicanalista alemã, o termo é equivocado, pois embora queira exaltar o eu, o vaidoso não o faz por amor real a si, mas para proteger-se do sentimento de insignificância e diminuição.
Sobre este equívoco há muito a refletir…
Que os traços de beleza sejam os originais e singulares, da alma e do corpo para que a admiração pretendida possa vir mais pela capacidade de empatia, solidariedade, respeito à diversidade e construção do bem comum, que a admiração mútua e de si sejam pelas qualidades pessoais e não pela despersonalização.

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6 Comentários

1 Comentário

  1. Dirce Maria

    10/02/2022 a 18:57

    Gostei do texto dra e me fez lembrar de uma situação qdo criança na década de 70.
    ‘ Meu pai me disse que ia me comprar uma calça ( na época era com estampas parecendo jornal), mas depois ele me explicou que viu muitas pessoas usando e que não iria comprar porque eu não era igual a todo mundo e pra que tbm não ficasse igual a todos, eu gostei do que ele me disse. A moda não dita a minha vida, apesar que na adolescência tive aquelas crises onde a personalidade estava se firmando. Obrigada

  2. Salete

    10/05/2022 a 00:05

    Como sempre Dra Maris nos surpreendendo com as matérias! Realmente esse mês atípico, nos trouxe um tema aleatório, mas que merece reflexão. Um tema de grande polêmica, não apenas entre as mulheres, atualmente encontramos muitos homens que também possuem essa dita vaidade, mas como se explicou acima, que, se usada em dose certa não fará mal a ninguém!

  3. Marilda Romani

    10/06/2022 a 17:11

    Excelentes colocações! A mídia reforçou em muito essa necessidade de aparentar beleza física, posses materiais, uma “felicidade” perene quando se sabe que todos tem seus momentos difíceis, suas frustrações, seus medos, suas inseguranças.
    Além de escravizar a pessoa que se sujeita a essa exposição exacerbada, que não vive mais uma vida comum porque se impõe estar sempre impecável para um flash, o aspecto mais nocivo é o sentimento de não pertencimento àquele mundo fantasioso que causa nos chamados seguidores, causando-lhes sentimentos de rejeição, inveja e frustração. Enfim, mais um aspecto preocupante da atual inversão de valores da sociedade, provocada pelos poderosos que visam somente dinheiro, sem se preocupar com os sentimentos das pessoas. A mídia, especialmente a internet, tornou-se uma fogueira de vaidades !

  4. Nilva Basilio

    10/07/2022 a 19:46

    Texto ótimo porque passeia por diferentes maneiras de se pensar sobre o tema. Sim, Vaidade é característica humana tão inerente, que bebês sentem atração por espelhos. Como você diz no artigo, Maris, o importante é não atravessar a fronteira entre o saudável e o doentio; é não cair na armadilha do excesso que, inexoravelmente, leva o indivíduo ao isolamento, à insatisfação, a não amar e não ser amado, o que, em última análise, foi o que aconteceu a Narciso. Não enxergando fora de si mesmo o Outro, o seu complemento, Narciso morre, se desfaz, desaparece. Onde grupo de pessoas buscam um padrão de beleza, não há diversidade. E a Natureza mesma nos ensina que diversidade é vida! Também tenho o mesmo desejo que o seu, expresso no último parágrafo do artigo. Mais empatia é principalmente o que falta ao vaidoso narcísico. Obrigada pelo artigo que nos faz pensar em como temos nos comportado em sociedade, Maris.

  5. Leniela Bergamo

    10/23/2022 a 10:54

    Forte, impactando, esclarecedor.
    Penso que é preciso cuidado, pois a linha entre a vaidade saudável ( autocuidado, amor próprio) e a prejudicial pra mim e para o outubro é tênue.
    Excelente reflexão!

  6. Maria Regina Martins Gelchaki

    11/04/2022 a 20:48

    Oi Maris Stela! Boa tarde! Tudo bem? Li seu artigo 2 vezes e você foi fenomenal! A viagem foi perfeita! Da vaidade como qualidade intrínseca ao ser humano à autoafirmação e fuga do seu “eu” verdadeiro. De Narciso às fakes pessoas das várias redes sociais. Essa viagem nos leva a muitas reflexões sobre a necessidade e o objetivo de ser vaidoso, para se atingir o quê? Uma vaidade para mostrar o seu interior ou exterior para a sociedade por quê e para quê? Muitas são as indagações e necessidades humanas, porém na atual sociedade, a vaidade se tornou protagonista das falsas vidas, das fake vidas idolatradas por uma legião de falsos indivíduos que não são nada fora das mídias sociais (suas bolhas). Essa viagem nos leva a refletir sobre a condição humana hoje. A vida do ser humano não vale nada. Só vale se a pessoa tiver poder financeiro e político. Esse é o verdadeiro padrão para a vaidade humana! Esse padrão foi evidenciado nas atitudes e comportamentos sociais dos últimos meses no Brasil. Até Lúcifer foi aceito como padrão para uma massa de seguidores de wattszap. Uma inversão de valores tidos como vaidades emergiram levando o ser humano a um precipício interminável, sem fundo. Tudo leva a crer que haverá choro e ranger de dentes. Padrões de vaidades foram colocados para a sociedade que desinformada segue como se fosse a sua maior necessidade. Que o ser humano possa buscar uma saída, uma forma de vida mais verdadeira e que suas vaidades sejam no sentido de valorizar mais a sua verdadeira essência e a essência do seu próximo. Que o ser humano seja como todos nós seres humanos somos. “EU SOU PORQUE VOCÊ É!”.

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PSICOLOGIA PARA HOJE

Leni Trentin Gaspari

Grande mulher! Esposa, mãe, avó, professora, pesquisadora, escritora, imortal pela Academia de Letras do Vale do Iguacu…
Mas não é sobre seu currículo que quero aqui escrever. Certamente ficarão faltando menções, pois muito ampla foi sua atuação em nossa sociedade e nossa cultura. Quero escrever sobre a pessoa, a amiga, a acadêmica dedicada que sempre foi. Entusiasmo, palavra de origem grega, significa ter Deus dentro de si. Assim era Leni, nossa guia, nossa referência, com seu jeito afetivo, mas firme de ser, de nos manter dentro dos propósitos da Academia, lembrando sempre de seu lema “Nula dies sine linea”, nos instando a que não passássemos nenhum dia sem escrever uma linha. Todos sabem seu lugar e o que lhes cabe nesta entidade tão produtiva e significativa, mas, Leni ainda assim era nosso farol. Sua alegria era a família, à qual se dedicava com amor e desvelo, mas também o era a docência. Aqui também foi farol.
Quantos e quantos alunos ela iluminou, quantos talentos descobriu e encaminhou para brilharem? Leni “roubou” minha secretária… Não posso deixar de citar este acontecimento quando ela “tirou” de mim uma secretária eficiente, que viabilizava o andamento de meu consultório de Psicologia. Costumo dizer que Dulceli, esta secretária, fazia tudo para mim, no trabalho. Ela só não atendia os clientes… todo o resto era ela que fazia para eu poder trabalhar. E Leni a descobriu na faculdade de História, onde se destacou. A princípio fiquei chateada e sem chão, mas logo entendi que ela era muito grande para um espaço tão pequeno de marcar consultas e fazer serviços de banco…. Leni percebeu seu potencial e o quanto ela podia voar. Convidou-a a participar de um projeto do curso de História, registrando sítios históricos locais e de nossa região, o que resultou em seu primeiro livro. Hoje ela é doutora em História, concursada e atua em Universidade Federal no Mato Grosso do Sul.
Quantos mais a senhora alavancou, professora Leni? Quando do lançamento de seu quinto livro em 27 de abril de 2024, eram muitos os alunos que passaram por suas mãos que estavam comemorando com a senhora, emocionados, mais uma realização sua, pessoal e editorial. Mais uma rica contribuição para nossa cultura, nossa sociedade.
Na Academia, na ALVI, foi intelecto e coração. Para mim, foi e continua sendo uma baliza. Em caso de dúvida, era para ela que eu olhava, era a ela que perguntava. O carinho e a correção com que me respondia era a mesma que dispensava a todos nós, suas confreiras e confrades. Hoje e para sempre, por meio de seu exemplo, teremos sua marca em nossas mentes e corações.
Como tocar a academia sem sua presença, querida Leni? Foi o que pensei quando a perdemos, mas logo veio a resposta: ela, juntamente com os decanos da ALVI, ensinou e observou o tempo todo os cânones, as regras, os caminhos percorridos e a percorrer. Vivenciou em atitudes e palavras a importância e o grande amor que tinha pela entidade. Sempre entusiasmada, sempre com Deus em si nas causas que abraçava.
Usei uma de suas obras, No tempo dos trens nas “Gêmeas do Iguaçu”, de 2011, uma viagem ao passado, em minha tese de doutorado. Neste livro ela dá visibilidade às mulheres trabalhadoras do início de nossa história local. Em 2020, o mundo parou mas, Leni não. Em meio à pandemia, ela lançou As parteiras e seu ofício de aparar bebês.
Os dias que antecederam 27 de abril de 2024, data do lançamento de seu quinto livro, Novos olhares sobre a história de União da Vitória, que tem na capa um sol se pondo…, Leni os viveu com intensidade, com notável dinamismo, emoção, alegria e nos colocou a todos em clima de entusiasmo também. Confesso que me preocupei… mesmo sabendo que a causa era justa, preciosa, digna de todo empenho de realização, ela estava exuberante de alegria e pensei: como ela aguenta estar sob esta intensa energia? Seu rosto, mais do que nunca estava iluminado por mais uma obra concluída, por mais uma contribuição à Academia. Ela parecia não caber em si de entusiasmo e senso de realização e seu tempo cessou. Leni não adoeceu. Ela encerrou seu tempo físico entre nós com a certeza de ter feito o seu melhor, pois se assim não fosse ela não aceitaria. Sempre dando o seu melhor, sempre a sua luz brilhando… O que a movia não era uma força comum, mas uma luz, repito, a luz do entusiasmo, a luz de quem tem a vida vibrando em plenitude dentro de si. Assim ela viveu sua vida, contemplando a família, a vida acadêmica, os escritos. Não combinaria com ela estar na vida sem dela participar com o frescor do entusiasmo, força que sempre a moveu. Assim ela se despediu, saindo de cena em um glorioso momento de sua vida, como fazem os grandes. Antes de ir, ela ainda encaminhou com os acadêmicos as providências para mais um evento da ALVI, a concessão de Comendas Pinhão do Vale a eminências de nossas cidades a serem entregues em maio de 2024. Em seguida, silenciou. Ao sabe-la ausente, lágrimas vieram copiosas aos meus olhos, mas o exemplo e a lembrança de seu rosto sempre alegre e iluminado tomaram seu lugar e assim seguimos, os colegas da ALVI e eu, entendendo mais do que nunca o significado da palavra Imortal. Palmas e graças à sua passagem por entre nós, querida Leni. Sua missão foi cumprida em cada instante de sua vida e isso estará sempre impresso em cada linha que escreveu. Nula dies sine linea.

Por Maris Stela da Luz Stelmachuk

Membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu. Ocupa a Cadeira 16, cujo patrono é Alvir Riesemberg.

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PSICOLOGIA PARA HOJE

A Psicoterapia e o nosso manual de instruções.


Sempre que compramos um aparelho elétrico ou eletrônico, por mais simples que ele seja, vem acompanhado por um manual de instruções. Em geral, conhecemos um pouco do funcionamento do aparelho que adquirimos e passamos a usá-los imediatamente e só recorremos ao manual em caso de alguma dúvida. Ler o manual nem sempre é fácil. Ele é claro, mas não óbvio, pelo menos para nós, comuns, não iniciados em eletrônica ou informática. Até encontrarmos alguém que tenha paciência de ler ou que compreenda os termos do manual, passamos por vários momentos de chateação, de frustração por não podermos obter de nosso aparelho aquilo que ele pode proporcionar.
Não poucas vezes ouvimos e comentamos que seria bom se, como os aparelhos eletrônicos, viéssemos ou se nossos filhos viessem com manual de instruções. Isso facilitaria nossa forma de entendê-los, de educá-los, tudo seria mais fácil. Cada vez mais se ouve da falta que faz um manual de instruções para a condução da vida. Mas… será mesmo que não trazemos conosco um manual de instruções? Observando a vida animal percebe-se que os bichos vivem suas vidas, cumprem sua função, seguem sua determinação genética e não há dúvidas sobre o que devem e o que não devem fazer. Como seres irracionais, não passam pelas vicissitudes humanas de questionamentos e dúvidas sobre o caminho a seguir, que comportamento manifestar. Fácil seria seguir os instintos e dar vazão aos impulsos primários que trazemos em nós, como qualquer animal. No entanto, a condição de vida racional e em sociedade, com todas as suas implicações, não permite aos seres humanos essa linearidade. E aí começam as complicações.
Todos os dias nos deparamos com inúmeras situações, sensações, sentimentos, pensamentos que pedem uma ação. Mas qual a melhor, a mais acertada? Em geral não paramos muito para pensar e tomamos atitudes tranquilamente, sem maiores consequências. Mas nem tudo e nem sempre é assim tão tranquilo. Ao longo da vida, surgem situações às quais respondemos com repetições frustrantes e nem sempre percebemos, nem sempre paramos para refletir sobre elas. Atribuímos à vida… a vida nem sempre é como a gente quer… E os resultados disso vão aparecendo. Alguns bons, satisfatórios, alguns nem tanto, alguns desafiadores, que exigem mais de nós. E tem também aqueles objetivos que não são atingidos. É nessa hora que lembramos de como seria bom ter em mãos um manual de instruções. Mas onde ele está? Será que veio comigo quando nasci? Quem dera ele existisse, nos perguntamos…
A boa notícia é que ele existe e está ao nosso alcance. A má notícia é que, como nos aparelhos eletrônicos, ele é claro, mas não óbvio. É preciso aprender a ler e entender seus termos, as chaves para que funcionem de modo que levem aos objetivos pretendidos. Às vezes precisamos de um técnico que nos ajude a decifrá-lo. E a palavra é essa mesma: decifrar. Tal como declarou a esfinge, se não o deciframos, somos devorados, destruídos. Quando não destruídos, no mínimo funcionamos mal, abaixo de nossas possibilidades, insatisfatoriamente e… o sofrimento vem. A pressa e o imediatismo da sociedade acelerada em que vivemos atrapalham e até impedem a leitura de nosso manual. “Não há tempo!” Após sucessivas frustrações passamos a nos acostumar com as limitações, comprometendo nossa qualidade de vida e até mesmo nossa saúde.
“Mas… já que não encontro as respostas em meu manual, cadê o técnico que me ajude a entendê-lo?” E aí, as alternativas saudáveis que surgem se configuram quando recorremos aos amigos, aos oráculos, à auto-observação, à auto-análise, à análise, à psicoterapia. Cada um desses recursos tem uma função, um alcance, trazem luz ao “indecifrável”. No caso da psicoterapia, o técnico é o psicólogo e o alcance é a descoberta de que o manual está à mão e é auto-explicativo. À cada emergência de uma solicitação interna, seja por meio de um sentimento, de um pensamento, de um sofrimento, de um desejo, de uma dúvida, há uma resposta, bem dentro de nós, em alguma página de nosso manual de instruções.
Em muitos anos de prática em psicoterapia com pessoas de todas as idades, nunca recebi em meu consultório uma só pessoa que não trouxesse consigo o seu manual de instruções, com as respostas e os encaminhamentos adequados às suas necessidades. Em sua busca por acompanhamento psicológico, apenas solicitavam ajuda na leitura desse manual. Cada um deles, cada um com sua complexidade, foi lido juntamente com seu proprietário, que, aos poucos, em seu ritmo, foi aprendendo a fazer sua própria leitura, construindo sua autonomia e passando também a compreender um pouco mais o “manual” dos outros.
Esse manual, muitas vezes, transformou-se em fina literatura, às vezes em pintura, revelando que, por trás das instruções estavam inspirações artísticas, histórias de vida belíssimas, comoventes, dignas de figurar nas mais célebres galerias de arte e literatura, obras sublimes da realização humana. Agradeço a cada uma dessas pessoas pelo compartilhamento da beleza de suas almas e também agradeço por não precisarem mais de mim, pois, com a ajuda para aprenderem a ler seus manuais, conquistaram autonomia e hoje conhecem os caminhos para chagarem, por si mesmos, às páginas que precisam ler para saberem como agir consigo e com os outros.

Por Maris Stela da Luz
Stelmachuk
Membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu. Ocupa a Cadeira 16, cujo patrono é
Alvir Riesemberg.

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PSICOLOGIA PARA HOJE

Psicologia da UnC lança livros de ex-alunos.

O texto aqui apresentado vem com viés diferente dos textos anteriores e isto tem três motivos: um deles é a divulgação de evento, de grande importância para a Psicologia local, regional e nacional. Sendo de importância para a Psicologia, é de importância para todos nós, pois esta ciência e profissão tem como objeto de estudo o ser humano em suas relações, tema que interessa, e muito, a todos. Outro motivo é a visibilidade do curso de Psicologia da UnC para o desenvolvimento regional e, outro motivo ainda é o orgulho de ver nossos egressos dando continuidade a seus estudos em centros maiores, chegando a publicar livros, como parte de seus trabalhos em âmbito nacional.
Post isso, o curso de Psicologia da UnC, campus Porto União, teve a satisfação de lançar para toda comunidade das cidades gêmeas e região, dois livros, nos quais há a participação de dois egressos deste curso. Capítulos destes livros foram escritos pelo psicólogo Vanderlei Woytowicz, versando sobre trabalho com grupos e o outro pela psicóloga Kelen Nahirne, que aborda o atendimento psicológico a crianças por meio de Ludoterapia. O evento de lançamento foi no dia 19 de fevereiro, às 19 horas, no auditório da UnC, campus Porto União, situado no Bairro Cidade Nova, à rua Joaquim Nabuco, 314. Conheça a produção científica e acadêmica de nossos egressos!
Aqui vai um pouco da história da Psicologia em nossa região e destes dois egressos, que terminaram sua graduação nos anos de 2015, Vanderlei e 2018, Kelen. Em sua graduação, Vanderlei fez pesquisa para Trabalho de Conclusão de Curso enfocando grupos, sob título Meditação na infância como recurso para auto-atualização. Kelen Nahirne elaborou para seu trabalho de conclusão de curso, um estudo de um caso de atendimento em Ludoterapia, ambos orientados dentro da Abordagem Centrada na Pessoa, de Carl Rogers.
As duas obras ora lançadas foram escritas a várias mãos, sendo a primeira “Abordagem Centrada na Pessoa – Experiências formativas”, vol.1, cujo capítulo 8 é de autoria de Vanderlei. Este foi escrito a partir de uma experiência de atendimento a um Grupo de Encontro realizado on line, em julho de 2022. O título do capítulo é Experiência de um grupo de encontro: o nado de um cardume em processo de atualização. A segunda obra é o volume 2 de Abordagem Centrada na Pessoa – Experiências formativas”, cujo capítulo 6 é de autoria de Kelen Nahirne, com o título A criança e a relação terapêutica além do diagnóstico na Abordagem Centrada na Pessoa.
Importante é conhecermos o empenho e dedicação deste psicólogo e desta psicóloga, ambos egressos do curso de Psicologia, campus Porto União da Universidade do Contestado. Este curso teve início em 2001 e já formou 14 turmas de psicólogos que atuam nas diversas áreas da Psicologia (Clínica, Escolar, Organizacional, Trânsito) local e regional. Atuam também na docência superior em instituições de ensino.
A trajetória de Kelen e Vanderlei teve início durante seu curso na graduação em Psicologia, quando, durante as aulas de Teorias da Personalidade III, que aborda a visão humanista do sujeito humano, sobretudo nas aulas que abordavam a ACP, se identificaram com seus conceitos. Um dos conceitos fundamentais desta abordagem é a consideração positiva incondicional, em outras palavras, aceitação da realidade do sujeito, como ponto de partida para seu autoconhecimento e crescimento. Outro conceito é a congruência, ou seja, alinhamento de sentimento, pensamento e ação. Também um conceito essencial desta abordagem é a compreensão empática ou capacidade de se colocar no lugar do outro, sem com ele se confundir. Estes três conceitos, consideração positiva incondicional, congruência e empatia, além de conceitos, são também atitudes facilitadoras nas relações humanas, não só terapêutica, mas também em todos os outros tipos de relação entre pessoas.
Tanto Kelen como Vanderlei, ao identificarem-se com esta abordagem nas aulas, a escolheram para pautar sua prática clínica em seus estágios curriculares. Mas além dos estágios, eles escolheram esta abordagem para fundamentar suas pesquisas e estudos em seus trabalhos de conclusão de curso, atividades nas quais tive a oportunidade e o gosto de orientá-los.
Após sua graduação, eles iniciaram sua vida profissional e, como é desejável e necessário, deram continuidade à sua capacitação, ampliando e aprofundando seus conhecimentos, buscando pós-graduação e formação nas áreas de sua identificação, a já mencionada Abordagem Centrada na Pessoa. Assim, chegaram ao Grupo Florescimento Humano, que oferece formação em diversas áreas da Psicologia (Escolar, Supervisão, Plantão psicológico, Clínica). A Abordagem Centrada na Pessoa, como o próprio nome indica, é centrada na pessoa e em seu potencial de crescimento, ou seja, não prioriza diagnósticos ou patologias, mas o ser em sua tendência atualizante, de crescimento constante em direção à sua realização como ser humano. Cada um, em sua diferença e peculiaridade, ao longo de sua vida, vai se tornando o melhor que pode ser. Sabemos que não há perfeição e nem finalização neste processo, mas há, sim, crescimento sempre, desde que este seja buscado.
As obras ora lançadas são fruto de trabalhos de conclusão de sua formação em curso em duas áreas da ACP. Vanderlei fez sua formação em Psicologia Clínica. Kelen optou pela Formação em Ludoterapia, área da Psicologia que faz atendimento a crianças. Ambas as formações são ministradas pelo Grupo Florescimento Humano, do Rio de Janeiro. Este grupo é coordenado pelo psicólogo Wagner Durange e Márcia Guimarães, que estiveram presentes no evento de lançamento destes livros. Na mesma data deste lançamento, Wagner e Márcia fizeram atividade presencial com psicólogos de nossa região. Esta atividade aconteceu na manhã do dia 09 de fevereiro, nas dependências do Campus UnC, Porto União.
Conhecer um pouco da trajetória destes dois jovens psicólogos dá visibilidade para o que pode vir a ser a carreira profissional de alunos comprometidos, que teve início em anos anteriores de sua formação. Com sua dedicação estão trazendo contribuições significativas para toda a sociedade regional e para a Psicologia Humanista do Brasil. Parabéns, Kelen! Parabéns, Vanderlei! Parabéns Psicologia da UnC!

Maris Stela da Luz Stelmachuk é membro da Academia de Letras Vale do Iguaçu – ALVI, ocupante da cadeira 16, cujo Patrono é Dr. Alvir Riesemberg.

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