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BREVES HISTÓRIAS

Lugares perdidos, mas não esquecidos

Começo a escrever essa breve história ouvindo a canção, Whatever happened, de Bryan Wilson, líder do lendário Beach Boys. Na canção ele fala sobre o que teria acontecido com seus lugares favoritos.
Pensando nisso, lembrei de alguns lugares que povoaram minha vida, da infância até os dias atuais. Quase nenhum deles existe mais.
Ainda menino e sempre morando na Barão do Cerro Azul, de vez em quando ia com minha mãe ao Chacaroski, um pequeno armazém que ficava na rua Castro Alves. Dona Ofir ora era atendida pela Matilde, ou pela Pelagia ou ainda pelo seu Eduardo, que os íntimos chamavam de Edio. Quando minha mãe finalizava as compras, ele antes de marcar na caderneta, invariavelmente, perguntava: E o que mais?
Eu quase sempre ganhava de minha mãe um pirulito ou outra guloseima qualquer.
Também perto de minha casa, na esquina das ruas 1º de Maio e Costa Carvalho, ficava o Armazém Rio-grandense, da família Bachinski. Lá eu ia sozinho comprar bolinhas de gude.
Num daqueles mitológicos natais, ganhei um Fort Apache, claro que comprado na Casa Willy Reiche. Decorridas algumas semanas depois do Natal, alguém trouxe a fantástica notícia de uma loja em Porto União, na Rua Prudente de Morais, entre a XV de Novembro e a 7 de Setembro, a Frau Winkler, que vendia soldados e índio, avulsos, do Fort Apache.
A loja fervilhava de garotos que ampliavam sua frota de ianques e de indígenas.
Ao lado de minha casa morava aquele que reputo como meu primeiro amigo, Tyrone José Braz Duarte, que já não está mais entre nós. Seu pai, seu Braz era o proprietário do Restaurante da Estação Ferroviária, onde Tyrone e eu costumávamos brincar. Certo dia seu Braz montou na garagem de sua casa,que ficava ao lado da minha, uma sorveteria, que não vendia sorvete, apenas dolés. Ainda não os chamávamos de picolés. Era uma festa, Tyrone se servia à vontade e eu na qualidade de seu melhor amigo me beneficiava desse luxo, sem pagar nada. Seu Braz e família foram embora daqui em março de 1969 e fiquei sem os dolés de anilina.
Na esquina das ruas 1º de Maio e João Gualberto, bem em frente à Praça João de Lima, havia o Bar da Dorilda, mãe de meu amigo, Rubiomar Antônio Savi. Como já contei por aqui, foi Dona Dorilda que nos ensinou a dançar e de quem também comprávamos dolés.
Já com uns 12 anos íamos ao Gabriel Nemes, acreditem se quiserem, para comprar pólvora. É isso mesmo, comprávamos pólvora e além dos longos rastilhos, fazíamos bombas caseiras. Felizmente, sofremos apenas algumas queimaduras leves, quando o artefato explosivo falhava.
Também veio do Willy Reiche meu autorama e minha segunda bicicleta, uma Monareta verde. A primeira veio da Hermes Macedo e era uma berlineta Caloi bordô, que vendi para meu vizinho José Roberto Machado.
Também foi da Willy Reiche meu primeiro conjunto estéreo, um Hi Fi da CCE, que me traz indeléveis lembranças.
Em meados dos anos 60, ainda não havia supermercados e minha mãe ia toda manhã comprar suprimentos para a confecção do almoço e jantar. Vez ou outra eu ia com ela a Casa de frutas do Xixo, que era na esquina da Manoel Ribas, com a Visconde de Guarapuava. Também nessa rua ficava a Padaria do Orlando, onde Dona Ofir abastecia de pães e alguns doces, nossa casa.
Minha mãe também comprava frutas e verduras no Zezito, único estabelecimento entre todos os citados, que ainda existe.
Lembro de ir com tia Lulu ao Restaurante Plaza, que ficava no Edifício Maria Thomazi, na Praça Alvir Riesemberg. Também fui algumas vezes com tia Lulu, na versão original da Pizzaria San Remo, localizada em cima do Cine Ópera e de propriedade dos grandes amigos de tia Lulu, Georgete e Josué de Oliveira. Com tio René eu ia de vez em quando, ao meio dia, na Kibelândia, na Cruz Machado, no Bar do Rozendo, na Praça Alvir Risemberg, no Círculo Militar de Porto União e no Bar do Arnoldo, na XV de Novembro e que anos mais tarde seria meu sogro, pai que era de Tereza, minha primeira mulher.
No final de 1974, eu, Nivaldo Camargo e Paulo Murara, começamos a namorar com umas meninas do Bairro São Bernardo. Elas como nós eram da mesma turma e foi aí que descobrimos o bar da Dona Dora na esquina da Santos Dumont com a Salgado Filho.
Ali fazíamos hora, esperando as meninas.
Já adolescente, comecei a frequentar a Big Lanchonete, na esquina da Praça Alvir Riesemberg, que era de propriedade da família de seu João Araújo, também dono do Restaurante da Estação Rodoviária, onde tio René e mestre Isael Pastuch eram assíduos frequentadores.
Da Big Lanchonete passamos para o El Sombrero, na esquina da Manoel Ribas com a Costa Carvalho. Ali protagonizei duas brigas. A primeira que não foi bem uma briga, já narrei por aqui, começou na noite de 24 de dezembro de 1975, quando eu por volta da meia noite, presenciei três sujeitos, que moravam próximos de mim, dando uma surra em um pobre coitado. Resolvi intervir e depois de dar alguns sopapos e levar o triplo deles, tive que bater em retirada, correndo para minha casa. O tal agredido ao invés de me ajudar, subiu em sua bicicleta e fugiu.
Dias depois passando pelo El Sombrero, lá estava um de meus agressores, que quando me viu fez menção de levantar, provavelmente, só para me assustar. Chamei-o e disse para Nivaldo que ele, provavelmente, para chegar até nós teria que passar pela pequena mureta que rodeava a lanchonete. Imaginei que ele subiria na mureta. Foi o que aconteceu, eu era ágil como um gato e dei uma voadora no peito do mancebo que caiu para dentro e ao levantar nós já estávamos em casa. Fiquei umas duas semanas quase sem sair. Hoje somos amigos.
Certa noite fomos ao Sombrero, acho que em uns 7 ou 8 garotos. Tomamos umas 10 cervejas e eis que, ninguém tinha dinheiro. O que fazer diante de inusitada situação.
Sugeri que contássemos baixinho até três e partíssemos em desabalada carreira. Deu certo, como raramente íamos ali, ninguém nos conhecia.
Passados uns dois meses, decidimos repetir a dose, mudando a rota de fuga, que seria, como foi, o Cemitério Municipal. Novamente deu certo e ficamos mais de ano sem aparecer por lá e o que ainda me motivou a clarear o cabelo.
Eu já havia encrespado meu cabelo já meio cacheado, meio rebelde e aí decidi descolori-lo. Foi nessas visitas ao Salão de Iracema Kulicheski, que conheci sua sobrinha Eli, que se tornaria minha grande amiga. Unia-nos a paixão pelo rock. Eli era moderna, descolada e mesmo assim sabia fazer tricô e me presenteou com um gorro de lã. No final das férias de fevereiro, quando ela voltou para Francisco Beltrão, lhe dei de presente um disco de Gilbert O´Sullivan, autor das inesquecíveis Alone Again e Clair.
Semana passada recebi um whatsapp seu, no qual ela me contou que seu cardiologista, cujo consultório é em Pato Branco, é daqui e me enviou um abraço. Trata-se de Edu Guérios. Ambos estudamos no Túlio de França, mas não na mesma série.
Finalmente, após frequentarmos a Big Lanchonete e o El Sombrero, já no auge da adolescência, passei a ir no X Burger.
Naquela época o programa obrigatório de domingo era a sessão noturna no Cine Ópera. Eu saia de casa um pouco antes e comia um hambúrguer no X, ao som de Walk on by, na versão de Gloria Gaynor, na lendária Juke Box da casa. Essa música também era a preferida do proprietário, o indefectível, Luís Ghidini.
Frequento o X até hoje e destes que citei, não apenas é o único em atividade, como neste ano está completando 50 anos, o que é assunto para uma próxima crônica.
É isso. Até lá então.

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BREVES HISTÓRIAS

Não se vencem eleições na véspera

Como nos aproximamos de mais um pleito municipal, lembrei das eleições de União da Vitória em 1988.
Nesse aludido ano fui um dos coordenadores da campanha de meu amigo Gilberto Brittes à Prefeitura Municipal e também atuei na coordenação da campanha para vereador de outro dileto amigo, Mário Patruni.

Gilberto Brittes acabou derrotado por Mário Riesemberg, enquanto Mário Patruni foi eleito vereador pelo PTB, com 396 votos. O PTB também elegeu nesse ano Hussein Bakri e Décio Pacheco.
A bem sucedida campanha de Mário Patruni foi ancorada, primeiramente, no excelente trabalho que ele fazia na direção da empresa Ivo Kerber, propiciando que ela apresentasse sensível crescimento naquele período. O que também contribuiu muito para a eleição de Mário, foi sua notável performance como dirigente esportivo. Mário montou um verdadeiro esquadrão de futebol de salão na empresa Ivo Kerber, que foi campeã paranaense dos Jogos do SESI.
Naquele período, mais ou menos em 86 ou 87, Mário foi candidato à presidência do Clube Aliança, enfrentando a poderosa chapa da situação, encabeçada por Olaf Sohn, sucessor de Antônio Swierk, cujo grupo, há muitos anos dirigia o Clube. Foi uma eleição muito acirrada e Mário perdeu por pequena margem de votos.
Cabe aqui ressaltar que a profícua atuação de Mário como vereador, fez com que ele quase triplicasse sua votação nas eleições de 1992, quando ele chegou próximo dos 800 votos.
Acompanhei de perto a atuação de Mário como vereador e dessa forma ainda lembro de alguns de seus projetos, que foram transformados em importantes Leis, como Vereador por um dia, Disque Câmara e a Fila especial nos bancos para idosos, gestantes e portadores de deficiência.
Mas o título desse breve relato prende-se ao fato de que terminada a apuração dos votos, que era realizada no Ginásio de Esportes Isael Pastuch, com os votos ainda impressos, Mário acabou não sendo eleito, apenas se elegendo pelo PTB, Hussein Bakri, o mais votado daquele pleito, com mais de 1000 votos e Décio Pacheco, com 800 votos.
O candidato Airton Maltauro Filho, que se não me engano, concorreu pelo PDS acabou eleito com essa legenda, ultrapassando o quociente eleitoral, por apenas alguns votos.
Saímos do Ginásio já desolados com a derrota de Gilberto Brittes e ainda mais cabisbaixos com a não eleição de Mário. Como eu era um razoável conhecedor da fórmula pela qual se calcula o quociente eleitoral, assim como o quociente partidário e de posse da votação nominal de todos os candidatos e dos votos atribuídos apenas às legendas, ao chegar em casa resolvi refazer os cálculos e eis que após vários recálculos, observei que o partido pelo qual Maltauro Filho havia concorrido, na verdade não atingira votos suficientes, ficando abaixo do quociente eleitoral.
Fui imediatamente à casa de Mário, com os cálculos nas mãos e disse que precisávamos interpor, imediatamente, um recurso solicitando a recontagem de votos, especificamente, do partido pelo qual concorrera Maltauro Filho.
Fomos até o Distrito de São Cristóvão, onde residia, Wilson da Silva, então presidente do PTB. Expliquei a situação e solicitei papel timbrado do partido, já assinado em branco, para que eu escrevesse o recurso. Fomos para minha casa, escrevi o recurso e levamos em mãos para Walter Ressel, então Juiz eleitoral.
Os votos foram recontados e de fato o partido de Maltauro não havia atingido o número de votos suficientes para a configuração do quociente eleitoral.
Portanto, Maltauro, que já comemorava a vitória no Barril 2001, não foi eleito, sendo eleito Mário Cesar Patruni.
Finalizo voltando ao título desse breve texto, afirmando com todas as letras, que eleição não se vence na véspera e, às vezes, nem no próprio dia.
E ainda existem negacionistas da extrema direita que advogam a volta do voto impresso.
Com o voto digital isso jamais teria acontecido.

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BREVES HISTÓRIAS

O que teria sido de nós?

Li recentemente o livro, A fábrica de cretinos digitais, de autoria do sociólogo francês, Michel Desmurget.
Nas mais de 400 páginas o autor discorre sobre os malefícios do abuso da Internet, principalmente, em crianças e adolescentes. Desmurget comprova, por meio de pesquisas, que pela primeira em várias décadas, essa geração tem um QI menor que o de seus pais.
Nessa mesma premissa, vou começar a ler nos próximos dias, A geração ansiosa – Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais, de autoria Jonathan Haidt.
O autor vai na mesma toada de Desmurget e analisa o, suposto, colapso mental da juventude e sugere medidas para uma infância mais saudável e livre de telas.
Embora o assunto seja instigante e perturbador, não me acho abalizado para discuti-lo por aqui, deixando-o ao encargo de minha amiga e também colunista de Caiçara, Maris Stela Stelmachuk, doutora em Psicologia e com anos de experiência.
Dessa forma, meus caríssimos e poucos, mas fiéis leitores, devem estar se perguntando porque abordei o assunto.
Posso explicar. A leitura do primeiro livro aqui mencionado, assim como de artigos e mesmo filmes sobre o assunto, me remeteu a minha adolescência, ou mais especificamente, a meus longínquos 15 anos, quando já disse por aqui, comecei a abandonar a bola de futebol, substituindo-a pelas primeiras paixões juvenis.
Como também já contei aqui nas páginas de Caiçara, minha primeira paixão juvenil foi por uma menina de nome Maristela. Como não tenho autorização dela, por que nunca falei com ela em toda minha vida, embora ela seja moradora de União da Vitória, omito seu sobrenome.
Ela como eu estudava no Túlio de França, acho que uma série depois de mim, embora fosse dois anos mais nova do que eu.
Volto a contar que tanto nos recreios das aulas, como na saída do colégio, nos olhávamos, mutuamente, mas nada de conversarmos. Acho que isso durou alguns meses. Como também já contei por aqui, certo dia, após o término das aulas, eu e Nivaldo Camargo, meu inseparável amigo, subíamos a Manoel Ribas, andando uns 20 metros atrás de Maristela e de Débora, sua também inseparável amiga, de repente elas se viraram e vieram em nossa direção. Apavorados entramos em uma loja, evitando assim o encontro. Não tenho certeza, pois aí já se vão mais de 50 anos, mas acho que foi aí que nosso caso nunca começado, tenha acabado.
Logo depois disso, ou talvez antes disso, eu Nivaldo e Paulo Murara, outro grande amigo, começamos a nos interessar por Rosa, uma linda garotinha que morava próxima de nós. Nenhum dos três teve a coragem de falar com ela, até que, em algum momento de 1973, ela se mudou da cidade.
Logo depois disso, já em 1974, eu ficava fascinado com a garotinha da bicicleta verde, que dava voltas e mais voltas em sua quadra e passava por mim, cada vez mais magnetizado por sua beleza e leveza. Para mim ela não andava em sua bicicleta, mas voava. Era Rossandra Monteiro da Cunha, hoje Codagnone e hoje minha amiga e que me autorizou a declinar seu nome.
Meu primeiro contato, com minha primeira namorada, Sônia Carneiro, foi por meio de um ex-vizinho e então vizinho dela e depois por bilhetes e até por um walkie talkie que eu e meu amigo Edson Mendes, compramos em sociedade. Com o precário alcance do aparelho e como eu já morava aqui na Barão do Cerro Azul e ela no Bairro São Bernardo, deixei o meu rádio com ela, enquanto eu falava com ela da casa de Edson, que era seu vizinho.
Meu querido leitor/leitora ainda deve estar se perguntando o que isso tem a ver com a Internet, que abordo no início dessas mal traçadas linhas?
Tem tudo a ver, ou melhor, como eu teria agido se naquela época, já houvesse telefone celular e redes sociais.
Será que protegido pela distância física eu teria tido coragem de falar com Maristela, Rosa e Rossandra, pelo Whats App ou Facebook?
Boa pergunta, mas impossível de responder. Mas lembrando de como eu era, acho que continuaria sem coragem para um primeiro contato. Acho, por outro lado, que enviaria músicas, esperando receber um sinal qualquer para depois efetivar o contato.
Com Sônia já teria sido diferente, e eu já do alto de meus 16 anos, e muito menos introvertido, teria trocado os radiotransmissores e os indefectíveis bilhetes pelo Whats App.
E você caro leitor/leitora, o que teria feito em situação semelhante a minha?
Até a próxima.

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BREVES HISTÓRIAS

Sutil e delicado

Neste ano de 2024, consegui assistir a todos os filmes concorrentes ao Oscar de melhor filme. Comecei assistindo Oppenheimer. Gosto bastante do trabalho de Christopher Nolan. Gostei do filme, embora o tenha achado convencional demais. Depois assisti Barbie. Apreciei a mensagem de empoderamento das mulheres, mas achei o filme, demasiadamente, juvenil. Já Assassinos da lua das flores, comecei a assistir duas vezes e acabei desistindo. Vou dar mais uma chance, mas confesso que ainda não fui seduzido pela história, embora a saiba pungente e revoltante.
Do diretor Bradley Cooper, eu havia assistido em 2018, Nasce uma estrela e agora com Maestro, que conta a vida de Leonard Bernstein, mas dá pouca importância à sua obra. Erro imperdoável.
Gostei muito de Anatomia de uma queda. Palma de Ouro em Cannes em 2023 e Oscar de melhor roteiro original. Assim como gostei de Os rejeitados, de Alexander Payne. Sou um fã incondicional de Paul Giamatti. Eu torcia por ele na categoria de melhor ator.
Também gostei muito de Ficção americana, cujo surpreendente roteiro adaptado valeu ao filme o Oscar nessa categoria
Mas vamos agora aos meus favoritos. O segundo melhor filme, para mim, foi Pobres criaturas, do grego, Yorgos Lanthimos e que foi o vencedor na categoria de melhor atriz, para Emma Stone, com atuação digna de antologia. O filme ainda levou os Oscars de Direção de Arte, Figurino e cabelo e maquiagem. Todos justíssimos. Pobres criaturas é um filme fantástico que inicia como um épico cômico e vai, gradualmente, evoluindo para uma crítica à supressão da liberdade, os bolsonaristas e os hipócritas conservadores não vão gostar e tampouco entender. Mas o filme segue avançando para uma crítica social da desigualdade e como se não bastasse ainda é, extremamente, feminista, recolocando gradualmente a mulher em seu lugar de destaque. Simplesmente genial.
Mas antes de abordar meu filme favorito, não posso deixar de mencionar o inquietante, denso e candente, Zona de interesse, Oscar de melhor filme internacional
Zona de interesse é um dos melhores filmes sobre o nazismo e expressa com todas as letras, ou melhor com imagens e sons, aquilo que Hanna Arendt chamou de a banalidade do mal. Imperdível.
Vamos então não apenas ao melhor dos concorrentes ao Oscar, como para mim, o melhor filme de 2023, e não apenas isso, um dos melhores filmes dos últimos anos.
Falo sim de Vidas passadas de Celine Song, que se inspirou em sua própria vida de imigrante para compor sua belíssima obra. Vidas passadas, é o filme de estreia da sul coreana, que além de diretora é também a roteirista do filme, que começa com uma cena em um bar onde três pessoas, dois homens e uma mulher conversam.
Aí há um corte e a cena retrocede 24 anos, quando um menino e uma menina caminham conversando. Com maestria, leveza e delicadeza Song vai desvelando a história.
Em certo momento da narrativa a personagem da mãe da protagonista, magnificamente vivida por Greta Lee, diz, em cada escolha que fazemos, ganhamos alguma coisa, mas irremediavelmente, perdemos outra.
O filme fala das escolhas que fazemos e de suas consequências, da reverberação de um primeiro amor, para alguns facilmente esquecido e para outros, como o casal de personagens, ao contrário, reverberando ao longo de suas vidas.
Doze anos após a partida da protagonista, primeiramente, com seus pais para o Canadá e depois para os EUA, eles se reencontram por uma rede social e aquele passado nunca esquecido é revisitado.
Em determinado momento da trama Nora decide interromper o contato com Hae Sung, temendo que o envolvimento deles atrapalhe sua carreira. Logo em seguida, em uma residência artística ela conhece Arthur, personagem interpretado pelo também excelente, John Magaro. Eles namoram e acabam antecipando o casamento para que ela obtenha o green card.
Mais doze anos se passam e o casal se reencontra em Nova Iorque, daí em diante o filme ganha ainda mais em densidade e sutileza, com a câmera os acompanhando de longe e quase sempre com os dois enquadrados em planos separados, denotando com isso a impossibilidade de um relacionamento, mesmo havendo uma profunda conexão entre eles. O distanciamento não é apenas geográfico e como na bela canção de Ivan Lins e Vitor Martins, Lembra de mim, ” perto daqui, mas tarde demais”. O tempo passou eles trilharam outros caminhos e mesmo conectados, parece que não há mais tempo para uma reaproximação, pelo menos nesta vida.
Ao fazermos nossas escolhas, lá na frente não será mais possível saber se elas foram as certas ou não, pois não podemos voltar no tempo e alterá-las.
A cena final, primeiro no restaurante quando o casal conversa em coreano, com o marido de Nora ouvindo, não entendendo e não interferindo, é magnífica e depois, enquanto Hae espera um Uber é de uma beleza poucas vezes vista no cinema.
A música de Stevie Wonder, All in loves fair, nos diz que no amor tudo é possível, nem sempre é assim, pois algumas de nossas decisões e escolhas podem ser irrevogáveis. O tempo terá passado e dificilmente, ou quase nunca, seremos os mesmos, embora certas lembranças nos acompanhem por toda vida.
Vidas passadas não é apenas imperdível, é memorável e é dessas lembranças que nos acompanham eternamente.

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