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COISAS DA BOLA

BASTIDOR “PESADO” DÁ CANECO

Desde menino, um líder dentro das quatro linhas. Por observação e esperteza aquele boleiro-beque já tinha percebido que triunfar em uma contenda, não era simplesmente saber chutar a bola com destino ao arco contrário. Notara ele, que também nos bastidores – na malandragem e na simpatia teria mais meios de se chegar a uma vitória dentro do tapete verde. Sempre falante, pela liderança carregava a braçadeira de capitão. Procurando orientar a sua turma de esquadrão, também fazia de tudo para ganhar a confiança do mediador. Elogiava-o, e nos questionamentos, com um sorriso na feição tratava o homem de preto com muito respeito e educação. Pela rodagem dentro do futebol neste pais-continente, ele era conhecido da maior parte dos apitadores e também tinha ganho a amizade de muitos, o que sempre lhe favorecia dentro das pelejas.
A contenda da vez era mais uma finalíssima de um importante certame de futebol de campo na terra das araucárias. Somente a vitória lhes garantiria o caneco. Aos visitantes – um quadro da capital, a igualdade no escore faria com que voltassem para casa campeões. O prélio seria no Estádio conhecido como Alto do Monte. Como se esperava, aquela praça esportiva estava totalmente abarrotada, pois os caminhões e ônibus colocados à disposição dos torcedores do interior daquela cidade retornaram apinhados de gente. Foi o maior e mais espetacular público em uma porfia de futebol naquele canto do Estado. Aquele título teria que ser ganho na limpeza ou na sujeira, porque em duas decisões de anos anteriores, batera na trave. Foram “afanados” e alijados da conquista, tendo em vista que os homens de preto naqueles dois cotejos vieram “preparados” para favorecer aos visitantes. Pela falta de malandragem e inexperiência, o quadro daquele boleiro-beque havia sido garfado dentro de seus domínios. Mas agora eles tinham aprendido, nesta decisão jogariam pesado, também nos bastidores.
Durante os dias e na calada das noites da semana que antecedeu aquela pugna decisiva, o homem da “mala preta” daquele clube interiorano fez um turismo à capital. Além da promessa de grande “mufunfa”, presenteou os dirigentes da entidade máxima do futebol com whisky, vinhos, e podem acreditar, lombos de carneiros e patos recheados, tanto é, que o juizão solicitado pela direção do clube foi escalado para mediar a refrega decisiva. Tudo estava pronto e premeditado. Aquele caneco teria que ficar em casa, não só devido ao “onze” que era muito bom, mas porque o homem do referee viria “pronto”. Se não conseguissem o triunfo na bola, o apitador sabia que teria que dar um jeito.
Como capitão do esquadrão, naquela tarde antes do prélio o boleiro-beque foi receber o conhecido mediador no portão de acesso ao estádio e, sem que ninguém percebesse, deixou o juizão a par, que sob o banco, dentro do seu vestiário estava um maço de notas do tamanho e valor que ele jamais teria visto. Sussurrou no ouvido do apitador: é um presente. Salientou, com uma mensagem de “pressão subliminar”, para que ele não se preocupasse, pois se tudo saísse dentro dos “conformes” a integridade física dele estaria garantida.
Pelos dois tuneis de acesso, os dois esquadrões adentraram juntos às quatro linhas. No centro do gramado, na hora do par ou ímpar, os dois capitães, além de presentearem um ao outro com uma flâmula do seu clube, ficaram surpresos, se reconheceram, pois eram ex-moradores da mesma cidade e tinham um grau de parentesco – mesmo que de longe. Um, era o boleiro-beque do esquadrão do interior, o outro era o centroavante do quadro da capital. Após uma pequena resenha sobre a terra natal, se abraçaram. O homem de preto trilou o apito e a “mexerica” rolou. A contenda transcorria equilibrada, aguerrida, pau a pau, digna de uma decisão. Acusou o escore parcial na primeira metade, zero a zero. Rolou o balão de couro na etapa derradeira. A massa inflamada não parava de gritar. O mediador com uma atuação estupenda apitava tudo em cima do lance, nem de longe deixando claro que tinha recebido uma baita verba.
Achando que o juiz tinha pipocado no “acerto”, usando da sua malandragem aquele boleiro beque-capitão interiorano foi o protagonista no lance de expulsão do capitão contrário, o centroavante, seu parente. Estando lado a lado, enquanto conversavam quase dentro da meia-lua da grande área, no mesmo momento em que o mediador dirigia o olhar para os dois, com uma de suas mãos o beque-capitão apanhou a mão direita do centroavante trazendo-a contra o seu rosto. E num gritedo de ai… ai… ai…, se jogou ao chão simulando uma agressão. Incontinenti, o juizão mandou o centroavante da capital tomar banho mais cedo. O pau cantou e a contenda ficou vários minutos paralisada. Na cabine de rádio destinada para a emissora da capital, uns criticavam o centroavante pela atitude, outros o defendiam dizendo que fora vítima da malandragem do beque. Serenados os ânimos, mas revoltados, o onze da capital armou uma retranca para tentar garantir o empate. Sofrendo muita pressão dos da casa, a bola teimava em não entrar na cidadela visitante. Batia na trave, no costado ou na bunda dos dez defensores e nada do tento sair, deixando claro que poderiam adentrar a noite peleando que a peca não iria ninar no fundo dos cordéis.
Faltando uns dez minutos para o final do cotejo caiu um toró de chuva acompanhado de raios. Novamente o confronto ficou interrompido. Meio que na surdina o homem do referee se aproximou do beque-capitão, e quase sussurrando, balbuciou que era para ele mandar um atacante cair dentro da área. Orientado para beijar o barro o ponta de lança dos da casa teimava em não se atirar ao chão. Nervoso, a ponto de ter um colapso cardíaco, o juizão gesticulou e perguntou para o beque-capitão: o cara vai cair ou não vai? E, em mais uma blits dentro da área grande dos da capital, faltando um minuto para o término, em um bate rebate, numa dividida quem se atirou ao chão foi o beque-capitão. Ouviu-se aquele apito do referee, tão forte como nenhuma vez naquele cotejo. No ato, cercado sob protesto dos visitantes, o mediador com o indicador em riste, sinalizou e mandou colocar a redonda na marca da cal. Pênalti marcado para os da casa. A grande massa torcedora que já estava atrás da meta ojerizando o guarda-valas da capital dobrou em quantidade, foi à loucura. Em um grito uníssono todos começaram a gritar o nome do cobrador oficial, tendo a certeza que mais uma vez ele estufaria os cordéis, pois naquele certame, não tinha errado nenhum. E lá foi o beque-capitão. A chuva caia e a marca penal estava cheia de água. Ele colocou a deusa branca um pouco mais para trás. Posicionado para a cobrança, aguardava o golquíper ir para o centro da sua meta. Embaixo da trave toda sem grama também tinha o acúmulo de água e estava num barral só feito pelas traves da chuteira daquele enorme arqueiro. Para um jovem, aquele momento decisivo poderia influenciar no seu psicológico, mas não no beque-capitão, nunca teve medo, a sua experiência naquilo era para poucos. Na certeza de que o barbante seria estufado ele estava ansioso para sair para o “abraço”. Era fitado pelo guardião que retirava o barro acumulado nas travas das suas chancas ao bater com os solados na parte inferior de um dos postes. Em alto som, com o dedo indicador apontado para o beque-cobrador, o quíper falava: vou catar…vou catar…vou catar. Nada daquele palavreado incomodava o cobrador. “Zóio no zóio”, o golquíper e o beque se encaravam num sorriso maroto, pois os gritos da torcida entoando o nome do beque-capitão prenunciava naquele ato o tento do título. Na distância de sempre, com toda a massa torcedora gritando o seu nome, ouviu-se o forte trilar do apito – convicto do canto escolhido o beque-batedor correu em direção da pelota. No mesmo instante que batia com o pé direito na deusa branca, resvalou e o tiro saiu chocho indo mansamente no canto contrário ao escolhido pelo guapo para efetuar a defesa. Tentando retornar e se atirar para catar aquele chute chocho, o guapo também resvalou naquele barral não conseguindo chegar a tempo, e aquela bola, mansamente, parecendo uma eternidade, somente transpôs a linha da meta sem sequer encostar na rede. O grito de gol, engasgado, ecoou por todas aquelas paragens. A torcida pulou o alambrado e invadiu o campo, e carregando nos ombros o beque-capitão, já comemorava o caneco. Com vários minutos de interrupção, o juizão após o chute para reinício, sem dar nenhum acréscimo trilou definitivamente o apito e, aquele esquadrão que fora garfado em dois anos anteriores, pela primeira vez abiscoitou aquele certame e junto com os torcedores invasores deu a volta olímpica.
Muitos anos se passaram, e em uma semana véspera ao dia de Natal, aguardando a esposa e filhos que visitavam as lojas para comprarem presentes, aquele beque-capitão tomava deliciosamente um chope sentando em um barzinho em plena rua XV, na capital paranaense. Totalmente absorto vendo o enorme movimento de pessoas que por ali transitavam, ele foi pego de surpresa quando um estranho de supetão sentou em uma cadeira bem a sua frente. Olhos nos olhos, encarando bem aquele homem, ele tentava lembrar de onde o conhecia. Percebendo que o beque-capitão não estava reconhecendo-o, ele se aproximou e balbuciou: manda um atacante cair dentro da área. Ao ouvir aquelas palavras, imediatamente, como que se abrindo as cortinas, um filme sobre aquele prélio decisivo começou a rodar na tela da mente do beque. A cena foi interrompida quando aquele senhor falou: não apito mais, encerrei a carreira naquele cotejo. Respondeu o beque: aquele foi o meu último caneco, pendurei as chuteiras naquela contenda. Sem trocar mais nenhuma palavra sobre futebol, papeando sobre vários assuntos os dois tomaram vários chopes até o instante em que a esposa e filhos do beque campeão chegaram cheios de pacotes de presentes. Após chamar o garçom para quitar as despesas, o zagueiro foi impedido de fazê-lo. Novamente balbuciando em um dos ouvidos, aquele ex-mediador falou: a despesa hoje é por minha conta, pois com aquele maço de dinheiro comprei um Ford Corcel ano 1970.

COISAS DA BOLA são fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outras frutos da minha imaginação. Qualquer semelhança será puro acaso.

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Mais uma de galo de briga

Do escritor da periferia – Craque Kiko.

Acadêmico da ALVI – Academia de Letras do Vale do Iguaçu.

Texto do livro prestes a ser lançado – Causos da vida de fato.

Um fulano de posses. Ele perambulava entre a elite e proletariado, mas entre a classe menos abastada é que se sentia à vontade.Amigo do peito dos amigos, sociável e de uma humildade a toda prova. Sempre que lhe solicitada uma ajuda, o fazia com gosto. Era muito conhecido em toda a região. Visto com um baita futuro político. Diziam, seria um prefeito, um deputado ou até um político nas mais altas esferas, por que não!Adorava uma caçada, tinha cães bem treinados. Corrida de cavalos, então, o fazia vibrar. Agora, em um rinhadeiro, seus galos de briga eram dos bons, muitos troféus faziam parte de sua galeria. Isso é um pouco do que era o Ivan. E, é sobre ele e briga de galo essa narrativa.

O povo entupia aquela rinha. Aquele ar enfastiado de catinga dos penosos, enfumaçado pelos paieiros feitos com fumo em corda, era conhecido daquela gente, que saído da raia de cavalos, ali do ladinho, já com muitas biritas pela cachola, vinha terminar aquele domingo assistindo a enorme e esperada peleja entre o invicto e famoso galo Branco, do Ivan. O oponente era um não menos famoso galo, também sem ter nunca conhecido um revés, da localidade conhecida como Três Barras, cidade vizinha da capital da erva-mate, Canoinhas.

Já ia para duas horas a luta, pau a pau. Era uma briga de gigantes, mas o galo visitante, tinhoso e técnico, até parecia que teve aulas, esporeava e dava bicadas certeiras. O galo Branco, após um pialocerteiro estava com um olho cegado, mas ainda peleava de igual para igual, até que, não deu mais para ele. Um contragolpe do visitante fez vazar a outra vista. Aí, foi uma verdadeira saraivada de golpes, mas resistia, e nas escuras tentava revidar. Seus golpes iam ao vazio, não achavam o seu algoz. Perto de três horas de uma verdadeira tunda, mas sempre em pé, valente, sangrando muito e só com a “capa da gaita”, o galo Brancotodo estoporado não atirava os panos. Não fazia parte da sua natureza se entregar. Então, o Ivan, com seu coração gemendo de pena, vendo tamanha judiaria, jogou a toalha e assumiu a derrota do galo Branco.

Zenóbio, um senhorzinho, amante inveterado de prélios galináceos, que não perdia de vista nenhuma contenda naquela rinha, pediu para si aquelegalo Branco, que na visão de todos por ali, tinha adquirido a aposentadoria por invalidez. Foi presenteado com o galo, e ouviu com tristeza do Ivan – faça um bom ensopado. Mas, Zenóbio, que pela experiência de vida, muitas vezes enxergava além muros, tinha outros planos para aquele galo. Vira nele uma raça fora do comum, pois aguentar em pé quase três horas de peleja, totalmente cego e levando pialo a briga toda, não merecia ir para a panela.

Antibióticos, banhos mornos, pomadas nas feridas, massagens com catinga de mulata e muito rango bem vitaminado, passou a ser o dia a dia daquele galo. Em três meses, com cegueira total, estava recuperado da sumanta levada no seu último combate. Foi fechado a sós em um pequeno galinheiro com uma galinha forte ebotadeira, que se achava a rainha da cocada preta. Fez valer o seu instinto de macho. Com a galinha tremendo e arrepiada, a cruza foi inevitável. No primeiro e único ovo daquela galinha periguete, deu o ar da graça neste mundo, um pintinho totalmente com penugens de uma brancura total, que a cada dia se via, saíra o focinho do papai.

O pinto cresceu e virou um galo porrudo. Zenóbio com seu vasto conhecimento o pôs em treinamento puxado. Vira naquele galo um futuro promissor, que poderia lhe dar muita mufunfa, mas não era só esse o seu interesse. Por intermédio de um telegrama enviado na Estação Ferroviária União, atou uma briga em altas cifras com aquele famoso galo de Três Barras, que ainda seguia invicto dando troféus e dinheiro para o seu dono.

Mais uma vez o rinhadeiro estava apinhado. Pulgas por ali se sentiriam espremidas. Tinha gente de todos os cantos e tocas das beiradas do Rio Iguaçu. Era a última briga daquele domingo. Mesmo sem terem visto o galo do Zenóbio, as apostas eram vinte e quatro contra um, favorável ao galo visitante, invicto e famoso. Como se fosse um prélio futebolístico alguém deu um apito para começar a renhida luta. Não foi renhida. Em poucas passadas, com golpes certeiros que pareciam igual a jogadas ensaiadas, o galão tresbarrensebeijou a lona e ficou estrebuchando. Era como se fosse uma vingança que estava engasgada, aquele galo vingara o galo pai.Zenóbio forrou a burra de tantas cédulas.

Abismado pela valentia daquele galo, Ivan quis saber de onde ele surgira. Zenóbioentão, contou toda a história, tintim por tintim e lhe deu de presente, pois aquele penoso era filho do cego galo que ele lhe dera para fazer um ensopado.

Naquela segunda-feira, ao viajar para o litoral para dar cuidados a uma de suas empresas, viajando tranquilo, Ivan teve o seu bilhete de passagem vencido, era a hora do seu desembarque. Do nada, uma encosta desmoronou e caiu sobre o seu auto. Ele desencarnou, e deste chão terreno, sob o comando de Zenóbio, não pode ver as glórias daquele galo, que passara a ser chamado de “Campeão”, do Ivan.

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COISAS DA BOLA

Da inocência para o mundo cão

        Ele tinha 17 anos, ela 16. Sempre que ele saía do treino, em frente da casa ela o esperava passar. Do outro lado da rua ele sorria, mas tinha receio de puxar uma prosa. Ela, espivetada, cansou de só ficar olhando. Puxou papo:

 – Está com medo de mim?

Tímido. Criando coragem não sabe de onde, ele se achegou e proseou:

 – Sim, tenho medo – nunca conversei com uma moça do teu naipe.

Pegou a mão direita dela, e com delicadeza beijou. Ela vermelhou toda. Ele sentiu ela tremer. Ela deu um beijo na bochecha dele. Emocionado, ele tremeu na base. E, foi desse jeito, que ataram um namoro.

        Todo dia após o treino do esquadrão profissional, ela estava na frente de casa esperando por ele. Suspirava ansiosa quando ele demorava. Ele não via a hora de estar com ela. Ocultos por detrás do portão roubavam beijos. Os arroubos da juventude afloravam. A libido dele ia para a copa dos paus. Ela se umedecia nas partes íntimas.

Já não aguentavam aqueles encontros furtivos atrás do portão. Começaram a se encontrar num paiolzinho nos fundos da casa dela. O pai não queria de jeito nenhum que ela namorasse. Ela era nova de tudo. Namorar com um boleiro, jamais. O pai sempre estava de botuca, mas era logrado. Quando ia trabalhar, o namorico deles pegava fogo naquele paiol, mas não iam além de umas poucas bulinações.

        O prélio pelo paranaense seria em Bandeirantes, contra o União. Na famosa Vila Maria. Viajando durante nove horas, ele matava a saudade ouvindo as músicas românticas nas fitas cassete que ela lhe emprestara junto com o seu gravador. Nessa viagem ele atinara. Estava perdidamente apaixonado. Na volta, ficaria nas barbas com o “sogro” e pediria para namorar de forma oficial. Se ele não deixasse, roubaria a filha.

        A volta era muito esperada. Venceram o cotejo por um a zero. Ele fez o tento bimbando uma falta. Mais nove horas de viagem. Noite toda. Ele muito feliz e com saudades dela. O consolo foi ouvir as músicas românticas. Seis horas da manhã aportaram na Sede do esquadrão. Ele dormiu no colchão sobre um beliche até meio dia. De banho tomado, roupa nos trinques, recendendo desodorante Avanço, do lado do alojamentobombiava e esperava que o pai dela fosse trabalhar. Enfim! Ele foi. Na correria foi até lá. Pela primeira vez ela lhe abriu a porta da casa. Ele entrou afoitamente. Entre beijos e abraços, passou uma rasteira e ela se estirou ao chão. Ajeitou o couro no terreno e se preparou para atirar forte. Em cima dela. Beijos, beijos e mais beijos. Ele, ávido, rasgou aquela blusinha fina, retirou o sutiã e com a cabeça entre aqueles enormes seios, ora em um, ora em outro, chegou a revirar os olhos de tanto sugar.

        Desconfiado, naquele dia, o pai fez que foi e, não foi trabalhar. Dando uma de “Migué”, lá na esquina ficou na espreita. Para sua própria desgraça armou um flagra. O que veria, nunca imaginou, talvez um futuro genro, “bezerrão”. Irado, enquanto correu para apanhar o machado lá no paiolzinho, o ex-futuro genro escafedeu-se, ouvindo que era um piá de bosta com os dias contados.

        O caminho deixou de ser pela frente da casa dela. Recebeu de volta todas as cartas perfumadas escritas para ela. Junto na bolsa, veio um bilhete alertando-o. A par do flagrante, o irmão dela, um louco varrido, junto com um bando iriam canchá-lo de pau. Que se cuidasse. Ele se armou. Começou a andar berrado. Dando uma desculpa esfarrapada, emprestara de um amigo polícia um 38 de marca Schmidt. Andava com aquele caga-fogo escondido na parte detrás da cintura.

        Armados de porretes, o bando lhe cercou. Quando foram lhe atacar, fez aquele trabuco cuspir fogo. Criou um rebuliço. Foi uma correria daquela turma. Nunca mais o importunaram. Mas, perdera de vez a namorada. Com muitas saudades, para conter o sofrimento, dentro da sua patente, vivia fazendo dedicação para ela usando os “cinco contra um”, imaginando estar sugando as suas enormes e duras tetas.

        Sabedor que ela estava de mira com um grã-fino, com um calorão na testa começou a frequentar um balcão. Um amigo de paleta vendo a sua sofrência, convidou-o para ir junto em um casamento. Após emprestar um paletó, de peru, apareceu na festa do casório. Viu uma moça a fitá-lo. Com uns goles a mais, ele virou um poeta. Encantou-a e se encantou com ela. Ali, acabara de conhecer um grande amor da sua vida, não para todo o sempre, pois o para sempre não existe, um dia vira fumaça.

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COISAS DA BOLA

A difícil peleia para se aposentar

Do escritor da periferia – Craque Kiko.

    Perícia daqui e perícia de lá. Ele estava sendo julgado insano. Era mais um encostado pela previdência social. Voltar a trabalhar estava fora dos seus planos, nem a “pau juvenal”. Queria ser aposentado a qualquer custo. 

    A nova perícia estava próxima. Um dia antes, ele tomava uns goles de pinga misturada com pólvora. Juntos nessa mistura, dois comprimidos para dormir. Seu corpo começava a demonstrar que estava com algum mal. Seu coração parece que ia sair do peito. Tremeliques e palavras desconexas. Já fora da casinha, novamente ele circulava pelado pelo pátio do prédio. Imaginando ter nas mãos uma “maquina” de procurar ouro, afirmava que o fundo da fossa estava repleto dele. Aos gritos e plantando bananeira com o fiofó virado para a lua, ele via novamente a ambulância chegar para atendê-lo. 

    Famoso pelo ato, já era conhecido dos enfermeiros. Obedecia-os, e dentro da Van seguiam para a UPA dando risadas. Cara a cara com o médico de plantão, armava um banzé. Um sossega leão na veia levava-o ao sono tranquilizante. Um internamento era inevitável. Após dias, medicado, recebia alta hospitalar. A sua pretendida aposentadoria por invalidez, imaginava, caminhava a passos largos. Logo, logo pintaria. Voltar para o trampo, nem por misericórdia. Mas, eis, que, como um aborto da natureza, a sua cura apareceu do nada quando foi enviado para um sanatório.

    Em uma noite, um dos plantonistas daquela casa para loucos não aguentando a fuzarca armada pelo pretendente à aposentadoria, resolveu ir para forra. Enquanto o interno dormia anestesiado o sono dos loucos, socou-lhe papel higiênico na boca e nos dois ouvidos. Também, com o interno deitado e amarrado na cama com a "busanfa" para cima, o enfermeiro tirou-lhe as pregas. Deflorou-o e gostou do ato. Toda noite o fato se repetia, mesmo com o interno acordado. Indefeso, só lhe restava chorar em silêncio. Algumas vezes reclamava, só que ninguém acreditava em suas palavras. Não aguentando mais aquelas sevícias, o louco de araque começou a se comportar. Melhorou do dia para a noite. Logo ganhou alta. Voltou a trabalhar no seu serviço público, mas lhe doía o botuqueiro quando entregava cartas sentado no selim de uma bicicleta.

    Depois de anos, a sua tão esperada aposentadoria veio, não por invalidez, mas por tempo de serviço. Infelizmente ficara com sequelas - um de seus ouvidos ficou surdo e o seu fiote estava alargado. Só de imaginar em ouvir a palavra sanatório, ficava pianinho, e se escondia embaixo da cama. Quando encontrava aquele enfermeiro do sanatório, que virara seu vizinho de porta, suas vistas transbordavam em lágrimas.

Uma tarde para não se esquecer
Do escritor da periferia – Craque Kiko. 
        Um frio do capeta. Lá fora o vento ainda fraco, mas longe de ser somente uma brisa, balançava os pequenos galhos das duas pequenas palmeiras nos extremos do meu pequeno jardim retangular. O Sol há dias tinha deixado de nos visitar. Eu, parado frente da janela do meu museu-estúdio, olhava lá para fora querendo entender porque o Dom Bilu não parava de latir no grande portão. Naquela hora, ele deveria estar ninando dentro da sua casinha, lá nos fundos da garagem. De onde eu estava, só conseguia visualizar a metade do portão. Querendo descobrir o porquê da tamanha latição, colocando o chapéu, sai pela porta dos fundos e marquei presença junto dele na frente do dito portão. Descobri o motivo, e esquecendo o dia cinzento, frio e neblinoso, abri um enorme sorriso. 

        O motivo era justo e merecia aquele ganiçar, desde que fosse uma declaração de amor ou um elogio para ela. A cadelinha era linda, igual a sua dona que a segurava por uma pequena corda. A dona da, quem sabe futura namorada do Dom Bilu, foi-se dali levando a cachorrinha. Dom Bilu se acalmou, saiu na correria até a garagem lá no fundo do pátio e voltou trazendo na boca, aquele pedaço de dinossauro de borracha já meio esgaceado. Entendi de cara o que ele desejava. Então, jogando aquele toco de dinossauro da frente do portão até os fundos do pátio, cerca de 35 metros, iniciamos o preparo físico dele. Eu arremessava o pedaço daquele réptil, ele saía na correria, apanhava e trazia até mim. E, assim, após vinte arremessos, com ele já colocando a língua de fora, encerramos os trabalhos. 

        Para me recuperar, já sentado no banco do pergolado lá no fundo do quintal, enquanto eu bebia um café na xícara do Vasco, o Dom Bilu sentado ao meu lado, salgava o peito com uma iguaria feita pela minha esposa. A cada gole daquele café quente e gostoso, encarando o cãozinho, que também me encarava após uma dentada ou outra naquela perna de galinha, nós dirigíamos o nosso olhar lá para o portão da frente. O Dom Bilu na ânsia que aquela cachorrinha retornasse, e eu, esperando uma caminhonete de lenha picada, que recém tinha encomendado.   

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