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BREVES HISTÓRIAS

Democracia para sempre

Já havia alguns anos que eu não me emocionava tanto com a política partidária e seus efetivos desdobramentos, como o que ocorreu agora em 2022 com a vitória de Lula e, posteriormente, em 1º de janeiro deste ano, com sua posse.
Cresci e, consequentemente, passei da infância à adolescência e desta para a idade adulta, durante o tenebroso período da ditadura militar.
Quando Médici decretou o AI 5, em 13 de dezembro de 1968, eu tinha 10 anos de idade, e, antes ainda, quando o poder foi tomado de assalto pelos militares, no golpe de 1º de abril de 1964, eu tinha 5 anos e ainda lembro que na manhã deste que foi um dos mais sombrios dias de nossa história, ao acordar recebi de tia Lulu a notícia de que o governo João Goulart havia sido derrubado, e, ainda pairava a possibilidade de uma luta armada. Levantei e fui até a janela da sala para ver se haviam pessoas lutando na rua.
Ainda menino, muitas vezes fui com tio René às Delegacias de Polícia, onde ele ia para coletar dados dos recentes acontecimentos policiais. Lembro que nas paredes das delegacias estavam afixados cartazes de procurados pela justiça, se é que se poderia chamar aquela justiça por este nome. Lá estavam entre outros que lembro, os nomes de dois grandes brasileiros assassinados pela ditadura, Carlos Marighella e Carlos Lamarca, cujas histórias eu, já adolescente, conheceria a fundo, ao ler não apenas a história de suas vidas, como outros livros paralelos. Ainda no final de minha adolescência e início da vida adulta passei a cultuar a memória desses gigantescos brasileiros.
Em 1977, quando Ernesto Geisel decretou o nefasto Pacote de abril, que resultou entre outras medidas de exceção, na cassação de inúmeros parlamentares, eu estava com 18 anos e começava a flertar com o ideário anarquista.
Em 1978, quando o MDB infligiu nova fragorosa derrota a ARENA, a exemplo do que havia feito em 1974, eu então com 20 anos, fui com tia Lulu, ao Clube Operário em um comício dos próceres da oposição, como José Richa e o grande orador, Alencar Furtado. Saí de lá com profunda admiração por esses líderes oposicionistas e durante a campanha eleitoral daquele ano, mantive em minha coluna, então intitulada, Câmera 1, aqui em Caiçara o seguinte: “Não sou de briga, sou de Richa”.
Faço esse longo introito para falar daquela que foi minha primeira grande emoção com a política, que foi a decretação da Anistia em 1979, ou mais, especificamente, com a volta dos anistiados, desembarcando no Brasil e saudados por centenas de familiares e amigos. Foi muito emocionante vê-los voltando ao som da magnífica, O bêbado e a equilibrista, de Aldir Blanc e João Bosco.
Mas se por um lado nos emocionávamos com a volta dos anistiados, nos entristecíamos com o fato de a tal anistia ampla geral e irrestrita, gestada por Golbery do Couto e Silva, beneficiar também os torturadores e assassinos, que como em outros países aqui da América do Sul, como a Argentina, levou os famigerados algozes da ditadura que durou de 1976 a 1982, para a prisão, sendo o maior exemplo disso o General Jorge Rafael Videla, tirano sanguinário, que foi condenado a prisão perpétua por crimes contra a humanidade e morreu na cadeia.
A Presidenta, Dilma Roussef, tentou retirar do processo de anistia aqueles que cometeram crimes contra a humanidade, que são imprescritíveis, mas acabou derrotada no STF e os algozes da ditadura permaneceram impunes e ainda hoje são saudados por quem não tem nenhuma consciência histórica, ou se tem, são fascistas como Bolsonaro e seu séquito.
Em 30 de abril de 1981, em um episódio que remete aos dias atuais, em um show para 20 mil pessoas no Rio Centro, dois militares descaracterizados perpetraram um ato terrorista que seria a explosão de bombas que mataria milhares e cuja autoria seria atribuída à esquerda. Mas o tiro saiu pela culatra e uma das bombas explodiu dentro do carro onde estavam os terroristas, matando um deles e ferindo, gravemente, o outro. Isso ocorreu em plena ditadura nunca se soube quem foram os mandantes do ato terrorista que visava impedir ali o final de ditadura.
No final de 1983, toma corpo o movimento pelas diretas e eclodem país afora monumentais comícios pedindo Diretas Já, que era uma emenda parlamentar do deputado Dante de Oliveira. Os comícios riscaram o país de ponta a ponta e chegaram a União da Vitória, sendo realizado no Ginásio de Esportes do Clube Apolo, com a participação de todas as lideranças de oposição do Paraná e ainda com a participação do cantor Wando. Lá estava eu envergando uma camiseta amarela, onde se lia, Diretas Já. Tenho dito a amigos e amigas, que não sei se um dia voltarei a usar amarelo, acho que não.
Minha terceira grande comoção com fatos originários da política partidária, foi a vitória de Lula em 2002. Aqui cabe um parêntese, esse foi meu primeiro voto em Luiz Inácio Lula da Silva e, consequentemente, no PT.

Eu era eleitor do PSDB, mais especificamente, de Fernando Henrique Cardoso, intelectual de esquerda, que havia sido banido do país, tendo vivido na França, onde deu aulas na Sorbonne. Não é pouco. Eu, de forma ingênua, acreditei no ideário social democrata do PSDB e já vislumbrava o Brasil como uma Dinamarca dos trópicos, com muito menos desigualdade. Ledo engano, de social democrata o PSDB só tinha o nome. Era um partido de direita, neoliberal e como tal, altamente, privatista. A coisa piorou quando FHC para aprovar a emenda que permitiria a reeleição, abriu um balcão de negócios no governo e saiu comprando meio mundo. Comprou e a reeleição foi aprovada. Em 1998, ainda fui convencido por seu discurso de campanha, no qual ele dizia que agora sim poderíamos nos transformar em um país social democrata. Nada disso aconteceu e votei em Lula em 2002, em sua proposta socialista de diminuir desigualdades e oferecer oportunidades senão para todos, para muito mais gente.
Em 2002, eu fazia um Mestrado em Comunicação e Linguagens, na Universidade Tuiuti do Paraná. As aulas eram as sextas-feiras e uma vez por mês eram quinta e sexta. Na sexta-feira que antecedia as eleições, eu saí de Curitiba as 19h, e vi a cidade tomada de bandeiras vermelhas e tive a certeza de que ganharíamos as eleições. Vendo aquele espetáculo belíssimo, com as ruas tomadas pelo vermelho, ali mesmo no ônibus, em meio a uma profusão de redentoras lágrimas, escrevi uma crônica, contando essa insólita experiência e a publiquei em Caiçara no sábado seguinte. Finalmente, o PT ganhava uma eleição e com a vitória a certeza de dias melhores, que de fato vieram e com eles, o projeto Minha casa minha vida, a Farmácia popular, o Bolsa família, o FIES, o Prouni, a acentuada melhoria na educação com a instalação dos Institutos Federais, entre tantas outras coisas, que não podem ser negadas nem pelo mais insano dos terroristas fanáticos que agora estão por aí e surgiram sabe-se lá de onde.
Já há 20 anos eu não era tomado por uma emoção visceral, como fui agora na vitória de Lula.
Mas nem tudo saiu como planejado e a eleição foi para o segundo turno.
Mais que entristecido, fiquei indignado e muito preocupado e por vários dias não assisti TV e nem li a Folha de São Paulo, que desde 1979, leio diariamente, ou melhor, agora escuto.
Mas em nenhum momento me acovardei e continuei indo para as ruas.
Ao contrário do que fiz no primeiro turno, decidi não acompanhar a marcha das apurações. Enquanto, Marga acompanhava na sala, me deitei e acabei dormindo, sendo acordado por um ruído de meu celular, era minha filha Nina Rosa, que mora em São Paulo e me dizia com voz embargada, Lula acaba de virar. Antes mesmo de responder à mensagem, meu celular toca e é Mayara, minha outra filha, me ligando de San Francisco, na Califórnia, onde mora. Ela me diz, pai com 98% dos votos apurados, Lula abre uma diferença, que não poderá mais ser alcançada. Conversamos mais um pouco, Mayara me fala que desafiou bolsonaristas nas ruas, anunciando que para eles o fim estava bem perto.
Saí finalmente do quarto e encontro Marga já eufórica, nos abraçamos e choramos.
Volto para o quarto e grito a plenos pulmões, em minha janela, acabou o pesadelo.
Nesse momento recebo uma mensagem de minha amiga, Delamar Corrêa, dizendo que está indo para a Praça Coronel Amazonas. Eu e Marga pegamos nossa bandeira e como moramos muito perto da Praça em questão, vamos a pé, ignorando a chuva, que vai se misturando com nossas lágrimas. Ao chegar na Praça, já começando a ficar, totalmente, tomada e banhada pelo vermelho, encontramos muitos amigos e aí a catarse foi total. Fim do pesadelo, a certeza de novos dias, sem preconceito, sem intolerância e com o firme propósito da diminuição da desigualdade.
Dia 1º de janeiro de 2023 vem a posse, que é o maior símbolo de nossa breve história da retomada da democracia, o maior símbolo da diversidade, de um Brasil fraterno, sem ódio e, finalmente, com a certeza de dias melhores.
Viva a democracia, viva LULA.

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BREVES HISTÓRIAS

Não se vencem eleições na véspera

Como nos aproximamos de mais um pleito municipal, lembrei das eleições de União da Vitória em 1988.
Nesse aludido ano fui um dos coordenadores da campanha de meu amigo Gilberto Brittes à Prefeitura Municipal e também atuei na coordenação da campanha para vereador de outro dileto amigo, Mário Patruni.

Gilberto Brittes acabou derrotado por Mário Riesemberg, enquanto Mário Patruni foi eleito vereador pelo PTB, com 396 votos. O PTB também elegeu nesse ano Hussein Bakri e Décio Pacheco.
A bem sucedida campanha de Mário Patruni foi ancorada, primeiramente, no excelente trabalho que ele fazia na direção da empresa Ivo Kerber, propiciando que ela apresentasse sensível crescimento naquele período. O que também contribuiu muito para a eleição de Mário, foi sua notável performance como dirigente esportivo. Mário montou um verdadeiro esquadrão de futebol de salão na empresa Ivo Kerber, que foi campeã paranaense dos Jogos do SESI.
Naquele período, mais ou menos em 86 ou 87, Mário foi candidato à presidência do Clube Aliança, enfrentando a poderosa chapa da situação, encabeçada por Olaf Sohn, sucessor de Antônio Swierk, cujo grupo, há muitos anos dirigia o Clube. Foi uma eleição muito acirrada e Mário perdeu por pequena margem de votos.
Cabe aqui ressaltar que a profícua atuação de Mário como vereador, fez com que ele quase triplicasse sua votação nas eleições de 1992, quando ele chegou próximo dos 800 votos.
Acompanhei de perto a atuação de Mário como vereador e dessa forma ainda lembro de alguns de seus projetos, que foram transformados em importantes Leis, como Vereador por um dia, Disque Câmara e a Fila especial nos bancos para idosos, gestantes e portadores de deficiência.
Mas o título desse breve relato prende-se ao fato de que terminada a apuração dos votos, que era realizada no Ginásio de Esportes Isael Pastuch, com os votos ainda impressos, Mário acabou não sendo eleito, apenas se elegendo pelo PTB, Hussein Bakri, o mais votado daquele pleito, com mais de 1000 votos e Décio Pacheco, com 800 votos.
O candidato Airton Maltauro Filho, que se não me engano, concorreu pelo PDS acabou eleito com essa legenda, ultrapassando o quociente eleitoral, por apenas alguns votos.
Saímos do Ginásio já desolados com a derrota de Gilberto Brittes e ainda mais cabisbaixos com a não eleição de Mário. Como eu era um razoável conhecedor da fórmula pela qual se calcula o quociente eleitoral, assim como o quociente partidário e de posse da votação nominal de todos os candidatos e dos votos atribuídos apenas às legendas, ao chegar em casa resolvi refazer os cálculos e eis que após vários recálculos, observei que o partido pelo qual Maltauro Filho havia concorrido, na verdade não atingira votos suficientes, ficando abaixo do quociente eleitoral.
Fui imediatamente à casa de Mário, com os cálculos nas mãos e disse que precisávamos interpor, imediatamente, um recurso solicitando a recontagem de votos, especificamente, do partido pelo qual concorrera Maltauro Filho.
Fomos até o Distrito de São Cristóvão, onde residia, Wilson da Silva, então presidente do PTB. Expliquei a situação e solicitei papel timbrado do partido, já assinado em branco, para que eu escrevesse o recurso. Fomos para minha casa, escrevi o recurso e levamos em mãos para Walter Ressel, então Juiz eleitoral.
Os votos foram recontados e de fato o partido de Maltauro não havia atingido o número de votos suficientes para a configuração do quociente eleitoral.
Portanto, Maltauro, que já comemorava a vitória no Barril 2001, não foi eleito, sendo eleito Mário Cesar Patruni.
Finalizo voltando ao título desse breve texto, afirmando com todas as letras, que eleição não se vence na véspera e, às vezes, nem no próprio dia.
E ainda existem negacionistas da extrema direita que advogam a volta do voto impresso.
Com o voto digital isso jamais teria acontecido.

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BREVES HISTÓRIAS

O que teria sido de nós?

Li recentemente o livro, A fábrica de cretinos digitais, de autoria do sociólogo francês, Michel Desmurget.
Nas mais de 400 páginas o autor discorre sobre os malefícios do abuso da Internet, principalmente, em crianças e adolescentes. Desmurget comprova, por meio de pesquisas, que pela primeira em várias décadas, essa geração tem um QI menor que o de seus pais.
Nessa mesma premissa, vou começar a ler nos próximos dias, A geração ansiosa – Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais, de autoria Jonathan Haidt.
O autor vai na mesma toada de Desmurget e analisa o, suposto, colapso mental da juventude e sugere medidas para uma infância mais saudável e livre de telas.
Embora o assunto seja instigante e perturbador, não me acho abalizado para discuti-lo por aqui, deixando-o ao encargo de minha amiga e também colunista de Caiçara, Maris Stela Stelmachuk, doutora em Psicologia e com anos de experiência.
Dessa forma, meus caríssimos e poucos, mas fiéis leitores, devem estar se perguntando porque abordei o assunto.
Posso explicar. A leitura do primeiro livro aqui mencionado, assim como de artigos e mesmo filmes sobre o assunto, me remeteu a minha adolescência, ou mais especificamente, a meus longínquos 15 anos, quando já disse por aqui, comecei a abandonar a bola de futebol, substituindo-a pelas primeiras paixões juvenis.
Como também já contei aqui nas páginas de Caiçara, minha primeira paixão juvenil foi por uma menina de nome Maristela. Como não tenho autorização dela, por que nunca falei com ela em toda minha vida, embora ela seja moradora de União da Vitória, omito seu sobrenome.
Ela como eu estudava no Túlio de França, acho que uma série depois de mim, embora fosse dois anos mais nova do que eu.
Volto a contar que tanto nos recreios das aulas, como na saída do colégio, nos olhávamos, mutuamente, mas nada de conversarmos. Acho que isso durou alguns meses. Como também já contei por aqui, certo dia, após o término das aulas, eu e Nivaldo Camargo, meu inseparável amigo, subíamos a Manoel Ribas, andando uns 20 metros atrás de Maristela e de Débora, sua também inseparável amiga, de repente elas se viraram e vieram em nossa direção. Apavorados entramos em uma loja, evitando assim o encontro. Não tenho certeza, pois aí já se vão mais de 50 anos, mas acho que foi aí que nosso caso nunca começado, tenha acabado.
Logo depois disso, ou talvez antes disso, eu Nivaldo e Paulo Murara, outro grande amigo, começamos a nos interessar por Rosa, uma linda garotinha que morava próxima de nós. Nenhum dos três teve a coragem de falar com ela, até que, em algum momento de 1973, ela se mudou da cidade.
Logo depois disso, já em 1974, eu ficava fascinado com a garotinha da bicicleta verde, que dava voltas e mais voltas em sua quadra e passava por mim, cada vez mais magnetizado por sua beleza e leveza. Para mim ela não andava em sua bicicleta, mas voava. Era Rossandra Monteiro da Cunha, hoje Codagnone e hoje minha amiga e que me autorizou a declinar seu nome.
Meu primeiro contato, com minha primeira namorada, Sônia Carneiro, foi por meio de um ex-vizinho e então vizinho dela e depois por bilhetes e até por um walkie talkie que eu e meu amigo Edson Mendes, compramos em sociedade. Com o precário alcance do aparelho e como eu já morava aqui na Barão do Cerro Azul e ela no Bairro São Bernardo, deixei o meu rádio com ela, enquanto eu falava com ela da casa de Edson, que era seu vizinho.
Meu querido leitor/leitora ainda deve estar se perguntando o que isso tem a ver com a Internet, que abordo no início dessas mal traçadas linhas?
Tem tudo a ver, ou melhor, como eu teria agido se naquela época, já houvesse telefone celular e redes sociais.
Será que protegido pela distância física eu teria tido coragem de falar com Maristela, Rosa e Rossandra, pelo Whats App ou Facebook?
Boa pergunta, mas impossível de responder. Mas lembrando de como eu era, acho que continuaria sem coragem para um primeiro contato. Acho, por outro lado, que enviaria músicas, esperando receber um sinal qualquer para depois efetivar o contato.
Com Sônia já teria sido diferente, e eu já do alto de meus 16 anos, e muito menos introvertido, teria trocado os radiotransmissores e os indefectíveis bilhetes pelo Whats App.
E você caro leitor/leitora, o que teria feito em situação semelhante a minha?
Até a próxima.

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BREVES HISTÓRIAS

Sutil e delicado

Neste ano de 2024, consegui assistir a todos os filmes concorrentes ao Oscar de melhor filme. Comecei assistindo Oppenheimer. Gosto bastante do trabalho de Christopher Nolan. Gostei do filme, embora o tenha achado convencional demais. Depois assisti Barbie. Apreciei a mensagem de empoderamento das mulheres, mas achei o filme, demasiadamente, juvenil. Já Assassinos da lua das flores, comecei a assistir duas vezes e acabei desistindo. Vou dar mais uma chance, mas confesso que ainda não fui seduzido pela história, embora a saiba pungente e revoltante.
Do diretor Bradley Cooper, eu havia assistido em 2018, Nasce uma estrela e agora com Maestro, que conta a vida de Leonard Bernstein, mas dá pouca importância à sua obra. Erro imperdoável.
Gostei muito de Anatomia de uma queda. Palma de Ouro em Cannes em 2023 e Oscar de melhor roteiro original. Assim como gostei de Os rejeitados, de Alexander Payne. Sou um fã incondicional de Paul Giamatti. Eu torcia por ele na categoria de melhor ator.
Também gostei muito de Ficção americana, cujo surpreendente roteiro adaptado valeu ao filme o Oscar nessa categoria
Mas vamos agora aos meus favoritos. O segundo melhor filme, para mim, foi Pobres criaturas, do grego, Yorgos Lanthimos e que foi o vencedor na categoria de melhor atriz, para Emma Stone, com atuação digna de antologia. O filme ainda levou os Oscars de Direção de Arte, Figurino e cabelo e maquiagem. Todos justíssimos. Pobres criaturas é um filme fantástico que inicia como um épico cômico e vai, gradualmente, evoluindo para uma crítica à supressão da liberdade, os bolsonaristas e os hipócritas conservadores não vão gostar e tampouco entender. Mas o filme segue avançando para uma crítica social da desigualdade e como se não bastasse ainda é, extremamente, feminista, recolocando gradualmente a mulher em seu lugar de destaque. Simplesmente genial.
Mas antes de abordar meu filme favorito, não posso deixar de mencionar o inquietante, denso e candente, Zona de interesse, Oscar de melhor filme internacional
Zona de interesse é um dos melhores filmes sobre o nazismo e expressa com todas as letras, ou melhor com imagens e sons, aquilo que Hanna Arendt chamou de a banalidade do mal. Imperdível.
Vamos então não apenas ao melhor dos concorrentes ao Oscar, como para mim, o melhor filme de 2023, e não apenas isso, um dos melhores filmes dos últimos anos.
Falo sim de Vidas passadas de Celine Song, que se inspirou em sua própria vida de imigrante para compor sua belíssima obra. Vidas passadas, é o filme de estreia da sul coreana, que além de diretora é também a roteirista do filme, que começa com uma cena em um bar onde três pessoas, dois homens e uma mulher conversam.
Aí há um corte e a cena retrocede 24 anos, quando um menino e uma menina caminham conversando. Com maestria, leveza e delicadeza Song vai desvelando a história.
Em certo momento da narrativa a personagem da mãe da protagonista, magnificamente vivida por Greta Lee, diz, em cada escolha que fazemos, ganhamos alguma coisa, mas irremediavelmente, perdemos outra.
O filme fala das escolhas que fazemos e de suas consequências, da reverberação de um primeiro amor, para alguns facilmente esquecido e para outros, como o casal de personagens, ao contrário, reverberando ao longo de suas vidas.
Doze anos após a partida da protagonista, primeiramente, com seus pais para o Canadá e depois para os EUA, eles se reencontram por uma rede social e aquele passado nunca esquecido é revisitado.
Em determinado momento da trama Nora decide interromper o contato com Hae Sung, temendo que o envolvimento deles atrapalhe sua carreira. Logo em seguida, em uma residência artística ela conhece Arthur, personagem interpretado pelo também excelente, John Magaro. Eles namoram e acabam antecipando o casamento para que ela obtenha o green card.
Mais doze anos se passam e o casal se reencontra em Nova Iorque, daí em diante o filme ganha ainda mais em densidade e sutileza, com a câmera os acompanhando de longe e quase sempre com os dois enquadrados em planos separados, denotando com isso a impossibilidade de um relacionamento, mesmo havendo uma profunda conexão entre eles. O distanciamento não é apenas geográfico e como na bela canção de Ivan Lins e Vitor Martins, Lembra de mim, ” perto daqui, mas tarde demais”. O tempo passou eles trilharam outros caminhos e mesmo conectados, parece que não há mais tempo para uma reaproximação, pelo menos nesta vida.
Ao fazermos nossas escolhas, lá na frente não será mais possível saber se elas foram as certas ou não, pois não podemos voltar no tempo e alterá-las.
A cena final, primeiro no restaurante quando o casal conversa em coreano, com o marido de Nora ouvindo, não entendendo e não interferindo, é magnífica e depois, enquanto Hae espera um Uber é de uma beleza poucas vezes vista no cinema.
A música de Stevie Wonder, All in loves fair, nos diz que no amor tudo é possível, nem sempre é assim, pois algumas de nossas decisões e escolhas podem ser irrevogáveis. O tempo terá passado e dificilmente, ou quase nunca, seremos os mesmos, embora certas lembranças nos acompanhem por toda vida.
Vidas passadas não é apenas imperdível, é memorável e é dessas lembranças que nos acompanham eternamente.

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