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COISAS DA BOLA

ACHA QUE É DE GRAÇA MORAR NO NOSSO CORAÇÃO!

Com a mente inspirada para digitar uns textos, coisa que faço diariamente, fechado no meu pequeno museu-estúdio ouvi o toc, toc, toc do meu netinho Bernardo Getúlio e da netinha Isabela ao baterem na porta de acesso. Dei a autorização para eles adentrarem e perguntei o que eles desejavam, já que eu estava trabalhando, escrevendo crônicas e resenhas sobre o futebol. Tomando a dianteira, olhando bem no meu focinho e com um sorriso malandro, Isabela perguntou se eu poderia lhes dar uma “verbinha” para irem na sorveteria próxima de casa, alegando que o calor estava insuportável. O Bernardo Getúlio, se meteu na prosa e usando como argumento, perguntou se eu achava que era de graça morar no coração deles. Pasmo pelo palavreado dos dois lhes dei trela e iniciamos uma prosa que durou praticamente toda tarde, e o sorvete, a princípio, ficou no esquecimento, quando eles insistiram para eu contar uma das minhas historinhas. É para já, disse eu. E, lá fui rasgando o verbo… no meu conhecido linguajar…
Sentado no seu banco preferido lá fundo do pátio da sua mansão, lendo o jornal semanário de qual era assinante, João Maria teve a sua atenção chamada, quando em frente ao seu portão de grades um fulano desconhecido batia palmas. Trôpego e andando com dificuldades pela idade avançada, levantou-se do banco e foi ter com aquele elemento. Julgando não o conhecer, cumprimentou-o e foi indagando sobre o que ele desejava. Cara a cara, fitando o João Maria de baixo até riba, ele perguntou:
– Você não é o Bananeirinho?
– Quando eu era muito piá me chamavam assim, respondeu o João Maria.
– Eu sou o Empadinha, aquele menino que sentava com você na mesma carteira na sala de aula, quando estudávamos no primário. Continuou o fulano:
– Você foi o piá mais valente que conheci, pois se vingou por nós daquela professora da peste.
Após baterem um pequeno papo no portão, João Maria e Empadinha relembraram algumas passagens das suas infâncias. Logo em seguida o Empadinha foi embora, dizendo que tinha um compromisso médico, mas não sem antes dar a palavra de que se encontrariam para relembrar mais coisas do tempo de piá. Sozinho, em pé diante do portão e se segurando nas grades, pensativo sobre o fato que o Empadinha trouxe à luz, João Maria resolveu voltar novamente para o fundo do pátio e sentar naquele banco, e como uma viagem no tempo, se viu lá no Colégio Balduíno Cardoso e lembrou-se em detalhes daquele ato grotesco cometido por ele. E, como se estivesse consultando com uma psicóloga, relembrou aquele acontecimento para tentar uma superação, porque percebeu que aquilo até nos seus dias de velhice o martirizava. Lembrou tudo nitidamente. Tudo aconteceu assim…
A prova estava sendo aplicada. A criançada toda estava concentrada em um silêncio quase taciturno para responder as questões, cujas notas seriam registradas no boletim de cada um. João Maria e seu amigo Empadinha dividiam a mesma carteira, bem como, o mesmo pote de tinteiro, onde sempre devia estar armazenada a tinta que usariam em suas canetas à pena. Naquele dia de prova o João Maria era responsável por levar a tinta para municiar o dito tinteiro. Não levou, pois, o seu tinteiro fora mau fechado e a tinta derramou toda dentro da sua pequena mala surrada pelo uso, que acondicionava os cadernos. Foi uma sujeira só.
Logo no início da prova acabou a tinta da sua caneta e, nos seus dez anos de idade começou a tremer. Com baita medo daquela professora megera, se debruçou sobre a folha da prova e começou a pensar o que fazer. Criou coragem e levantou uma das mãos, falando que tinha acabado a tinta da sua caneta, porque por descuido ele tinha virado o seu tinteiro dentro da mala dos cadernos. Ouviu como sempre uma resposta seca e ríspida, porque era nesse tom que ela se dirigia aos alunos filhos de pais proletários. Disse ela: – Te vira! Para os dois coleguinhas – o filho do prefeito e a menina filha de um causídico, o tratamento era totalmente ao contrário dos demais. Era aveludado. Ela sempre tecia elogios deixando sempre bem claro de como os dois eram inteligentes e, certamente, teriam futuros auspiciosos, iguais aos seus pais. Com mais medo ainda, João Maria debruçou-se sobre a carteira e ficou quietinho. Quando tocou a sineta avisando que tinha acabado a aula, junto com os demais alunos e alunas ele entregou a sua prova só que sem responder nenhuma questão, e foi embora. Na aula seguinte todos receberam o boletim e na sua nota, escancarada estava um “zerão” escrito com tinta vermelha. O medo começou a tomar conta de João Maria, pois com certeza o pau ia cantar lá em sua casa quando seus pais vissem aquela nota. Tentando fugir do cambuí no lombo, escondeu o boletim atrás do guarda-roupas do seu quarto, e frequentemente como justificativa dizia para sua mãe, que somente receberiam o boletim no final do ano.
Estava chegando ao final o ano letivo quando sua mãe resolveu fazer uma faxina geral no seu pequeno quarto, e descobriu, jogado atrás do seu guarda-roupas o boletim com o “zerão em vermelho”. Na conversa de pé de orelha que tiveram, pela primeira vez ele teve coragem e contou tintim por tintim do que aconteceu e acontecia dentro da sala de aula. Talvez o seu relato naquela hora foi o que abrandaria a ira de sua mãe na infração que ele cometeria no último dia de aula.
Precisando tirar a nota dez para compensar aquele zero, na prova final, para ser aprovado e ganhar o direito de fazer o exame de admissão para cursar as séries do ginasial, fiscalizado pela sua mãe, João Maria foi obrigado a estudar toda a lição dada durante o ano. Aos trancos e barrancos ele conseguiu tirar a nota necessária para aprovação, e aquele esforço, foi o que lhe deu conhecimentos e o ajudou na aprovação do exame de admissão ao ginásio.
Era o último dia de aulas do primário, liberados do uso do uniforme todos poderiam ir com qualquer vestimenta, mas ele foi com o “guarda-pozinho” de sempre. Premeditadamente, João Maria foi usando na cabeça um pequeno chapéu de feltro preto e, em virtude disso, os seus amiguinhos de classe começaram a lhe chamar de “chapéu de catar ovo”, inclusive a mestra, que demonstrava muita satisfação em fazer gozação com ele, mas não imaginava ela, que o que era dela estava guardado.
Após ouvirem o som da sineta avisando o final do tempo do recreio, todos adentraram para as salas de aula. João Maria não. Sozinho, postado ao lado dos mastros das bandeiras, levantou o guarda-pó, abaixou a calça curta, e de cócoras, fez um “número dois” meio avantajado e o cobriu com o chapéu de feltro. Saiu correndo dali e foi até a sua sala de aula, abriu a porta e antes que levasse o tradicional pito da professora, foi falando em som alto: – Peguei… peguei… peguei com o meu chapéu! – Pegou o que criatura? Disse a professora. – Um passarinho que nunca vi igual, respondeu João Maria. Antes de terminar de falar foi uma corrimaça de crianças atrás dele. Todos em volta daquele chapéu de feltro preto para ver o passarinho. Fazendo uma encenação para que ninguém tocasse no chapéu, pois o passarinho poderia fugir, não deixou ninguém ficar muito próximo. Nisso chegou a professora, e em um tom imperativo disse que ela pegaria o passarinho. Extasiado com tudo aquilo, João Maria ainda teve a iniciativa de dizer para ela colocar a mão e pegar rápido, porque senão ele poderia fugir. Como que ouvindo o seu conselho, ela se ajoelhou, colocou a mão rapidamente e apertou. Aquela imagem até hoje é muito nítida na mente de João Maria e, talvez, seja um dos poucos arrependimentos do que ele tenha feito durante a sua vida, não sabendo de onde tirou coragem para aquele ato. Ao ver aquela fuzarca das crianças, a diretora se aproximou e percebendo a sacanagem, fez com que todos os alunos se dirigissem para a sala de aula, para que não vissem a professora retirar a mão com o “passarinho” amassado entre os dedos.
De joelhos e virado de frente para uma parede, usando aquele chapéu de feltro preto afundado na cabeça, até o final da aula, foi o seu castigo. Ao chegar em casa seu pai lhe esperava no portão, e de cara, percebeu as marcas vermelhas nos seus joelhos. João Maria disse para o pai que era em virtude de jogar de goleiro após a aula. Embora o seu pai soubesse que ele era bom de bola jogando na linha e não de goleiro, ficou por isso, mas o importante era que João Maria tinha passado de ano e aquela professora não teria mais contato com ele, e os desaforos dela não iriam mais para a casa de João Maria.
OBS: O texto faz parte do novo livro do Craque Kiko, que será publicado futuramente.
COISAS DA BOLA são fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outras frutos da minha imaginação. Qualquer semelhança será puro acaso.

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COISAS DA BOLA

Fragmentos de uma infância

Noite sim, e noite também, o compadre Ava e a comadre Landa rumavam até nossa casa para prosear, tomar um capilé e jogar um pife. Naquela noite, só apareceu a madrinha Landa. Justificou, que o marido Ava fora pescar com uma turma de amigos lá para as bandas do Rio Timbó. Pediu para minha mãe se o seu afilhado poderia dormir na sua casa. Tinha medo de dormir sozinha. E, lá fui eu, nos meus dez anos, cuidar da minha madrinha.
A casa dela, de madeira, ainda cheirando à construção recente, comprada de um senhor que morava na beira da antiga Linha Velha, rangia com a leve brisa daquela noite. Papai foi quem fez o transporte com seu velho caminhãozinho Ford F600. Tinha ajudado a desmontá-la e montá-la no lugar atual.

Deitadinho ao lado da madrinha, eu tentava não tossir pela grande quantidade de fumaça dentro daquele pequeno quarto de dormir. Com um canivete afiado igual ao fio de uma navalha, após, cortar o fumo macaio e enrolar em uma palha de milho, ela fumava um paieiro atrás do outro. Parecendo nervosa, deitada de pança para cima e fitando o vazio, resmungava e falava baixinho – o Ava me paga, ele mentiu para mim, não foi pescar coisa nenhuma, tem rabo de saia na jogada. Sem idade para entender o palavreado, eu só queria dormir para acordar logo cedo e armar a capa dali fugindo daquela fumaceira.
A noite já ia para a madrugada, e numa tosse após a outra, acordei. Vi a madrinha Landa roncando. As labaredas já tomavam conta. Gritei e gritei, assustado. Ela acordou. Só tivemos tempo de sair para fora. Tudo ardeu rapidamente. Sobraram ali as cinzas e as muitas lágrimas na feição da madrinha. Ela se ojerizou mais, quando no clarear do dia, o padrinho Ava chegou, e meio sem jeito, lhe entregou uma fieira de lambaris.

Uma mãe. Um filho.

Filho de mãe solteira. O pai, já finado, nunca quis saber dele. Era a mãe e o filho, sozinhos, um para o outro. Eram unha e carne. Se amavam muito. Nunca se largavam. Viviam, um em função do outro. Separados, morreriam. Por que, sem um ou outro, de que lhe valeria viver?

Aquela mãe fez até o impossível para criá-lo bem. Conseguiu que ele não fizesse nada que não fosse direito. Ele dera um rapaz estimado por todos. Na lida então! Se sobressaia. No final da tarde ela sempre o esperava no portão. Quando ela saía para algum afazer, ele não sossegava enquanto ela não chegasse. Ficava ansioso esperando-a. Não quis casar, pois uma nora poderia incomodar a mãe.

Nas vezes em que tomavam chimarrão ao rodar do Sol, sentados à frente da casa conversavam comprido. Ela confidenciava – se ele lhe faltasse, se mataria. Cortaria os pulsos. Ele a acalmava – jamais te deixarei amada mãe. Você é tudo o que eu tenho, quero e preciso. Sem você, não sei se terei forças para prosseguir na jornada. E, assim viviam felizes, um para o outro.

Naquele final de tarde de uma sexta-feira, chovia de bica. Relâmpagos e trovões no céu. Não estranhou ela não estar lhe esperando no portão. Pensou! Não quer se molhar. Entrou, tirou a roupa molhada… sentiu algo estranho no ar. Se arrepiou todo, teve medo. Onde estava a sua mãe? Se perguntou! Chamou, chamou, gritou, gritou e nada. Procurou-a nas peças da casa. Lá estava ela dentro da banheira, somente com a cabeça de fora, ainda com os olhos não revirados. Parecia lhe sorrir. Mas, tinha dormido seu definitivo sono, de parada cardíaca. O chão fugiu de seus pés, ele quase desmaiou. Doeu de montão, dor sem jeito de se medir.

Como de costume naquele chão, chamou uma funerária para providências. Não veio o rabecão, e sim, uma picape. Sentado na traseira, com um guarda-chuva, se protegia e protegia a morta, não conseguiu. O guarda-chuva voou devido excesso de velocidade. Numa freada inesperada, bateu a cabeça na janela traseira. Um galo enorme ficou visível na sua fachada. Era mais uma dor, somada ao desespero. O mundo parecia estar indo ao fim. Doía, doía, tanto, tanto, que pareceu que ele não resistiria. Resistiu.

Enfim, os trâmites transcorreram na normalidade. Não tinha vaga no cemitério. Teve que cremar o corpo. Menos mal, dentro daquele pote as cinzas ficariam na sala. Estariam junto dele. Agora era vida nova, tinha que se acostumar, conseguiria? Uma dor daquelas, curava-se somente com muito tempo. E, ele passara rápido, mas a saudade teimava em ficar ali. Não queria ir embora de jeito maneira. Como consolo vivia beijando aquele pote de cinzas.

O tempo passou e amainou a dor e a saudade. Era chegada a hora de desfazer-se das roupas e objetos dela. Encontrou em cada peça da casa, escondida em algum canto, uma gilete. Atinou, que era verdade o que ela sempre lhe falava, que se ele faltasse, se mataria cortando os pulsos. Chorou, chorou e chorou.

Mais tempo passou, arrumou uma namorada. Daquelas, linda de morrer. Se apaixonou de loucura. Juntou os trapos. Ela foi morar com ele.

Um dia, ao tirar o pó dos objetos na sala ela encontrou aquele pote cheio de cinzas. Jogou no vaso sanitário. Puxou a descarga. Foi a maior cagada que fez. Viu ao maior desespero a que ele foi, ao notar que o pote estava vazio. Conheceu o lado monstro dele. Com uma gilete daquelas da sua mãe, cortou os pulsos da companheira. Viu-a, agonizando, esvair-se. O assoalho ficou vermelho. De frente ao crime, ligou para os tiras. Sentado ao lado do corpo bebeu uma, duas, três pingas misturadas com pólvora. Fez o sinal da cruz e murmurou oração. Com a mesma gilete cortou a sua jugular. E, lá fora chovia novamente, água em bica…

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COISAS DA BOLA

Por trás de um chute no capotão…

Prenunciando o que aconteceria nas arquibancadas do já lendário Estádio da Caixa D’água, a fuzarca já começou no sábado que antecedeu ao prélio. Vários torcedores iguaçuanos, raiz, soltavam rojões noite e madrugada adentro, onde a embaixada do rubro-negro da capital estava hospedada. A boleirada não pregou os olhos. As provocações passaram para o lado dos diretores dos dois Clubes que, em frente a uma bocada boêmia, quase foram às vias de fato. Só não deu um enfrentamento corporal porque o diretor do esquadrão curitibano pipocou e saiu na correria. Também um veículo Corcel, quase novo, ano 1970, que circulava buzinando pelos centros das cidades de Porto União e União da Vitória com um pendão atleticano, teve a sua antena quebrada e a bandeira arrancada e esgaçada.

Como o esperado, o clima estava ardendo. A rivalidade fora para as arquibancadas. Ambas torcidas trocavam, desde palavras das mais cabeludas até arremessos de frutas e ovos. De tanta ojeriza dos lados, antes mesmo da “moganga” rolar no relvado, um fanático atleticano foi cuspido da parte superior da arquibancada. Rolou por cima das cabeças daquele mar de gente quando o pau descambou. Estatelou-se no chão frente ao alambrado apinhado. Ali tinha virado a uma quase guerra, mas que foi contida pelo policiamento e por um pelotão de soldados do exército requisitado às pressas.

As arquibancadas e alambrados estavam estourando de assistência, até uma pulga encontraria dificuldades em se ajeitar para assistir aquele esperado espetáculo de bola, que seria o primeiro a criar a grande rivalidade entre os torcedores do Iguaçu e do Clube Atlético Paranaense, comprovada nos anos vindouros, inclusive com vários feridos e uma morte. Muitas bandeiras tremulavam, pois nunca antes, tanto povo se reuniu proporcionando um recorde de renda. Foi uma festa digna de ser apreciada, mas que deixou marcas, também no lombo de alguns.

Mal acomodados naquela parte das arquibancadas recém-construídas para aquele certame-debute, uma família de desportistas pertencentes ao proletariado chegara cedo ao Estádio. O pai, a mãe e os três filhos indo para a juventude encontraram dificuldades na portaria de acesso. O porteiro insistia em não os deixar adentrar carregando a cesta com frutas e alimentos. Depois do baita sururu e do tempo perdido, o porteiro, orientado, autorizou o acesso daquela família. Já dentro, o pai e a mãe, nervosos, procuravam conseguir um bom lugar e ver pela vez primeira um prélio entre chutadores profissionais. Mas levaram azar danado, o estádio já estava parecendo um formigueiro. Foram obrigados a se sentarem no aperto, no único lugar encontrado, no segundo degrau, que ficava bem próximo dos alambrados. Trazendo uma cesta cheia de frutas e uma volta de chouriço de porco, com sangue pisado, para forrar a barriga e suportar toda aquela tarde assistindo futebol, se acomodaram por ali mesmo. Não viam a hora de testemunharem o fragor da disputa.

Ouviu-se o referee. O balão de couro, enfim foi chutado dentro do palco verde. Um verdadeiro tapete. Entre vaias e muita gritaria os contendores peleavam pelo domínio da pelota como se ela fosse um prato de boia. O extrema-direita do Furacão, cabeludo e baixinho, liso igual a um bagre, rápido como um falcão-peregrino, comia a bola e dava show. Armava uma fumaceira para cima do beque iguaçuano. O que ele fazia com a peca era até de se duvidar. Parecia que tinha ela amarrada nos pés, não lhe fugia. Passava de roldão pelo beque – como queria – e dava risadas com o focinho virado para as arquibancadas. Ouvia xingamentos, mas não dava pelotas. Em um lance quando foi pegar o balão que saíra à lateral, bem em frente daquela família de torcedores, teve um caqui-café arremessado contra si. Não se fez de rogado. Jogando beijinhos, pisou com a chanca naquela fruta e tirando as sementes, sem rodeios, à várias dentadas, engoliu bonito.

Aquilo foi considerado como uma ofensa ao jovem autor do arremesso. Aquele ato ia dar o que falar. Soltando fumaça pelas ventas, fervendo por dentro, com mais raiva, aquele jovem torcedor atirou uma baita mexerica em direção ao corpo do ponteiro. Errou. Quando a pelota novamente saíra em lateral, o dianteiro nanico, apanhou e descascou a mexerica, e na ligeireza consumiu os gomos. Jogou mais beijinhos para a torcida e continuou dando um passeio no seu marcador. Pela sua atuação, ele merecia até que uma medalha fosse cunhada com seu nome.

Diferente do resultado esperado, aqueles torcedores em vez de hostilizá-lo mais, começaram a bater palmas quando ele fazia “gato e sapato” do beque. Começaram a gritar “olé”, “olé”. O coach, pressionado pelo reserva da posição, mandou aquele beque para a cerca – entrou o regra três para acabar com o baile dado por aquele extrema nanico. Ele jurou para o treinador, que ia aparar no meio o pontinha caipora. Não conseguiu cumprir a jura. Também foi mais um a ficar nas saudades. De cara, levou um esticão de bola no costado e viu o ponteiro como um The Flash. Comeu pó. Virou carne de canhão, quando o ponteiro fez um vai-mas-não-vai e quase trincou a sua espinha. Perdido, não sabia nem a cor do balão, só empapou a camisa. Aprendeu facilzinho, que o homem só vê o seu destino depois que tira o último véu. Depois daquela dança, aquele beque desistiu da vida na bola. Jogou as chuteiras na sarjeta. Foi trabalhar de pedreiro “meia cuié”.

Ao fim da peleja, com o quadro iguaçuano “tomando de quatro”, o jovem arremessador do caqui e da mexerica, com o seu peito de “sabiá” grudado ao alambrado, travou uma prosa com o baixinho e escorregadio extrema atleticano. Pediu-lhe a camisa. Se desculpando diante da impossibilidade em dar o manto, o atacante se justificou que não poderia fazê-lo, pois teria que usá-lo mais vezes no certame. Seu Clube vinha passando por dificuldades monetárias. Até o salário por vezes atrasava. Mas, assinou, como autógrafo, em um guardanapo de pano que estava na cesta de frutas do torcedor.

Nos tempos atuais, aquele pano está guardado dentro de um vidro de compota, lacrado, como relíquia e que comprova um tanto da história aqui contada.

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COISAS DA BOLA

Festa do Momo no Salão Poeira

Texto do livro – Missão Dada – Dez meses para a forja de um caráter.

O fato remonta ao início da década de 1970. Terminada a contenda amistosa no campo do Nacional (hoje um cemitério) bem em frente da Madeireira Miguel Forte, aqueles jovens integrantes do esquadrão de futebol do Salão São João, sentados embaixo de um grande pé de pinheiro, faziam planos para a noite carnavalesca. Por fazerem parte do proletariado, pular carnaval nos Clubes Concórdia e Clube Aliança estava fora de cogitação, pois jamais deixariam que aqueles seres da periferia frequentassem aquelas pistas de danças, que eram destinadas para os viventes da alta sociedade. Então, a festa do Momo teria que ser no mais tradicional e famoso salão boêmio das cidades, o Salão São João, conhecido como Poeira, também alcunhado por 25 Metros Abaixo dos Trilhos, afinal, eles teriam entrada franca, pois defendiam o esquadrão dos filhos do dono.
Já se ia pelas onze da noite. A imensa fila de pessoas comprando ingressos para adentrar ao salão era grande. A chuva forte tinha passado. Somente uma garoa fina molhava as cabeças dos enfileirados. Lá dentro o coro estava comendo solto. O senhor Severino fazia milagres no teclado daquele órgão. O baterista também dava show. Mesmo com as janelas fechadas devido a garoa, lá de fora, pelas frestas nas paredes sem sarrafos, através das réstias de luz, notava-se a grande quantidade de poeira dos sapatos, que com o barro já seco, misturado com o fubá que era colocado no assoalho para deixá-lo mais liso, iam ao ar.
Subindo os poucos degraus de madeira da escada de acesso, Kiko, Castro e Tivico, craques do esquadrão, muito conhecidos do porteiro, tinham o acesso livre. Já dentro do recinto se dirigiram ao mictório localizado lá no fundo do salão, e em frente a um pequeno espelho trinta por trinta, deram um trato na feição e pentearam as enormes jubas. Quando saíram do mijadouro, no ato, foram puxados por três damas para irem dançar, onde no tradicional trenzinho em fila indiana, todos cantando as marchinhas carnavalescas, faziam ziguezague por toda a pista.
No segue o baile, após duas danças os músicos paravam e os frequentadores encostavam o umbigo no balcão do bar e tomavam umas Brahmas (bebida da época). Dava-se o tempo para que todos pudessem se hidratar e, novamente as marchinhas carnavalescas eram tocadas. E, aquela gente serpenteava pela pista cantando, Mamãe eu quero… mamãe eu quero mamar… Assim seguia aquele ritual de sempre, até o dia clarear.
Tudo ia muito bem, era um suador só, de alegria, do ziguezague do trenzinho e das muitas cantorias, não deixando que o álcool permanecesse na cabeça das pessoas. Passando das três horas da madrugada, dançando naquele trenzinho da fila indiana, uma mulher muito bonita, esguia e alta, vestindo uma minissaia curtíssima, com o seu traseiro estilo tanajura, chamava a atenção de todos. Os marmanjos disputavam uma vaga naquele trenzinho, para poderem colocar as mãos nos quadris dela. Ora um, ora outro. Dançando, fazendo um carreiro naquela pista cheia de fubá, a “homarada” fazia de tudo para se aproximar daquela dama, que sempre tinha alguém com as mãos grudadas na sua cintura, e as vezes no “descuido”, encostavam nas popas do traseiro. Em dado momento, talvez por uma curva rápida do trenzinho, do meio das pernas daquela mulher desejada, caiu um pedaço de pano aveludado parecendo uma bolacha, igual uma esponja, dessas que as mulheres usavam para passar pó de arroz no rosto, pano este, manchado de sangue pisado – escuro –, que estava sendo usado como absorvente feminino.
Encostado na parede, Castro, que não tirava os olhos daquela fulana, presenciou o fato no ato e viu aquele pano ser chutado por muitos, sem que percebessem. Chutado por um ou por outro, aquele pano chegou até os pés dele, que se agachou e o apanhou. Chamou os amigos Kiko e Tivico e quando eles já estavam ao seu lado, fez uma enorme cagada. Porejado pelo álcool que ainda não tinha saído do seu corpo, Castro não se fez de rogado, pegou o absorvente e jogou para o alto no meio do salão. Aquele “Modess” caiu na cabeça de um homem, que acusou outro de ter jogado aquilo nele, desencadeando a maior briga de todos os tempos sobre aquela pista de dança. O “pau comeu” de cabo a rabo e o baile foi interrompido.
Encostados na parede ao lado do conjunto de músicos, Kiko e Tivico, os mais lúcidos, rezavam para que ninguém tivesse visto que fora o Castro o autor da proeza, pois, se um deles fosse envolvido na briga, os três, com certeza também iam para a porrada, nenhum deixaria o outro na mão, eram parceiros para o que desse e viesse. Após a chegada do policiamento civil, os briguentos foram levados para fora e encaminhados para a delegacia de polícia. Para a dama, que mais tarde descobriu-se o nome, Rachel, só lhe restou ir embora sem acompanhante, pois estava com o “chico”. Kiko, Castro e Tivico, em suas casas curaram o porre tomando chá de “água de valeta”, os bebuns conhecem esse remédio que cura ressaca.

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