Em setembro de 1981, eu completei 16 anos, estava em uma fase da adolescência de muitas escolhas, caminhos que alguns eu me orgulho de ter percorrido e outros nem tanto, mas ambos serviram para a formação e experiência. O mês era janeiro, havia recém retornado de Balneário Camboriú, após mais uma aventura com as velhas e batidas barracas de camping, emprestadas do amigo Célio.Sim,frequentei BCmas em minha defesa, foi na época do Baturité e das feirinhas de artesanato na praça central. Hoje não faço a mínima questão de passar perto do Balneário. Naquela época eu já “manjava e curtia” as boas coisas da música, teatro, cinema e lia com frequência bons livros, motivado pelas edições anuais da F.I.E.L,icônica feira do livro, de saudosa memória, idealizada pelo Padre Estevão, do qual sempre tive medo. Arena e MDB dividiam o quadro político, eu sempre gostava de ouvir os discursos e colecionar santinhos e adesivos (sinto até hoje o cheiro forte dos adesivos de políticos da época). Como filho de família classe média baixa, já estava ultrapassando a idade de procurar um emprego e buscar registro na “Carteira”, era preciso pensar no futuro e na aposentadoria (sic). E foi assim que aconteceu. Procura aqui e acolá, até que surgiu: Caiçara Gráfica e Editora. O emprego não era aquele sonhado, confesso, eu havia recém-concluídoo curso de datilografia, então imaginei uma mesa, com cadeira confortável em escritório. O trabalho era de office boy mesmo, ralando no sol e na chuva. Mas o ambiente de trabalho era muito legal, meus patrões eram cultos, inteligentes e meus colegas formavam uma verdadeira turma de amigos.
Eu tenho uma prima, que se chama Vera Lúcia, que mora em São Paulo e foi casada com o Newton, se divorciaram ainda nos anos 80. O Newton era funcionário de banco (Banespa). Certa vez fomos até São Paulo visitar a família da Vera, a mãe dela, que mantinha estreita relação afetiva com a minha mãe, estava doente. Naquela oportunidade a Vera e o Newton me ofereceram uma sacola de roupas, que o Newton usava no banco e que queria se desfazer. Eu não me fiz de rogado e aceitei o pacote. Quando cheguei aqui, foi uma festa. Calças sociais de primeira linha além de jeans Lee e Levis. Camisas de todos os tipos e padrões pra quem trabalhava no Banespa de gravata. Reconheço que com 16 anos, já com mais de 1,80m de altura, eu era o Office boy mais bonito e elegante da cidade.
O tempo passou e minha ligação com a família Augusto foi se fortalecendo. Logo, além de fazer o serviço externo, também ajudava na diagramação do jornal. Fiquei feliz quando a Lulu Augusto me ofereceu a oportunidade, de aos 16 anos de idade, escrever uma coluna de esportes no Jornal. Por sugestão do meu pai, a coluna se chamou “Bola Viva”. Muita honra e orgulho. Com algumas edições, logo fui convidado pra participar de programas esportivos e transmissões de jogos do Iguaçu pela rádio Educadora. Definitivamente eu era um cara feliz. Tinha meu emprego (sim CLT, carteira assinada), era colunista no jornal e fazia uns bicos na rádio, falando do que eu gostava, futebol. Acompanhei de perto o movimento das “Diretas Já”, que aqui em nossas cidades foi bem marcante e simbólico. Pela proximidade e amizade com o Delbrai Augusto Sá, pude assistir belos shows e espetáculos teatrais, além de me associar ao Cine Clube Imagem, que trazia na época obras dos maiores diretores de todos os tempos: Luis Buñuel, Roman Polanski, Jean-Luc Godard, Federico Felini, entre outros. O Delbrai, visionário, a época, promoveu um festival espetacular no clube Apolo, que entre renomadasestrelas estavam Sebastião Tapajós e Carlinhos Lira, uma das referências da Bossa Nova. E olha que eu estava na fase roqueira. Mas não tinha como não gostar de tanta qualidade cultural.
O tempo passou, outros caminhos e oportunidades surgiram. Fui aventurar nos estudos. Consegui duas graduações. Educação Física e Direito. Casei com a Cinthya, tive duas filhas maravilhosas, Camila e Joana, e juntos batalhamos, seguramos legal a barra nesse período. Voltamos pra União da Vitória. E logo na sequência, o convite irrecusável do Delbrai: voltar a escrever para o Jornal Caiçara. O que fiz por muitos anos, com satisfação e alegria. As colunas semanais sempre foram intercaladas por belas e agradáveis noites de conversa, degustações, celebração da vida, sempre com comida, bebida e música boa, com a maravilhosa Marga, invariavelmente, Adilson e Tânia. Agregamos ainda os festivos integrantes do Grêmio Recreativo União Vermelha. Época inesquecível.
As rotinas diárias, muitas vezes, nos colocam a margem das boas lembranças e o impacto vem quando você menos imagina. Estávamos terminando o mês de abril. Perto do meio dia recebo mensagem do Delbrai no WhatsApp. Parei o que estava fazendo e fui ouvir, logo pensando em algum convite ou atividade cultural pro final de semana.
Depois da saudação habitual, o Delbrai, como sempre fez, solicitava a coluna, já com prazo para entrega. Mas no final da mensagem, algo que eu não estava preparado, absolutamente, para ouvir: “Será a última coluna, Carlão, não vamos mais editar o jornal, será a edição derradeira”, anunciava com a voz embargada. Ouvi a mensagem, levantei, caminhei, fui até a rua, subi a avenida Manoel Ribas, até chegar a rua Costa Carvalho, virei à esquerda e fiquei parado na frente do Bar da Lia, olhando. Ali estava a antiga sede do Jornal Caiçara, onde eu aos 16 anos tive minha primeira oportunidade profissional. Admirando o prédio, parecia sentir o cheiro das máquinas e da tinta. Ah Jornal Caiçara, Lulu, René, Delbrai, como sou grato que nossos caminhos se cruzaram e eu pude aprender tanto com vocês. Entendo que a vida se resume a ciclos, mas me custa acreditar que esta será a última coluna.
“Dou Valor as coisas, não por aquilo que valem, mas por aquilo que significam”. (Gabriel Garcia Marques).
Até breve.