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COISAS DA BOLA

Malditas raposas. Foi de arrepiar até o pelo do saco.

Acompanhando as minhas redes sociais, em uma delas vi o anúncio de um muito conhecido e competente repórter esportivo, que por motivo familiar estava vendendo a sua chácara para estanciar, definitivamente, na parte central da cidade de Valões. Tal mudança de morada se fazia necessária e urgente. Para tanto, ele estava pondo para venda um galo, seis galinhas e vários pintinhos.

Tentando reativar o meu antigo galinheiro em um pedaço de chão que detenho na localidade conhecida como Terra das Melancias, me interessei pelo anúncio de venda e iniciei uma prosa com o conhecido repórter. Após muita resenha pelo Zap, nos acertamos no preço, mas ficamos num impasse sobre a transferência do bicharedo. Me explicou ele, que só estava na dependência em apanhar as aves, porque elas eram criadas soltas e ele teria chance de agarrá-las somente à noite, quando elas usam os galhos nas árvores como poleiros. Três dias se passaram até que ele conseguiu prendê-las. Comunicado de que as aves já estavam prontas para o transporte, precisávamos agora acertar minúcias sobre a mudança de domicílio. Após muita resenha, com os seis pintinhos acomodados em uma pequena caixa de papelão, o Galão e as galinhas acondicionadas em dois sacos de estopa, marcamos definitivamente o local para eu apanhar as encomendas. Elas seriam levadas até a balsa em Valões e eu me deslocaria por cerca de vinte quilômetros em uma estrada de chão e encontraria o repórter lá, só que no lado da Terra das Melancias. Perto das onze horas daquela manhã ainda cinzenta, cada um de um lado do Rio Iguaçu, acenávamos um para o outro como querendo saber como procederíamos, pois, estávamos sem o sinal de Zap. Nos enxergando e fazendo gestos, como que perguntando, e agora? Quem vai atravessar o Rio? Tomando a iniciativa, afinal era ele que tinha interesse premente em vender os galináceos, o repórter subiu na balsa e atravessou o Iguaçuzão.
Vinte e cinco reais estavam custando cada galinha. O Galão pomposo e parecendo um halterofilista sairia pela bagatela de trinta reais. Os pintinhos vieram de “nhapa”. Fui tentar fazer um Pix para efetuar o pagamento, só que a transação não foi possível. Sem sinal de celular para entrar em contato com o banco, eu conseguiria me comunicar só se fosse através de “sinal de fumaça”. E agora! O repórter foi ficando nervoso, pois esperava o pagamento em espécie. Ele tinha atravessado o rio só com o pó do bolso e estava contando com o dinheiro, até porque, teria que pagar ao balseiro, a vinda e o retorno. Em conversa com o balseiro ele deixou bem claro, que a palavra “fiado” por ali não existia. O repórter também não entregaria as penosas sem ver a cara das cédulas. Os impasses estavam criados. O pagamento da passagem da balsa foi resolvido, quando doei ao balseiro três livros, que por descuido eu tinha esquecido no banco traseiro do meu veículo. De posse dos livros e olhando as capas, surpreso, o balseiro me inqueriu: – Você é o Craque Kiko? Nas carnes, respondi na lata. Eufórico ele pediu para que eu autografasse aqueles livros. No ato redigi uma dedicatória carinhosa, pois ele se prontificou a pagar a minha dívida com os galináceos. Disse-me o balseiro: – Não se preocupe, quando você tiver retornado para o centro da Terra das Melancias, na hora que tiver tempo, me envie o valor por um Pix. Com o dinheiro da venda das aves já em seu bolso e com o translado garantido, o conhecido repórter retornou de balsa para Valões.
Já de volta no centro urbano e com sinal de celular, fiz a transferência do valor emprestado pelo balseiro e fui alojar as aves na nova morada, diga-se, um galinheiro muito chique e confortável. Um poleiro no tipo e seis ninhos individuais forrados com maravalhas faziam com que aquele galinheiro parecesse uma mansão. Em quantidade necessária, disponibilizei ração, milho e quirera para os novos moradores. Arranquei da horta umas folhas de couve, repolho, couve flor e deixei “a mão” dentro do galinheiro. Água corrente era o que não faltaria. Os bichos não teriam do que reclamar. Eu tinha a quase certeza que o Galão honraria a sua masculinidade e as galinhas botariam muitos ovos e chocariam muitos pintinhos. Pena que era uma quase certeza. Nada disso aconteceu.
A noite chegou. O dia amanheceu e não se ouviu uma buia no galinheiro. Perto das nove horas o Galão cantou, só que pareceu que estava com tosse comprida. O som daquele canto dava entender que ele estava gripado. Me dirigi até o galinheiro. Percebi que o Galão estava me fitando de frente. Contei todos os grãos do milho e da ração e percebi que estavam do jeito que deixei. Eles não comeram nada. Notei também que os seis ninhos não foram visitados pelas galinhas, estavam intactos. Pensei comigo, eles estão estranhando o novo lar, mas até amanhã, com certeza terão se adaptado e vamos ter outro ambiente no galinheiro. Me retirei e fui para a lida.
A noite chegou. Dormindo como gente grande tive um sonho esquisito. Sonhei que eu tinha um cacife político e estava com a faca e o queijo nas mãos, quando consegui construir uma ponte sobre o Rio Iguaçu, ligando a Terra das Melancias a Valões. No mesmo sonho, também foi inaugurado o asfalto entre a Terra das Cachoeiras e Santo Antônio do Iratim. Acordei e vi que tivera um sonho utópico. O dia amanheceu ensolarado e, novamente, não se ouviu nenhuma buia no novo lar das aves. Intrigado, pé por pé fui bombear. Novamente, estava tudo da maneira de dois dias atrás. Eles não tinham bulido no rango e os ninhos não tinham sido usados, somente a quirera tinha sido degustada pelos pintinhos. Notava-se facilmente, que de fome, o Galão e as seis galinhas estavam com os “garrões” moles. Encostado ao lado da porta do galinheiro o Galão tentava me fitar, só que desta vez com os olhos demostrando fraqueza, tristeza e um desacorçoamento. Como que pensando alto falei comigo mesmo:
– Porque será que os bichos não estão comendo? Será que eram tratados a caviar? O galinheiro é, praticamente, novo, foi todo remodelado. O que será que está acontecendo?
Nisso, totalmente surpreso, vi o Galão se movimentando e se escorando na tela para não cair ao me dirigir a palavra:
– Patrão novo! Nós quase morremos do coração ao atravessar aquela maldita balsa. O susto foi tão grande que até agora estamos com os bofes ruins. Sempre fomos criados soltos e escolhíamos o nosso rango. Somente a noite é que nós voávamos para os poleiros nos galhos das árvores. Aqui, fechados nesta prisão, o apetite passa por demais longe. E tem outra! Que fique claro. Com anuência do Sindicato informo que estamos em greve de fome, menos as crianças.
Muito surpreso e “p” da vida, tomando a palavra tentei me impor ao argumentar com o Galão:
– Aquela vida de antes já era. Vocês têm que se adaptar ao novo meio, não ele a vocês. Azar o de vocês, se não comerem vão finar já, já.
O Galão era esperto e me fez ver o outro lado da coisa. Explicando com sabedoria ele continuou:
– Para que nós não abotoemos o paletó pela fome e você não perca os R$ 150,00 que gastou para nossa aquisição, que tal, nos deixar livres. Te damos a palavra que durante a noite o poleiro e os ninhos serão utilizados.
Incrédulo pela capacidade de persuasão do Galão, baixei a guarda. Decidi que eles ficariam livres para ciscar e se alimentar na floresta e durante a noite viriam pernoitar no galinheiro. Deu tudo errado. Tomamos juntos no fiofó. Na segunda noite após o acordo celebrado, a raposada visitou o galinheiro e fez a festa. Com o galinheiro aberto as aves foram presas fáceis. Não sobrou nem um pintinho para contar os “avecídios”. Não acreditando naquilo, pude ver o Galão todo ensanguentado e estrebuchando no chão. Me encarando com olhos de morte, antes de ir à lona para sempre, ele ainda conseguiu balbuciar:
– Patrão Novo… Deu ruim.

COISAS DA BOLA são fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outras frutos da minha imaginação. Qualquer semelhança será puro acaso.

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Fragmentos de uma infância

Noite sim, e noite também, o compadre Ava e a comadre Landa rumavam até nossa casa para prosear, tomar um capilé e jogar um pife. Naquela noite, só apareceu a madrinha Landa. Justificou, que o marido Ava fora pescar com uma turma de amigos lá para as bandas do Rio Timbó. Pediu para minha mãe se o seu afilhado poderia dormir na sua casa. Tinha medo de dormir sozinha. E, lá fui eu, nos meus dez anos, cuidar da minha madrinha.
A casa dela, de madeira, ainda cheirando à construção recente, comprada de um senhor que morava na beira da antiga Linha Velha, rangia com a leve brisa daquela noite. Papai foi quem fez o transporte com seu velho caminhãozinho Ford F600. Tinha ajudado a desmontá-la e montá-la no lugar atual.

Deitadinho ao lado da madrinha, eu tentava não tossir pela grande quantidade de fumaça dentro daquele pequeno quarto de dormir. Com um canivete afiado igual ao fio de uma navalha, após, cortar o fumo macaio e enrolar em uma palha de milho, ela fumava um paieiro atrás do outro. Parecendo nervosa, deitada de pança para cima e fitando o vazio, resmungava e falava baixinho – o Ava me paga, ele mentiu para mim, não foi pescar coisa nenhuma, tem rabo de saia na jogada. Sem idade para entender o palavreado, eu só queria dormir para acordar logo cedo e armar a capa dali fugindo daquela fumaceira.
A noite já ia para a madrugada, e numa tosse após a outra, acordei. Vi a madrinha Landa roncando. As labaredas já tomavam conta. Gritei e gritei, assustado. Ela acordou. Só tivemos tempo de sair para fora. Tudo ardeu rapidamente. Sobraram ali as cinzas e as muitas lágrimas na feição da madrinha. Ela se ojerizou mais, quando no clarear do dia, o padrinho Ava chegou, e meio sem jeito, lhe entregou uma fieira de lambaris.

Uma mãe. Um filho.

Filho de mãe solteira. O pai, já finado, nunca quis saber dele. Era a mãe e o filho, sozinhos, um para o outro. Eram unha e carne. Se amavam muito. Nunca se largavam. Viviam, um em função do outro. Separados, morreriam. Por que, sem um ou outro, de que lhe valeria viver?

Aquela mãe fez até o impossível para criá-lo bem. Conseguiu que ele não fizesse nada que não fosse direito. Ele dera um rapaz estimado por todos. Na lida então! Se sobressaia. No final da tarde ela sempre o esperava no portão. Quando ela saía para algum afazer, ele não sossegava enquanto ela não chegasse. Ficava ansioso esperando-a. Não quis casar, pois uma nora poderia incomodar a mãe.

Nas vezes em que tomavam chimarrão ao rodar do Sol, sentados à frente da casa conversavam comprido. Ela confidenciava – se ele lhe faltasse, se mataria. Cortaria os pulsos. Ele a acalmava – jamais te deixarei amada mãe. Você é tudo o que eu tenho, quero e preciso. Sem você, não sei se terei forças para prosseguir na jornada. E, assim viviam felizes, um para o outro.

Naquele final de tarde de uma sexta-feira, chovia de bica. Relâmpagos e trovões no céu. Não estranhou ela não estar lhe esperando no portão. Pensou! Não quer se molhar. Entrou, tirou a roupa molhada… sentiu algo estranho no ar. Se arrepiou todo, teve medo. Onde estava a sua mãe? Se perguntou! Chamou, chamou, gritou, gritou e nada. Procurou-a nas peças da casa. Lá estava ela dentro da banheira, somente com a cabeça de fora, ainda com os olhos não revirados. Parecia lhe sorrir. Mas, tinha dormido seu definitivo sono, de parada cardíaca. O chão fugiu de seus pés, ele quase desmaiou. Doeu de montão, dor sem jeito de se medir.

Como de costume naquele chão, chamou uma funerária para providências. Não veio o rabecão, e sim, uma picape. Sentado na traseira, com um guarda-chuva, se protegia e protegia a morta, não conseguiu. O guarda-chuva voou devido excesso de velocidade. Numa freada inesperada, bateu a cabeça na janela traseira. Um galo enorme ficou visível na sua fachada. Era mais uma dor, somada ao desespero. O mundo parecia estar indo ao fim. Doía, doía, tanto, tanto, que pareceu que ele não resistiria. Resistiu.

Enfim, os trâmites transcorreram na normalidade. Não tinha vaga no cemitério. Teve que cremar o corpo. Menos mal, dentro daquele pote as cinzas ficariam na sala. Estariam junto dele. Agora era vida nova, tinha que se acostumar, conseguiria? Uma dor daquelas, curava-se somente com muito tempo. E, ele passara rápido, mas a saudade teimava em ficar ali. Não queria ir embora de jeito maneira. Como consolo vivia beijando aquele pote de cinzas.

O tempo passou e amainou a dor e a saudade. Era chegada a hora de desfazer-se das roupas e objetos dela. Encontrou em cada peça da casa, escondida em algum canto, uma gilete. Atinou, que era verdade o que ela sempre lhe falava, que se ele faltasse, se mataria cortando os pulsos. Chorou, chorou e chorou.

Mais tempo passou, arrumou uma namorada. Daquelas, linda de morrer. Se apaixonou de loucura. Juntou os trapos. Ela foi morar com ele.

Um dia, ao tirar o pó dos objetos na sala ela encontrou aquele pote cheio de cinzas. Jogou no vaso sanitário. Puxou a descarga. Foi a maior cagada que fez. Viu ao maior desespero a que ele foi, ao notar que o pote estava vazio. Conheceu o lado monstro dele. Com uma gilete daquelas da sua mãe, cortou os pulsos da companheira. Viu-a, agonizando, esvair-se. O assoalho ficou vermelho. De frente ao crime, ligou para os tiras. Sentado ao lado do corpo bebeu uma, duas, três pingas misturadas com pólvora. Fez o sinal da cruz e murmurou oração. Com a mesma gilete cortou a sua jugular. E, lá fora chovia novamente, água em bica…

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Por trás de um chute no capotão…

Prenunciando o que aconteceria nas arquibancadas do já lendário Estádio da Caixa D’água, a fuzarca já começou no sábado que antecedeu ao prélio. Vários torcedores iguaçuanos, raiz, soltavam rojões noite e madrugada adentro, onde a embaixada do rubro-negro da capital estava hospedada. A boleirada não pregou os olhos. As provocações passaram para o lado dos diretores dos dois Clubes que, em frente a uma bocada boêmia, quase foram às vias de fato. Só não deu um enfrentamento corporal porque o diretor do esquadrão curitibano pipocou e saiu na correria. Também um veículo Corcel, quase novo, ano 1970, que circulava buzinando pelos centros das cidades de Porto União e União da Vitória com um pendão atleticano, teve a sua antena quebrada e a bandeira arrancada e esgaçada.

Como o esperado, o clima estava ardendo. A rivalidade fora para as arquibancadas. Ambas torcidas trocavam, desde palavras das mais cabeludas até arremessos de frutas e ovos. De tanta ojeriza dos lados, antes mesmo da “moganga” rolar no relvado, um fanático atleticano foi cuspido da parte superior da arquibancada. Rolou por cima das cabeças daquele mar de gente quando o pau descambou. Estatelou-se no chão frente ao alambrado apinhado. Ali tinha virado a uma quase guerra, mas que foi contida pelo policiamento e por um pelotão de soldados do exército requisitado às pressas.

As arquibancadas e alambrados estavam estourando de assistência, até uma pulga encontraria dificuldades em se ajeitar para assistir aquele esperado espetáculo de bola, que seria o primeiro a criar a grande rivalidade entre os torcedores do Iguaçu e do Clube Atlético Paranaense, comprovada nos anos vindouros, inclusive com vários feridos e uma morte. Muitas bandeiras tremulavam, pois nunca antes, tanto povo se reuniu proporcionando um recorde de renda. Foi uma festa digna de ser apreciada, mas que deixou marcas, também no lombo de alguns.

Mal acomodados naquela parte das arquibancadas recém-construídas para aquele certame-debute, uma família de desportistas pertencentes ao proletariado chegara cedo ao Estádio. O pai, a mãe e os três filhos indo para a juventude encontraram dificuldades na portaria de acesso. O porteiro insistia em não os deixar adentrar carregando a cesta com frutas e alimentos. Depois do baita sururu e do tempo perdido, o porteiro, orientado, autorizou o acesso daquela família. Já dentro, o pai e a mãe, nervosos, procuravam conseguir um bom lugar e ver pela vez primeira um prélio entre chutadores profissionais. Mas levaram azar danado, o estádio já estava parecendo um formigueiro. Foram obrigados a se sentarem no aperto, no único lugar encontrado, no segundo degrau, que ficava bem próximo dos alambrados. Trazendo uma cesta cheia de frutas e uma volta de chouriço de porco, com sangue pisado, para forrar a barriga e suportar toda aquela tarde assistindo futebol, se acomodaram por ali mesmo. Não viam a hora de testemunharem o fragor da disputa.

Ouviu-se o referee. O balão de couro, enfim foi chutado dentro do palco verde. Um verdadeiro tapete. Entre vaias e muita gritaria os contendores peleavam pelo domínio da pelota como se ela fosse um prato de boia. O extrema-direita do Furacão, cabeludo e baixinho, liso igual a um bagre, rápido como um falcão-peregrino, comia a bola e dava show. Armava uma fumaceira para cima do beque iguaçuano. O que ele fazia com a peca era até de se duvidar. Parecia que tinha ela amarrada nos pés, não lhe fugia. Passava de roldão pelo beque – como queria – e dava risadas com o focinho virado para as arquibancadas. Ouvia xingamentos, mas não dava pelotas. Em um lance quando foi pegar o balão que saíra à lateral, bem em frente daquela família de torcedores, teve um caqui-café arremessado contra si. Não se fez de rogado. Jogando beijinhos, pisou com a chanca naquela fruta e tirando as sementes, sem rodeios, à várias dentadas, engoliu bonito.

Aquilo foi considerado como uma ofensa ao jovem autor do arremesso. Aquele ato ia dar o que falar. Soltando fumaça pelas ventas, fervendo por dentro, com mais raiva, aquele jovem torcedor atirou uma baita mexerica em direção ao corpo do ponteiro. Errou. Quando a pelota novamente saíra em lateral, o dianteiro nanico, apanhou e descascou a mexerica, e na ligeireza consumiu os gomos. Jogou mais beijinhos para a torcida e continuou dando um passeio no seu marcador. Pela sua atuação, ele merecia até que uma medalha fosse cunhada com seu nome.

Diferente do resultado esperado, aqueles torcedores em vez de hostilizá-lo mais, começaram a bater palmas quando ele fazia “gato e sapato” do beque. Começaram a gritar “olé”, “olé”. O coach, pressionado pelo reserva da posição, mandou aquele beque para a cerca – entrou o regra três para acabar com o baile dado por aquele extrema nanico. Ele jurou para o treinador, que ia aparar no meio o pontinha caipora. Não conseguiu cumprir a jura. Também foi mais um a ficar nas saudades. De cara, levou um esticão de bola no costado e viu o ponteiro como um The Flash. Comeu pó. Virou carne de canhão, quando o ponteiro fez um vai-mas-não-vai e quase trincou a sua espinha. Perdido, não sabia nem a cor do balão, só empapou a camisa. Aprendeu facilzinho, que o homem só vê o seu destino depois que tira o último véu. Depois daquela dança, aquele beque desistiu da vida na bola. Jogou as chuteiras na sarjeta. Foi trabalhar de pedreiro “meia cuié”.

Ao fim da peleja, com o quadro iguaçuano “tomando de quatro”, o jovem arremessador do caqui e da mexerica, com o seu peito de “sabiá” grudado ao alambrado, travou uma prosa com o baixinho e escorregadio extrema atleticano. Pediu-lhe a camisa. Se desculpando diante da impossibilidade em dar o manto, o atacante se justificou que não poderia fazê-lo, pois teria que usá-lo mais vezes no certame. Seu Clube vinha passando por dificuldades monetárias. Até o salário por vezes atrasava. Mas, assinou, como autógrafo, em um guardanapo de pano que estava na cesta de frutas do torcedor.

Nos tempos atuais, aquele pano está guardado dentro de um vidro de compota, lacrado, como relíquia e que comprova um tanto da história aqui contada.

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Festa do Momo no Salão Poeira

Texto do livro – Missão Dada – Dez meses para a forja de um caráter.

O fato remonta ao início da década de 1970. Terminada a contenda amistosa no campo do Nacional (hoje um cemitério) bem em frente da Madeireira Miguel Forte, aqueles jovens integrantes do esquadrão de futebol do Salão São João, sentados embaixo de um grande pé de pinheiro, faziam planos para a noite carnavalesca. Por fazerem parte do proletariado, pular carnaval nos Clubes Concórdia e Clube Aliança estava fora de cogitação, pois jamais deixariam que aqueles seres da periferia frequentassem aquelas pistas de danças, que eram destinadas para os viventes da alta sociedade. Então, a festa do Momo teria que ser no mais tradicional e famoso salão boêmio das cidades, o Salão São João, conhecido como Poeira, também alcunhado por 25 Metros Abaixo dos Trilhos, afinal, eles teriam entrada franca, pois defendiam o esquadrão dos filhos do dono.
Já se ia pelas onze da noite. A imensa fila de pessoas comprando ingressos para adentrar ao salão era grande. A chuva forte tinha passado. Somente uma garoa fina molhava as cabeças dos enfileirados. Lá dentro o coro estava comendo solto. O senhor Severino fazia milagres no teclado daquele órgão. O baterista também dava show. Mesmo com as janelas fechadas devido a garoa, lá de fora, pelas frestas nas paredes sem sarrafos, através das réstias de luz, notava-se a grande quantidade de poeira dos sapatos, que com o barro já seco, misturado com o fubá que era colocado no assoalho para deixá-lo mais liso, iam ao ar.
Subindo os poucos degraus de madeira da escada de acesso, Kiko, Castro e Tivico, craques do esquadrão, muito conhecidos do porteiro, tinham o acesso livre. Já dentro do recinto se dirigiram ao mictório localizado lá no fundo do salão, e em frente a um pequeno espelho trinta por trinta, deram um trato na feição e pentearam as enormes jubas. Quando saíram do mijadouro, no ato, foram puxados por três damas para irem dançar, onde no tradicional trenzinho em fila indiana, todos cantando as marchinhas carnavalescas, faziam ziguezague por toda a pista.
No segue o baile, após duas danças os músicos paravam e os frequentadores encostavam o umbigo no balcão do bar e tomavam umas Brahmas (bebida da época). Dava-se o tempo para que todos pudessem se hidratar e, novamente as marchinhas carnavalescas eram tocadas. E, aquela gente serpenteava pela pista cantando, Mamãe eu quero… mamãe eu quero mamar… Assim seguia aquele ritual de sempre, até o dia clarear.
Tudo ia muito bem, era um suador só, de alegria, do ziguezague do trenzinho e das muitas cantorias, não deixando que o álcool permanecesse na cabeça das pessoas. Passando das três horas da madrugada, dançando naquele trenzinho da fila indiana, uma mulher muito bonita, esguia e alta, vestindo uma minissaia curtíssima, com o seu traseiro estilo tanajura, chamava a atenção de todos. Os marmanjos disputavam uma vaga naquele trenzinho, para poderem colocar as mãos nos quadris dela. Ora um, ora outro. Dançando, fazendo um carreiro naquela pista cheia de fubá, a “homarada” fazia de tudo para se aproximar daquela dama, que sempre tinha alguém com as mãos grudadas na sua cintura, e as vezes no “descuido”, encostavam nas popas do traseiro. Em dado momento, talvez por uma curva rápida do trenzinho, do meio das pernas daquela mulher desejada, caiu um pedaço de pano aveludado parecendo uma bolacha, igual uma esponja, dessas que as mulheres usavam para passar pó de arroz no rosto, pano este, manchado de sangue pisado – escuro –, que estava sendo usado como absorvente feminino.
Encostado na parede, Castro, que não tirava os olhos daquela fulana, presenciou o fato no ato e viu aquele pano ser chutado por muitos, sem que percebessem. Chutado por um ou por outro, aquele pano chegou até os pés dele, que se agachou e o apanhou. Chamou os amigos Kiko e Tivico e quando eles já estavam ao seu lado, fez uma enorme cagada. Porejado pelo álcool que ainda não tinha saído do seu corpo, Castro não se fez de rogado, pegou o absorvente e jogou para o alto no meio do salão. Aquele “Modess” caiu na cabeça de um homem, que acusou outro de ter jogado aquilo nele, desencadeando a maior briga de todos os tempos sobre aquela pista de dança. O “pau comeu” de cabo a rabo e o baile foi interrompido.
Encostados na parede ao lado do conjunto de músicos, Kiko e Tivico, os mais lúcidos, rezavam para que ninguém tivesse visto que fora o Castro o autor da proeza, pois, se um deles fosse envolvido na briga, os três, com certeza também iam para a porrada, nenhum deixaria o outro na mão, eram parceiros para o que desse e viesse. Após a chegada do policiamento civil, os briguentos foram levados para fora e encaminhados para a delegacia de polícia. Para a dama, que mais tarde descobriu-se o nome, Rachel, só lhe restou ir embora sem acompanhante, pois estava com o “chico”. Kiko, Castro e Tivico, em suas casas curaram o porre tomando chá de “água de valeta”, os bebuns conhecem esse remédio que cura ressaca.

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