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COISAS DA BOLA

Causo de um guarda-metas

A década de 1960 foi maravilhosa para o Esporte Rei neste chão de Porto União da Vitória. Lá se ia o ano de 1964. Por ter levantado o caneco da Liga Esportiva Regional Iguaçu no ano de 1963, o Ferroviário E.C., de fato e de direito, teve a responsabilidade de representar estas terras um dia contestadas na lei e na bala, naquele que seria o primeiro e maior certame de futebol amador do Brasil, a 1ª Taça Paraná.
Com o esquadrão na ponta dos cascos e já escalado para o debute, de trem, o onze da Rede Ferroviária rumou para Irati. Escrita à pena, na pequena folha de papel continha o nome dos litigantes que deveriam iniciar a contenda. Era o desejo do coach Salim Yared, que devido uma moléstia estava empestado e ficou de resguardo. Azamor Antônio de Almeida ficou com a obrigação de largar o onze à campo. Não levou ao pé da letra o quadro escalado no papel. A revelia, iniciou porfiando com outro guardião. Deixou o Odnir Bertolotte na cerca. Fez jogar o Ourivaldo Paulo Schwartz. O quadro triunfou por 4 tentos a 0, quatro tentos do meia-atacante Nilson Gilson Parise Nico. Na ojeriza, se sentido traído pelo Azamor, no retorno o Ferroviário teve uma baixa. O arqueiro Odnir Bertolotte abandonou a barca. Não mais apareceu para os lados do Estádio da Caixa D’água. Começou a treinar e pelear amistosamente pelo onze da Lagoa Preta, o São Bernardo F.C.
Peleando bem nas contendas de ida e volta naquele certame inusitado, o Ferroviário já tinha eliminado os representantes de Irati e de Guarapuava. Se tornara campeão da chave Sul II. Na nova fase litigaria com o campeão da chave Sul I, o forte Real E.C., representante da Liga da capital do Paraná. Na pugna de ida na cidade de Curitiba houve um empate pelo escore mínimo. No desafio de volta previa-se uma nova igualdade, pois os dois quadros se equilibravam tecnicamente. Profetizava-se uma possível prorrogação. A vaga poderia ser decidida nas cobranças de penalidades.
Ourivaldo Paulo Schwartz era um golquíper com peito e mãos de seda. Sempre bem colocado embaixo dos três paus encaixava a redonda com muita maciez. Nunca batia roupa, mesmo naquelas que vinham fervendo, mas era fraco catador de pênaltis, não se pinchava bem e, reconhecia isso. Já o Odnir Bertolotte era um gato e muito pegador embaixo das balizas. Tinha catado muitos na carreira. Antes do batedor atirar ele já sabia o canto onde o balão ia. Pulava, voava e se pinchava no chão ou na altura. Podia as vezes não cair pregado com a peca, mas ela dificilmente ultrapassava a risca da meta.
Fato pensado, o guarda-metas Odnir Bertolotte foi procurado e assediado pelo seu amigo e guardião concorrente, Ourivaldo Paulo Schwartz, para que voltasse a fazer parte do elenco. Papo daqui e trova de lá, o Odnir Bertolotte aceitou, e para colaborar com o amigo voltou a treinar durante a semana anterior ao prélio.
Naquela tarde cinzenta e de garoa, com a plateia da Vila Ferroviária arrebentando de gente – tinha povo até em cima da caixa d’água – como se previa a contenda terminou na igualdade, em 2 tentos a 2. O cotejo iria para a prorrogação. Em uma resenha entre dois arqueiros amigos, ficou atado, que se a peleja estivesse empatada, quando faltasse um minuto para o término da prorrogação, o arqueiro Ourivaldo Paulo Schwartz daria um balão para o mato e entraria no arco o Odnir Bertolotte. Não se tem prova oficial sobre isso. Os semanários da época relatam que tal troca fora feita sem consentimento do treinador Azamor Antônio de Almeida. O Odnir Bertolotte afirma de pés juntos que a substituição foi feita à revelia do técnico, pois ele ainda estava mordido pelo arqueiro ter abandonado o esquadrão após o jogo em Irati. Do Ourivaldo Paulo Schwartz não podemos ter a informação, pois ele já deixou a vida carnal, pulou
para o outro lado da estrada da vida. Está no céu há bastante tempo. Mas, o fato é que a troca dos guapos foi realizada no último minuto da segunda etapa da prorrogação. Cuidando do tempo de jogo junto ao mesário da “Federeca Paranaense”, no último minuto o Odnir Bertolotte foi avisado. Fez um sinal para o Ourivaldo Paulo Schwartz. Este, bimbou o balão lá pelos lados dos trilhos da Rede Ferroviária. A imprensa local se desesperou. Muitos roeram as unhas e arrancaram alguns fios de cabelo com a substituição, temiam, porque o arqueiro Bertolotte entrou sem estar na quentura da disputa. Previa-se que, quem tivesse um coração meia-boca sentiria o baque. Caso do meu vizinho Lourival Coelho, que foi parar em um hospital, porque as cobranças foram de arrepiar a pelarada do corpo.
Com a prorrogação terminada em uma igualdade, os dois guarda-metas dentro do grande círculo do relvado, de costa um para o outro, no par ou ímpar escolheram a cidadela onde seriam atiradas as cobranças, como também, quem iniciaria catando. Segundo o regulamento, três pênaltis seguidos seriam batidos pelos arrematadores escolhidos pelos esquadrões.
O batedor oficial do Ferroviário, sem condições psicológicas de fazê-lo, tinha borrado o suporte (cueca-saqueira), se negou. Ninguém mais queria pegar a empreitada. O impasse persistia. Então, o beque central Joanides Vieira Polaco, bateu com a mão direita no peito, dizendo, deixem que eu bato esse parangolé. Meteu a boca no batedor oficial por ter pipocado.
As balizas escolhidas foram as da caixa d’água. Com torcedores apinhados por ali, muitos encostados corpo a corpo e outros trepados nos alambrados, não cabia nem mais uma agulha. Uma grande maioria, com os nervos à flor da carcaça, tinha tentado firmar o pulso com mais de dois dedos de cachaça. Berrando nomes feios xingavam o guardião e o chutador dos cobras da capital. Nessa torcida vibrante, nem a mãe do juiz se salvou, virou mulher da vida fácil. A cada tento do Joanides Vieira Polaco e a cada catada do Odnir Bertolotte eram gritos quase intermináveis, de golllll… e imensas salvas de palmas. Parecia que aquele alambrado deitaria já, já…
Na primeira série de cobranças houve empate em 2 a 2. O Odnir Bertolotte mergulhou e catou uma lá no cantinho. A massa já cantava vitória. Quando o Joanides Vieira Polaco bimbou por cima da trave e a bola beijou a caixa d’água até sua mãe recebeu “elogios”. Alguém poderia finar, muitos corações alteraram as batidas.
Na segunda série o goleiro Odnir Bertolotte catimbou com batedor da capital: – não cobre com medo que vou catar! Pareceu que ele ficou assustado e bateu fraco. Odnir Bertolotte se pinchou nas três cobranças caindo pregado com a peca no peito. Catou as três. O povo já contou com o ovo da galinha. Odnir Bertolotte, faceiro igual uma égua com dois potrilhos, contando com a classificação garantida, se dirigiu para o vestiário embaixo da arquibancada. Após rezar frente à capelinha, quando retirava o fardamento foi chamado aos gritos por um bando de torcedores para voltar correndo à campo. O Joanides Vieira Polaco tinha feito cagada, perdera as três batidas. Os torcedores queriam tirar o coro dele. O chamaram de vendido. A revolta ferveu dentro dele, tentou se acalmar, pois não errara de propósito. Dois arremates o arqueiro encaixou e um beijou o poste esquerdo baixo.
Mesmo no início de verão daquele dezembro, a claridade já queria se esconder quando iniciaram a cobrança da terceira série de penalidades. O guardião do Ferroviário esperou que o batedor fuzilasse para escolher o canto. Em duas teve o voo perdido, não viu a cor dos tirambaços. Na terceira ficou parado no meio da meta esperando o tiro. Devido a bomba desferida, o balão explodiu no seu peitoral e foi parar no meio do gramado. Aos gritos a massa novamente contou com o ovo da galinha. Era só o Joanides Vieira Polaco estufar os barbantes que o triunfo estaria garantido. Duas ele estufou a rede. Na terceira, respirando fundo e tentando uma preciosidade no arremate, ele bateu colocado parecendo um peido de veio, fraco. Como um felino o golquíper curitibano se jogou e de ponta de dedos mandou à corner. Novo empate, 2 a 2. Aja nervos! Mais alguém foi levado às pressas para o hospital 26 de Outubro.
Veio a quarta série das cobranças. A noite já chegaria. Dedos cruzados, catiças, mandingas e promessas aos deuses do futebol foram feitas rapidamente. O Ferroviário tinha que sacramentar o triunfo. Espreitando, “zóio no zóio” o atirador, o quíper Odnir Bertolotte esperou que ele desferisse os chutes. Dois deles fizeram “chuá” nas suas malhas, não viu por onde entrou. No terceiro arremate, como um gato, Odnir Bertolotte se espichou todo e voou rasante. Conseguiu cair com o balão pregado no peito. Foi uma ovação só. Com os corações nas mãos e mais figa nos dedos, muitos ajoelhados e outros trepados nos alambrados, viram o batedor Joanides Vieira Polaco converter as três cobranças. Sua mãe foi absolvida dos xingamentos anteriores e ele não era mais um vendido. Triunfou o esquadrão da Rede Ferroviária por 3 tentos a 2. O batedor Joanides e o guardião Odnir foram carregados nos braços pelos torcedores. A vaga para a final estava garantida. Que viesse o Agroceres, de Santo Antônio da Platina, classificado no domingo anterior. Mas, isso é para ser contado em uma outra oportunidade.

COISAS DA BOLA são fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outras frutos da minha imaginação. Qualquer semelhança será puro acaso.

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Mais uma de galo de briga

Do escritor da periferia – Craque Kiko.

Acadêmico da ALVI – Academia de Letras do Vale do Iguaçu.

Texto do livro prestes a ser lançado – Causos da vida de fato.

Um fulano de posses. Ele perambulava entre a elite e proletariado, mas entre a classe menos abastada é que se sentia à vontade.Amigo do peito dos amigos, sociável e de uma humildade a toda prova. Sempre que lhe solicitada uma ajuda, o fazia com gosto. Era muito conhecido em toda a região. Visto com um baita futuro político. Diziam, seria um prefeito, um deputado ou até um político nas mais altas esferas, por que não!Adorava uma caçada, tinha cães bem treinados. Corrida de cavalos, então, o fazia vibrar. Agora, em um rinhadeiro, seus galos de briga eram dos bons, muitos troféus faziam parte de sua galeria. Isso é um pouco do que era o Ivan. E, é sobre ele e briga de galo essa narrativa.

O povo entupia aquela rinha. Aquele ar enfastiado de catinga dos penosos, enfumaçado pelos paieiros feitos com fumo em corda, era conhecido daquela gente, que saído da raia de cavalos, ali do ladinho, já com muitas biritas pela cachola, vinha terminar aquele domingo assistindo a enorme e esperada peleja entre o invicto e famoso galo Branco, do Ivan. O oponente era um não menos famoso galo, também sem ter nunca conhecido um revés, da localidade conhecida como Três Barras, cidade vizinha da capital da erva-mate, Canoinhas.

Já ia para duas horas a luta, pau a pau. Era uma briga de gigantes, mas o galo visitante, tinhoso e técnico, até parecia que teve aulas, esporeava e dava bicadas certeiras. O galo Branco, após um pialocerteiro estava com um olho cegado, mas ainda peleava de igual para igual, até que, não deu mais para ele. Um contragolpe do visitante fez vazar a outra vista. Aí, foi uma verdadeira saraivada de golpes, mas resistia, e nas escuras tentava revidar. Seus golpes iam ao vazio, não achavam o seu algoz. Perto de três horas de uma verdadeira tunda, mas sempre em pé, valente, sangrando muito e só com a “capa da gaita”, o galo Brancotodo estoporado não atirava os panos. Não fazia parte da sua natureza se entregar. Então, o Ivan, com seu coração gemendo de pena, vendo tamanha judiaria, jogou a toalha e assumiu a derrota do galo Branco.

Zenóbio, um senhorzinho, amante inveterado de prélios galináceos, que não perdia de vista nenhuma contenda naquela rinha, pediu para si aquelegalo Branco, que na visão de todos por ali, tinha adquirido a aposentadoria por invalidez. Foi presenteado com o galo, e ouviu com tristeza do Ivan – faça um bom ensopado. Mas, Zenóbio, que pela experiência de vida, muitas vezes enxergava além muros, tinha outros planos para aquele galo. Vira nele uma raça fora do comum, pois aguentar em pé quase três horas de peleja, totalmente cego e levando pialo a briga toda, não merecia ir para a panela.

Antibióticos, banhos mornos, pomadas nas feridas, massagens com catinga de mulata e muito rango bem vitaminado, passou a ser o dia a dia daquele galo. Em três meses, com cegueira total, estava recuperado da sumanta levada no seu último combate. Foi fechado a sós em um pequeno galinheiro com uma galinha forte ebotadeira, que se achava a rainha da cocada preta. Fez valer o seu instinto de macho. Com a galinha tremendo e arrepiada, a cruza foi inevitável. No primeiro e único ovo daquela galinha periguete, deu o ar da graça neste mundo, um pintinho totalmente com penugens de uma brancura total, que a cada dia se via, saíra o focinho do papai.

O pinto cresceu e virou um galo porrudo. Zenóbio com seu vasto conhecimento o pôs em treinamento puxado. Vira naquele galo um futuro promissor, que poderia lhe dar muita mufunfa, mas não era só esse o seu interesse. Por intermédio de um telegrama enviado na Estação Ferroviária União, atou uma briga em altas cifras com aquele famoso galo de Três Barras, que ainda seguia invicto dando troféus e dinheiro para o seu dono.

Mais uma vez o rinhadeiro estava apinhado. Pulgas por ali se sentiriam espremidas. Tinha gente de todos os cantos e tocas das beiradas do Rio Iguaçu. Era a última briga daquele domingo. Mesmo sem terem visto o galo do Zenóbio, as apostas eram vinte e quatro contra um, favorável ao galo visitante, invicto e famoso. Como se fosse um prélio futebolístico alguém deu um apito para começar a renhida luta. Não foi renhida. Em poucas passadas, com golpes certeiros que pareciam igual a jogadas ensaiadas, o galão tresbarrensebeijou a lona e ficou estrebuchando. Era como se fosse uma vingança que estava engasgada, aquele galo vingara o galo pai.Zenóbio forrou a burra de tantas cédulas.

Abismado pela valentia daquele galo, Ivan quis saber de onde ele surgira. Zenóbioentão, contou toda a história, tintim por tintim e lhe deu de presente, pois aquele penoso era filho do cego galo que ele lhe dera para fazer um ensopado.

Naquela segunda-feira, ao viajar para o litoral para dar cuidados a uma de suas empresas, viajando tranquilo, Ivan teve o seu bilhete de passagem vencido, era a hora do seu desembarque. Do nada, uma encosta desmoronou e caiu sobre o seu auto. Ele desencarnou, e deste chão terreno, sob o comando de Zenóbio, não pode ver as glórias daquele galo, que passara a ser chamado de “Campeão”, do Ivan.

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Da inocência para o mundo cão

        Ele tinha 17 anos, ela 16. Sempre que ele saía do treino, em frente da casa ela o esperava passar. Do outro lado da rua ele sorria, mas tinha receio de puxar uma prosa. Ela, espivetada, cansou de só ficar olhando. Puxou papo:

 – Está com medo de mim?

Tímido. Criando coragem não sabe de onde, ele se achegou e proseou:

 – Sim, tenho medo – nunca conversei com uma moça do teu naipe.

Pegou a mão direita dela, e com delicadeza beijou. Ela vermelhou toda. Ele sentiu ela tremer. Ela deu um beijo na bochecha dele. Emocionado, ele tremeu na base. E, foi desse jeito, que ataram um namoro.

        Todo dia após o treino do esquadrão profissional, ela estava na frente de casa esperando por ele. Suspirava ansiosa quando ele demorava. Ele não via a hora de estar com ela. Ocultos por detrás do portão roubavam beijos. Os arroubos da juventude afloravam. A libido dele ia para a copa dos paus. Ela se umedecia nas partes íntimas.

Já não aguentavam aqueles encontros furtivos atrás do portão. Começaram a se encontrar num paiolzinho nos fundos da casa dela. O pai não queria de jeito nenhum que ela namorasse. Ela era nova de tudo. Namorar com um boleiro, jamais. O pai sempre estava de botuca, mas era logrado. Quando ia trabalhar, o namorico deles pegava fogo naquele paiol, mas não iam além de umas poucas bulinações.

        O prélio pelo paranaense seria em Bandeirantes, contra o União. Na famosa Vila Maria. Viajando durante nove horas, ele matava a saudade ouvindo as músicas românticas nas fitas cassete que ela lhe emprestara junto com o seu gravador. Nessa viagem ele atinara. Estava perdidamente apaixonado. Na volta, ficaria nas barbas com o “sogro” e pediria para namorar de forma oficial. Se ele não deixasse, roubaria a filha.

        A volta era muito esperada. Venceram o cotejo por um a zero. Ele fez o tento bimbando uma falta. Mais nove horas de viagem. Noite toda. Ele muito feliz e com saudades dela. O consolo foi ouvir as músicas românticas. Seis horas da manhã aportaram na Sede do esquadrão. Ele dormiu no colchão sobre um beliche até meio dia. De banho tomado, roupa nos trinques, recendendo desodorante Avanço, do lado do alojamentobombiava e esperava que o pai dela fosse trabalhar. Enfim! Ele foi. Na correria foi até lá. Pela primeira vez ela lhe abriu a porta da casa. Ele entrou afoitamente. Entre beijos e abraços, passou uma rasteira e ela se estirou ao chão. Ajeitou o couro no terreno e se preparou para atirar forte. Em cima dela. Beijos, beijos e mais beijos. Ele, ávido, rasgou aquela blusinha fina, retirou o sutiã e com a cabeça entre aqueles enormes seios, ora em um, ora em outro, chegou a revirar os olhos de tanto sugar.

        Desconfiado, naquele dia, o pai fez que foi e, não foi trabalhar. Dando uma de “Migué”, lá na esquina ficou na espreita. Para sua própria desgraça armou um flagra. O que veria, nunca imaginou, talvez um futuro genro, “bezerrão”. Irado, enquanto correu para apanhar o machado lá no paiolzinho, o ex-futuro genro escafedeu-se, ouvindo que era um piá de bosta com os dias contados.

        O caminho deixou de ser pela frente da casa dela. Recebeu de volta todas as cartas perfumadas escritas para ela. Junto na bolsa, veio um bilhete alertando-o. A par do flagrante, o irmão dela, um louco varrido, junto com um bando iriam canchá-lo de pau. Que se cuidasse. Ele se armou. Começou a andar berrado. Dando uma desculpa esfarrapada, emprestara de um amigo polícia um 38 de marca Schmidt. Andava com aquele caga-fogo escondido na parte detrás da cintura.

        Armados de porretes, o bando lhe cercou. Quando foram lhe atacar, fez aquele trabuco cuspir fogo. Criou um rebuliço. Foi uma correria daquela turma. Nunca mais o importunaram. Mas, perdera de vez a namorada. Com muitas saudades, para conter o sofrimento, dentro da sua patente, vivia fazendo dedicação para ela usando os “cinco contra um”, imaginando estar sugando as suas enormes e duras tetas.

        Sabedor que ela estava de mira com um grã-fino, com um calorão na testa começou a frequentar um balcão. Um amigo de paleta vendo a sua sofrência, convidou-o para ir junto em um casamento. Após emprestar um paletó, de peru, apareceu na festa do casório. Viu uma moça a fitá-lo. Com uns goles a mais, ele virou um poeta. Encantou-a e se encantou com ela. Ali, acabara de conhecer um grande amor da sua vida, não para todo o sempre, pois o para sempre não existe, um dia vira fumaça.

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A difícil peleia para se aposentar

Do escritor da periferia – Craque Kiko.

    Perícia daqui e perícia de lá. Ele estava sendo julgado insano. Era mais um encostado pela previdência social. Voltar a trabalhar estava fora dos seus planos, nem a “pau juvenal”. Queria ser aposentado a qualquer custo. 

    A nova perícia estava próxima. Um dia antes, ele tomava uns goles de pinga misturada com pólvora. Juntos nessa mistura, dois comprimidos para dormir. Seu corpo começava a demonstrar que estava com algum mal. Seu coração parece que ia sair do peito. Tremeliques e palavras desconexas. Já fora da casinha, novamente ele circulava pelado pelo pátio do prédio. Imaginando ter nas mãos uma “maquina” de procurar ouro, afirmava que o fundo da fossa estava repleto dele. Aos gritos e plantando bananeira com o fiofó virado para a lua, ele via novamente a ambulância chegar para atendê-lo. 

    Famoso pelo ato, já era conhecido dos enfermeiros. Obedecia-os, e dentro da Van seguiam para a UPA dando risadas. Cara a cara com o médico de plantão, armava um banzé. Um sossega leão na veia levava-o ao sono tranquilizante. Um internamento era inevitável. Após dias, medicado, recebia alta hospitalar. A sua pretendida aposentadoria por invalidez, imaginava, caminhava a passos largos. Logo, logo pintaria. Voltar para o trampo, nem por misericórdia. Mas, eis, que, como um aborto da natureza, a sua cura apareceu do nada quando foi enviado para um sanatório.

    Em uma noite, um dos plantonistas daquela casa para loucos não aguentando a fuzarca armada pelo pretendente à aposentadoria, resolveu ir para forra. Enquanto o interno dormia anestesiado o sono dos loucos, socou-lhe papel higiênico na boca e nos dois ouvidos. Também, com o interno deitado e amarrado na cama com a "busanfa" para cima, o enfermeiro tirou-lhe as pregas. Deflorou-o e gostou do ato. Toda noite o fato se repetia, mesmo com o interno acordado. Indefeso, só lhe restava chorar em silêncio. Algumas vezes reclamava, só que ninguém acreditava em suas palavras. Não aguentando mais aquelas sevícias, o louco de araque começou a se comportar. Melhorou do dia para a noite. Logo ganhou alta. Voltou a trabalhar no seu serviço público, mas lhe doía o botuqueiro quando entregava cartas sentado no selim de uma bicicleta.

    Depois de anos, a sua tão esperada aposentadoria veio, não por invalidez, mas por tempo de serviço. Infelizmente ficara com sequelas - um de seus ouvidos ficou surdo e o seu fiote estava alargado. Só de imaginar em ouvir a palavra sanatório, ficava pianinho, e se escondia embaixo da cama. Quando encontrava aquele enfermeiro do sanatório, que virara seu vizinho de porta, suas vistas transbordavam em lágrimas.

Uma tarde para não se esquecer
Do escritor da periferia – Craque Kiko. 
        Um frio do capeta. Lá fora o vento ainda fraco, mas longe de ser somente uma brisa, balançava os pequenos galhos das duas pequenas palmeiras nos extremos do meu pequeno jardim retangular. O Sol há dias tinha deixado de nos visitar. Eu, parado frente da janela do meu museu-estúdio, olhava lá para fora querendo entender porque o Dom Bilu não parava de latir no grande portão. Naquela hora, ele deveria estar ninando dentro da sua casinha, lá nos fundos da garagem. De onde eu estava, só conseguia visualizar a metade do portão. Querendo descobrir o porquê da tamanha latição, colocando o chapéu, sai pela porta dos fundos e marquei presença junto dele na frente do dito portão. Descobri o motivo, e esquecendo o dia cinzento, frio e neblinoso, abri um enorme sorriso. 

        O motivo era justo e merecia aquele ganiçar, desde que fosse uma declaração de amor ou um elogio para ela. A cadelinha era linda, igual a sua dona que a segurava por uma pequena corda. A dona da, quem sabe futura namorada do Dom Bilu, foi-se dali levando a cachorrinha. Dom Bilu se acalmou, saiu na correria até a garagem lá no fundo do pátio e voltou trazendo na boca, aquele pedaço de dinossauro de borracha já meio esgaceado. Entendi de cara o que ele desejava. Então, jogando aquele toco de dinossauro da frente do portão até os fundos do pátio, cerca de 35 metros, iniciamos o preparo físico dele. Eu arremessava o pedaço daquele réptil, ele saía na correria, apanhava e trazia até mim. E, assim, após vinte arremessos, com ele já colocando a língua de fora, encerramos os trabalhos. 

        Para me recuperar, já sentado no banco do pergolado lá no fundo do quintal, enquanto eu bebia um café na xícara do Vasco, o Dom Bilu sentado ao meu lado, salgava o peito com uma iguaria feita pela minha esposa. A cada gole daquele café quente e gostoso, encarando o cãozinho, que também me encarava após uma dentada ou outra naquela perna de galinha, nós dirigíamos o nosso olhar lá para o portão da frente. O Dom Bilu na ânsia que aquela cachorrinha retornasse, e eu, esperando uma caminhonete de lenha picada, que recém tinha encomendado.   

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