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BREVES HISTÓRIAS

Parceiro de vida

Meus dois últimos textos foram sobre as músicas que irromperam em minha vida e dela nunca mais saíram. Hoje volto a falar sobre essas músicas que o acaso trouxe, sobre as músicas que escolhi e que me acompanham desde sempre e para sempre. Mas hoje, sobretudo, quero falar de ausências e em especial da ausência, de meu irmão de vida, Nivaldo Feliman Camargo, que há 10 anos, completados neste 10 de dezembro, de maneira abrupta e absurda, nos deixou. É falaciosa a afirmação de que ninguém é insubstituível. Existem pessoas insubstituíveis sim e Nivaldo era uma delas.

Já contei por aqui e em meu livro, Meus caros amigos, como eu e Nivaldo nos conhecemos. Vou fazer um breve resumo para quem ainda não leu esse meu relato. Éramos vizinhos e no final dos anos 60, especificamente, em 1968, Nivaldo que morava na rua 1º de maio, começou a aparecer na Barão do Cerro Azul, onde eu morava e voltei há morar em 2018.
Passamos da infância, à pré-adolescência e dessa os conturbados e tortuosos anos adolescentes em que fomos construindo nossas identidades.
Compartilhamos anseios, angústias e nossas primeiras namoradas, que como nós, também, eram vizinhas, ambas moravam na rua Santos Dumont, no bairro São Bernardo.
Na primeira serenata que fiz para uma menina, Nivaldo estava comigo depois de surrupiar um litro de uísque de meu tio René, nos enchemos de coragem e partimos para a primeira serenata. Entramos pela casa vizinha de Sônia, colocamos uma caixa de som no muro, bem ao lado de sua janela e com um longo fio voltamos para a calçada e atacamos de Stylistics, com We can make it happen again e encerramos a audição com Make it easy on yourself, com Oscar Toney Jr, além de enchermos de flores a veneziana do quarto de Sônia.
Alguns meses depois, Nivaldo e Mara, sua namorada, haviam brigado e lá fomos nós para a primeira serenata de Nivaldo. A música por ele escolhida para abrir e encerrar audição foi, Sua estupidez, com Gal Costa. A letra da música era emblemática para o momento, pois dizia, sua estupidez não lhe deixa ver que eu te amo.
Preciso voltar para setembro de 1974, quando fomos a nosso primeiro baile. Era o Baile de encerramento dos Jogos da Primavera, no Clube Aliança e que era tocado por nosso amigo e vizinho, Fernando Boni, com seu magnífico equipamento de som e luzes. Ainda lembro e espero nunca esquecer o que estava tocando quando chegamos ao baile. Boni havia mixado três músicas de Paul Anka, That’s what living is about, House upon a hill e Do I love you.
Ficamos estupefatos, perplexos, paralisados, pela beleza das músicas, literalmente iluminadas pela fantástica luz submarina que enchia as paredes com suas borbulhas psicodélicas, que se alternavam com a luz negra e com os reflexos originados pelo globo de espelhos que enchia o ambiente de estrelas. Ainda não tínhamos namoradas e ficamos tão extasiados com o ambiente de luzes e som, que não dançamos e tampouco falamos com uma única menina. Aliás, não falamos com ninguém, exceto com Fernando Boni, quando subimos ao palco e vimos, ainda mais maravilhados, tudo lá de cima.
Ficamos até o fim do baile e ao voltarmos para casa a pé, nasceu a ideia de criarmos uma equipe de som. Ali começava a nascer o Alucinasom, que viria ao mundo no ano seguinte em uma sociedade entre eu, Nivaldo, Rubio Savi e Paulinho Rochembach.
Fizemos nossa estreia no aniversário de Bernadete Bona em festa no Clube Concórdia. Depois tocamos mais algumas festas de amigas, como Suely Carneiro, no Salão de Festas do Núcleo Social Odete Conti.
Em novembro de 1975, como já contei por aqui, tocamos uma festa na AABB e pela primeira vez levamos nossas namoradas, devidamente, autorizadas por seus pais.
Como estávamos trabalhando, nos restringimos à improvisada cabine de som que havíamos montado.
Lá pelas 4 da manhã, com apenas um único casal ainda remanescendo na pista, coloquei, We all fall in love sometimes, com Elton John eu e minha namorada dançamos por 9 vezes seguidas a mesma música e Nivaldo com sua namorada também dançou outas 9 vezes, sempre acompanhados pelo casal, que hoje penso que eram os donos da festa.
Os anos passaram, casamos, eu descasei, Nivaldo continuou firme com Carmem. Eu casei com Margarete. A vida seguiu e continuamos amigos, divergíamos, brigávamos, mas logo um de nós procurava o outro e seguíamos ouvindo muita música e tomando muito scotch.
Em 2002, nosso amigo comum, Celsinho Passos fez um churrasco em sua aprazível casa no alagado, em Nova Concórdia. Almoçamos, jogamos baralho, bebemos muita cerveja e no final da tarde, ao pôr do sol, alguém colocou um carro bem perto da beira do rio e eu coloquei no CD player do carro o disco Is a woman, do Lambchop. Abrimos um Black label, Celso trouxe os copos e gelo e ali permanecemos meio em êxtase, contemplando aquele belo e melancólico entardecer. Nivaldo me disse que o Lambchop era uma das coisas mais sensacionais que ela já havia ouvido e disse que momentos como aquele, ao lado de amigos, com um bom uísque, uma bela paisagem e com aquela música, era o que fazia a vida valer a pena. Brindamos a momentos como aquele. O disco acabou e o scotch também. Lembrança memorável.
Por volta de 2010, eu e Marga recebemos Nivaldo e Carmem e lá pelas tantas coloquei no som a música, Stela, com Fábio e Nivaldo me disse, de onde você desencava essas coisas fantásticas e seguimos ouvindo e é claro sempre acompanhados pelo outro amigo inseparável, o scotch.
Em agosto de 2011 organizamos uma festa de 40 anos de nossa turma de adolescência, a Patota da Barão. A festa aconteceria em um sábado na discoteca do Clube Aliança e na sexta eu e Marga em uma preliminar recebemos Nivaldo, Marco Benghi e sua namorada de Joinville e Edson Mendes que também foi sozinho.
Ouvimos muita música. Eu queria mostrar aos amigos tudo o que iria tocar na noite seguinte e assim tocava apenas um pedacinho de cada música, sob as reclamações dos ouvintes que queriam ouvir a música inteira e ao que eu dizia, não dá tempo.
Quando cheguei In my resume, Nivaldo disse: essa é sensacional, não tire. Essa ouvimos inteira.
As meninas e Edson bebiam cerveja enquanto eu, Nivaldo e Marco derrubamos dois litros de uísque.
Terminamos a noite lá pelas 5 horas da manhã, ouvindo umas 5 vezes a seminal, Dream Gerard, do genial disco do Traffic, When the eagle flies.
Até hoje não sei como sobrevivemos àquela noite.
No sábado com mais de 60 amigos vivemos outra noite inesquecível e a terminamos, novamente, a pedido de Nivaldo e Marco, com Dream Gerard.
O caríssimo amigo Marco Benghi nos deixou em 2022, de fulminante ataque cardíaco, na cidade de Itajaí, onde residia.
Em 23 de novembro de 2013, eu e Nivaldo tomaríamos juntos nossa última cerveja no bar do amigo Maquininha, Guadallupe Gastronomia.
Falamos da vida, da morte de quem Nivaldo sempre reiterava não ter medo e tampouco, acreditava em vida após ela.
Fizemos planos, inclusive de construirmos pequenas casas para vender. A primeira ele faria sozinho e da segunda em diante faríamos em parceria. Também combinamos de entre o Natal e o Ano Novo, irmos para a Argentina beber uísque em um bar que seu filho Felipe gostava muito.
Infelizmente isso nunca aconteceu.
Como nunca aconteceu o que planejamos aos 16 anos, de ir de moto aos Estados Unidos, pelo Canal do Panamá, numa aventura meio Easy Rider.
Imagino que meu caro leitor esteja entendendo porque digo que há pessoas insubstituíveis. Nivaldo era uma delas.
Agradeço a leitura, os comentários no Facebook, que muito me estimulam a continuar escrevendo.
Desejo a todos um Feliz Natal e um ótimo 2024.

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BREVES HISTÓRIAS

Não se vencem eleições na véspera

Como nos aproximamos de mais um pleito municipal, lembrei das eleições de União da Vitória em 1988.
Nesse aludido ano fui um dos coordenadores da campanha de meu amigo Gilberto Brittes à Prefeitura Municipal e também atuei na coordenação da campanha para vereador de outro dileto amigo, Mário Patruni.

Gilberto Brittes acabou derrotado por Mário Riesemberg, enquanto Mário Patruni foi eleito vereador pelo PTB, com 396 votos. O PTB também elegeu nesse ano Hussein Bakri e Décio Pacheco.
A bem sucedida campanha de Mário Patruni foi ancorada, primeiramente, no excelente trabalho que ele fazia na direção da empresa Ivo Kerber, propiciando que ela apresentasse sensível crescimento naquele período. O que também contribuiu muito para a eleição de Mário, foi sua notável performance como dirigente esportivo. Mário montou um verdadeiro esquadrão de futebol de salão na empresa Ivo Kerber, que foi campeã paranaense dos Jogos do SESI.
Naquele período, mais ou menos em 86 ou 87, Mário foi candidato à presidência do Clube Aliança, enfrentando a poderosa chapa da situação, encabeçada por Olaf Sohn, sucessor de Antônio Swierk, cujo grupo, há muitos anos dirigia o Clube. Foi uma eleição muito acirrada e Mário perdeu por pequena margem de votos.
Cabe aqui ressaltar que a profícua atuação de Mário como vereador, fez com que ele quase triplicasse sua votação nas eleições de 1992, quando ele chegou próximo dos 800 votos.
Acompanhei de perto a atuação de Mário como vereador e dessa forma ainda lembro de alguns de seus projetos, que foram transformados em importantes Leis, como Vereador por um dia, Disque Câmara e a Fila especial nos bancos para idosos, gestantes e portadores de deficiência.
Mas o título desse breve relato prende-se ao fato de que terminada a apuração dos votos, que era realizada no Ginásio de Esportes Isael Pastuch, com os votos ainda impressos, Mário acabou não sendo eleito, apenas se elegendo pelo PTB, Hussein Bakri, o mais votado daquele pleito, com mais de 1000 votos e Décio Pacheco, com 800 votos.
O candidato Airton Maltauro Filho, que se não me engano, concorreu pelo PDS acabou eleito com essa legenda, ultrapassando o quociente eleitoral, por apenas alguns votos.
Saímos do Ginásio já desolados com a derrota de Gilberto Brittes e ainda mais cabisbaixos com a não eleição de Mário. Como eu era um razoável conhecedor da fórmula pela qual se calcula o quociente eleitoral, assim como o quociente partidário e de posse da votação nominal de todos os candidatos e dos votos atribuídos apenas às legendas, ao chegar em casa resolvi refazer os cálculos e eis que após vários recálculos, observei que o partido pelo qual Maltauro Filho havia concorrido, na verdade não atingira votos suficientes, ficando abaixo do quociente eleitoral.
Fui imediatamente à casa de Mário, com os cálculos nas mãos e disse que precisávamos interpor, imediatamente, um recurso solicitando a recontagem de votos, especificamente, do partido pelo qual concorrera Maltauro Filho.
Fomos até o Distrito de São Cristóvão, onde residia, Wilson da Silva, então presidente do PTB. Expliquei a situação e solicitei papel timbrado do partido, já assinado em branco, para que eu escrevesse o recurso. Fomos para minha casa, escrevi o recurso e levamos em mãos para Walter Ressel, então Juiz eleitoral.
Os votos foram recontados e de fato o partido de Maltauro não havia atingido o número de votos suficientes para a configuração do quociente eleitoral.
Portanto, Maltauro, que já comemorava a vitória no Barril 2001, não foi eleito, sendo eleito Mário Cesar Patruni.
Finalizo voltando ao título desse breve texto, afirmando com todas as letras, que eleição não se vence na véspera e, às vezes, nem no próprio dia.
E ainda existem negacionistas da extrema direita que advogam a volta do voto impresso.
Com o voto digital isso jamais teria acontecido.

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BREVES HISTÓRIAS

O que teria sido de nós?

Li recentemente o livro, A fábrica de cretinos digitais, de autoria do sociólogo francês, Michel Desmurget.
Nas mais de 400 páginas o autor discorre sobre os malefícios do abuso da Internet, principalmente, em crianças e adolescentes. Desmurget comprova, por meio de pesquisas, que pela primeira em várias décadas, essa geração tem um QI menor que o de seus pais.
Nessa mesma premissa, vou começar a ler nos próximos dias, A geração ansiosa – Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais, de autoria Jonathan Haidt.
O autor vai na mesma toada de Desmurget e analisa o, suposto, colapso mental da juventude e sugere medidas para uma infância mais saudável e livre de telas.
Embora o assunto seja instigante e perturbador, não me acho abalizado para discuti-lo por aqui, deixando-o ao encargo de minha amiga e também colunista de Caiçara, Maris Stela Stelmachuk, doutora em Psicologia e com anos de experiência.
Dessa forma, meus caríssimos e poucos, mas fiéis leitores, devem estar se perguntando porque abordei o assunto.
Posso explicar. A leitura do primeiro livro aqui mencionado, assim como de artigos e mesmo filmes sobre o assunto, me remeteu a minha adolescência, ou mais especificamente, a meus longínquos 15 anos, quando já disse por aqui, comecei a abandonar a bola de futebol, substituindo-a pelas primeiras paixões juvenis.
Como também já contei aqui nas páginas de Caiçara, minha primeira paixão juvenil foi por uma menina de nome Maristela. Como não tenho autorização dela, por que nunca falei com ela em toda minha vida, embora ela seja moradora de União da Vitória, omito seu sobrenome.
Ela como eu estudava no Túlio de França, acho que uma série depois de mim, embora fosse dois anos mais nova do que eu.
Volto a contar que tanto nos recreios das aulas, como na saída do colégio, nos olhávamos, mutuamente, mas nada de conversarmos. Acho que isso durou alguns meses. Como também já contei por aqui, certo dia, após o término das aulas, eu e Nivaldo Camargo, meu inseparável amigo, subíamos a Manoel Ribas, andando uns 20 metros atrás de Maristela e de Débora, sua também inseparável amiga, de repente elas se viraram e vieram em nossa direção. Apavorados entramos em uma loja, evitando assim o encontro. Não tenho certeza, pois aí já se vão mais de 50 anos, mas acho que foi aí que nosso caso nunca começado, tenha acabado.
Logo depois disso, ou talvez antes disso, eu Nivaldo e Paulo Murara, outro grande amigo, começamos a nos interessar por Rosa, uma linda garotinha que morava próxima de nós. Nenhum dos três teve a coragem de falar com ela, até que, em algum momento de 1973, ela se mudou da cidade.
Logo depois disso, já em 1974, eu ficava fascinado com a garotinha da bicicleta verde, que dava voltas e mais voltas em sua quadra e passava por mim, cada vez mais magnetizado por sua beleza e leveza. Para mim ela não andava em sua bicicleta, mas voava. Era Rossandra Monteiro da Cunha, hoje Codagnone e hoje minha amiga e que me autorizou a declinar seu nome.
Meu primeiro contato, com minha primeira namorada, Sônia Carneiro, foi por meio de um ex-vizinho e então vizinho dela e depois por bilhetes e até por um walkie talkie que eu e meu amigo Edson Mendes, compramos em sociedade. Com o precário alcance do aparelho e como eu já morava aqui na Barão do Cerro Azul e ela no Bairro São Bernardo, deixei o meu rádio com ela, enquanto eu falava com ela da casa de Edson, que era seu vizinho.
Meu querido leitor/leitora ainda deve estar se perguntando o que isso tem a ver com a Internet, que abordo no início dessas mal traçadas linhas?
Tem tudo a ver, ou melhor, como eu teria agido se naquela época, já houvesse telefone celular e redes sociais.
Será que protegido pela distância física eu teria tido coragem de falar com Maristela, Rosa e Rossandra, pelo Whats App ou Facebook?
Boa pergunta, mas impossível de responder. Mas lembrando de como eu era, acho que continuaria sem coragem para um primeiro contato. Acho, por outro lado, que enviaria músicas, esperando receber um sinal qualquer para depois efetivar o contato.
Com Sônia já teria sido diferente, e eu já do alto de meus 16 anos, e muito menos introvertido, teria trocado os radiotransmissores e os indefectíveis bilhetes pelo Whats App.
E você caro leitor/leitora, o que teria feito em situação semelhante a minha?
Até a próxima.

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BREVES HISTÓRIAS

Sutil e delicado

Neste ano de 2024, consegui assistir a todos os filmes concorrentes ao Oscar de melhor filme. Comecei assistindo Oppenheimer. Gosto bastante do trabalho de Christopher Nolan. Gostei do filme, embora o tenha achado convencional demais. Depois assisti Barbie. Apreciei a mensagem de empoderamento das mulheres, mas achei o filme, demasiadamente, juvenil. Já Assassinos da lua das flores, comecei a assistir duas vezes e acabei desistindo. Vou dar mais uma chance, mas confesso que ainda não fui seduzido pela história, embora a saiba pungente e revoltante.
Do diretor Bradley Cooper, eu havia assistido em 2018, Nasce uma estrela e agora com Maestro, que conta a vida de Leonard Bernstein, mas dá pouca importância à sua obra. Erro imperdoável.
Gostei muito de Anatomia de uma queda. Palma de Ouro em Cannes em 2023 e Oscar de melhor roteiro original. Assim como gostei de Os rejeitados, de Alexander Payne. Sou um fã incondicional de Paul Giamatti. Eu torcia por ele na categoria de melhor ator.
Também gostei muito de Ficção americana, cujo surpreendente roteiro adaptado valeu ao filme o Oscar nessa categoria
Mas vamos agora aos meus favoritos. O segundo melhor filme, para mim, foi Pobres criaturas, do grego, Yorgos Lanthimos e que foi o vencedor na categoria de melhor atriz, para Emma Stone, com atuação digna de antologia. O filme ainda levou os Oscars de Direção de Arte, Figurino e cabelo e maquiagem. Todos justíssimos. Pobres criaturas é um filme fantástico que inicia como um épico cômico e vai, gradualmente, evoluindo para uma crítica à supressão da liberdade, os bolsonaristas e os hipócritas conservadores não vão gostar e tampouco entender. Mas o filme segue avançando para uma crítica social da desigualdade e como se não bastasse ainda é, extremamente, feminista, recolocando gradualmente a mulher em seu lugar de destaque. Simplesmente genial.
Mas antes de abordar meu filme favorito, não posso deixar de mencionar o inquietante, denso e candente, Zona de interesse, Oscar de melhor filme internacional
Zona de interesse é um dos melhores filmes sobre o nazismo e expressa com todas as letras, ou melhor com imagens e sons, aquilo que Hanna Arendt chamou de a banalidade do mal. Imperdível.
Vamos então não apenas ao melhor dos concorrentes ao Oscar, como para mim, o melhor filme de 2023, e não apenas isso, um dos melhores filmes dos últimos anos.
Falo sim de Vidas passadas de Celine Song, que se inspirou em sua própria vida de imigrante para compor sua belíssima obra. Vidas passadas, é o filme de estreia da sul coreana, que além de diretora é também a roteirista do filme, que começa com uma cena em um bar onde três pessoas, dois homens e uma mulher conversam.
Aí há um corte e a cena retrocede 24 anos, quando um menino e uma menina caminham conversando. Com maestria, leveza e delicadeza Song vai desvelando a história.
Em certo momento da narrativa a personagem da mãe da protagonista, magnificamente vivida por Greta Lee, diz, em cada escolha que fazemos, ganhamos alguma coisa, mas irremediavelmente, perdemos outra.
O filme fala das escolhas que fazemos e de suas consequências, da reverberação de um primeiro amor, para alguns facilmente esquecido e para outros, como o casal de personagens, ao contrário, reverberando ao longo de suas vidas.
Doze anos após a partida da protagonista, primeiramente, com seus pais para o Canadá e depois para os EUA, eles se reencontram por uma rede social e aquele passado nunca esquecido é revisitado.
Em determinado momento da trama Nora decide interromper o contato com Hae Sung, temendo que o envolvimento deles atrapalhe sua carreira. Logo em seguida, em uma residência artística ela conhece Arthur, personagem interpretado pelo também excelente, John Magaro. Eles namoram e acabam antecipando o casamento para que ela obtenha o green card.
Mais doze anos se passam e o casal se reencontra em Nova Iorque, daí em diante o filme ganha ainda mais em densidade e sutileza, com a câmera os acompanhando de longe e quase sempre com os dois enquadrados em planos separados, denotando com isso a impossibilidade de um relacionamento, mesmo havendo uma profunda conexão entre eles. O distanciamento não é apenas geográfico e como na bela canção de Ivan Lins e Vitor Martins, Lembra de mim, ” perto daqui, mas tarde demais”. O tempo passou eles trilharam outros caminhos e mesmo conectados, parece que não há mais tempo para uma reaproximação, pelo menos nesta vida.
Ao fazermos nossas escolhas, lá na frente não será mais possível saber se elas foram as certas ou não, pois não podemos voltar no tempo e alterá-las.
A cena final, primeiro no restaurante quando o casal conversa em coreano, com o marido de Nora ouvindo, não entendendo e não interferindo, é magnífica e depois, enquanto Hae espera um Uber é de uma beleza poucas vezes vista no cinema.
A música de Stevie Wonder, All in loves fair, nos diz que no amor tudo é possível, nem sempre é assim, pois algumas de nossas decisões e escolhas podem ser irrevogáveis. O tempo terá passado e dificilmente, ou quase nunca, seremos os mesmos, embora certas lembranças nos acompanhem por toda vida.
Vidas passadas não é apenas imperdível, é memorável e é dessas lembranças que nos acompanham eternamente.

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