COISAS DA BOLA
Um causo nas águas (Verídico)
O sono não vinha e as águas do riozão, mesmo com quatro dias de solão, ainda teimavam em subir. Olhando do seu terraço o mar que tomara conta da parte de baixo da sua casa, aquele senhor, já septuagenário, se sentiu como um Zé ninguém. Uma enorme frustração e um grande arrepio lhe correu pelo carretel da sua espinha. Por pouco não teve um faniquito. Poxa! Era muita água ao redor. Num piscar de olhos, atinara, que ele sim, tinha feito algo dentro das suas possibilidades ao longo dos anos para tentar sobreviver a mais uma elevação das águas. Reformara a sua pequena casa deixando-a como uma palafita-sobrado, onde agora estavam acomodados os poucos móveis que conseguira içar. Com sua “muié” flagelada em casa de parentes, ele dormia por ali para proteger os seus parcos móveis dos gatunos, que durante as noites de breu, remando botes, faziam uma varredura nas casas sem ninguém. Ali de riba, passou por sua cachola que fora morar naquele local por não ter outra opção à época. Naquele lugar viveu poucas e boas, peregrinou do céu ao inferno. Viu que o seu sacrifício de uma vida valera a pena, pois seu único varão, agora um doutor em uma grande cidade era reconhecido pelo seu trabalho e pelo trato para com as pessoas, não importando a sua posição social, e isso lhe dava uma satisfação enorme. Mesmo com a insistência do filho, para que fosse morar junto dele na cidade grande, ele não arredara o pé dali. Passara a amar, e muito, aquele chão. Seu círculo de amizades estava ali. Sozinho naquela escuridão e escutando o barulho das águas, se sentiu um culpado quanto a elevação do rio, pois também se acomodara em cobrar a quem de direito. Ficara esperando como a maioria dos afetados, que genuflexos, agora viam que tudo estava como dantes. Antevendo o que viria após aquele mar baixar, vislumbrou novamente, como nas enchentes anteriores, aquelas casas e ruas parecendo uma verdadeira terra arrasada. Pela sua falta de atitude se sentiu como um merda, mas merda da pior espécie, sé é que existe, aquela merda da mosca varejeira que come a bosta da vaca. Se viu como o ínfimo de um nada. Como os outros viventes dali, comeu nas mãos dos mandatários de plantão. Não lhe restava nada mais a fazer, a não ser espernear, mas estava se sentindo cansado para isso. Se conformaria que ali a terra se transformara novamente em mar? Achava que em vida não veria a solução. Para aquele momento de baixo astral, sentiu vontade e tomou um gole de uma “braba”, que desceu queimando, parecendo mijo do capeta. Por mais que tentasse tirar algumas horas de sono, ele teimava em não vir. Ficar vendo aquele mundaréu de água o estava martirizando. Fez mais um “sacrifício” e bebeu mais um gole daquele xixi do capiroto. Alguma coisa começou a lhe cutucar, como que dizendo para ele descer daquela altura. Talvez batendo pernas aquela sensação ruim lhe saísse do corpo. Num atino, resolveu caminhar pela beira da enchente. Aguentando as dores das juntas, se agarrando como um mico em um pé direito da palafita, desceu no cuidado até o bote ancorado. Remando até próximo de um poste de luz, ali deixou a embarcação amarrada e foi esticar os cambitos em uma caminhada, que sem imaginar, seria longa. A claridade do dia começava a se fazer presente. Antevia-se que os raios solares não dariam o ar da graça. Torós à vista, indicavam que mais água jorraria. Com os pensamentos a mil, andando a esmo pela beirada da enchente, percebeu um fulano vindo em sentido contrário, que pela sua fuça via-se um desacorçoamento. O agasalho e o par de tênis, de marcas famosas, davam a entender que aquele vivente não seria um pouca bosta. Sentindo falta de uma prosa, para puxar um papo, o senhor da palafita perguntou para aquele cidadão se ele tinha visto um cão por ali. Surpreso, mas com os olhos murchos de tudo, o fulano disse que não. Não se sabe de onde e sem saber o porquê, o senhor da palafita, virara um tagarela, queria papo, e forçou um diálogo com o desconhecido:
– Porque você está acabrunhado? Está com algum problema de saúde? Um homem bem-apessoado e tão triste! Posso ajudar em algo?
Surpreso pelas palavras daquele senhor, o homem de agasalho respondeu:
– Dá para notar a minha tristura? Pois então! Não me resta mais nada a não ser ficar borocoxo. O meu mundo está desabando e eu decidi abandoná-lo. Não tenho mais forças para nada. Estou em dúvida se me jogo nas águas com o meu carro ou se me atiro da ponte ferroviária.
Pego de surpresa pelo dito, o septuagenário da palafita, em tom que inspirava confiança, emendou:
– Tá loco home veio! Nem pense nisso. Não existe problema sem solução. Quer me dar um voto de confiança e me contar o que se sucede?
Talvez por encontrar pela primeira vez alguém disposto a escutá-lo, mesmo que fosse um estranho, o desejoso de se matar abriu a matraca:
– Sabe! Eu e minha companheira não estamos nos dando muito de bem ultimamente. Vivemos brigando muito e estamos meio que separados. Estou tentando melhorar o meu jeito de ser para vivermos em paz, porque não quero ficar sem a minha família. Mas, o meu mundo caiu por completo está noite quando fui visitá-la. Peguei em flagrante ela dando para um cara, onde no mesmo quarto o meu filho, um ainda tico de gente, de cinco anos, em um pequeno colchão atirado no chão, dormia o sono de um inocente. Senti um calorão na minha testa, onde parecia que estava nascendo um par de guampas. Tive vontade de finar os dois amantes, só não o fiz, no ato, por causa da criança. Como um desvalido e inconsolável estou andando de um lado para outro pensando em como me matar. Não estou suportando essa dor no peito. Vou dar cabo na minha vida.
Vendo um suicídio eminente, intercedeu mais uma vez o homem da palafita:
– Você não é o primeiro e nem será o último a levar uma “gaiada”. Já pensou se todo mundo que levasse um par de chifres mandasse o rival para a terra dos pés juntos! Ia faltar cova. Deixa disso. Isso é coisa de peão fraco. Problema é ficar pesteado, doente. O resto a gente empurra com a pança. Será que você é tão frouxo a ponto de deixar o teu filho órfão? Imagine ele entrando na adolescência e sabendo que o pai se matou por ser um borra botas. Como vai ficar a cabeça dele? Sem um pai para amar e dividir as alegrias e conquistas! Mulher está cheio por aí. Já, já você arruma outra, que no frigir dos ovos você verá que poderá ser melhor que a tua atual companheira. Se ela te trocou por outro não foi de graça, motivos deveria ter. Deixe ela viver a vida. Sejam parceiros e criem a criança com muito amor.
O apito na chaminé de uma empresa dizia que era meio dia quando se despediram. Pensando ter conseguido, ao menos por enquanto, que aquele cidadão de agasalho não finasse por conta própria, pois aquela resenha mesmo abaixo de chuva, fora um sacrifício que momentaneamente surtira resultado. Achando que era hora de voltar para sua palafita-sobrado, aquele senhor septuagenário chegou no poste onde tinha deixado o seu bote. Não o encontrou. Lembrou que tinha esquecido de passar o cadeado. Alguém tinha surrupiado. Que fizesse bom uso. Correndo o risco de se afogar ou pegar uma peste, andando com a água pelo pescoço, chegou na sua palafita e molhou novamente a palavra com aquele mijo do capeta.
Quarenta dias com a casa embaixo d’água. O rio no sistema pinga-pinga já estava retornando ao seu leito, quase normal. A podridão deixada pelas águas fedia como que empesteando o ar. Mais uma vez era chegada a hora da limpeza e de mensurar os danos e prejuízos. Como previra aquele senhor da palafita, as casas agora à vista, com os móveis jogados em frente, cheios de lama e esfarelando-se, deixavam transparecer que ali a terra fora arrasada. Mas era novamente, o que se tinha para o momento. Não adiantava espernear.
Enquanto junto com sua esposa limpava a sua palafita-sobrado, teve a sua atenção chamada quando ouviu um assobio diferente. Riu internamente quando visualizou e reconheceu aquele homem do agasalho, que agora vestindo um terno de linho azul marinho tinha um largo sorriso na fachada. Junto dele, um menino e uma bela mulher. Aquele homem de terno ao cumprimentá-lo beijou sua mão. Nas barbas um do outro, aquele homem de terno, após ter se ajoelhado e ficado contrito, derramando lágrimas, disse que fora o Papai do Céu que os colocou frente à frente naquela madrugada, quando ele estava pensando em esquecer de puxar o ar. E que agora, junto com uma nova namorada, o estavam convidando para ser padrinho de crisma do seu filho. Queria atar laços sérios de uma amizade.
Demonstrando muita felicidade por dentro e por fora, com os pensamentos divagando, aquele septuagenário senhor da palafita-sobrado, tirara do perrengue vivido, mais um aprendizado. Cansado de uma vida sofrida, com o corpo surrado e já meio arqueado pela fracura dos ossos, ele teve a certeza que sempre fora um baita vencedor. Internamente, pediu perdão ao Ser Superior por algumas vezes fraquejar. Percebeu que a sua vida valera a pena. Fora com muita garra o timoneiro da sua família, prova disso era o seu filho médico que acabara de chegar em sua Mercedes-Benz, não para mais uma vez tentar levá-los dali mas para ajudá-los na recuperação da palafita-sobrado. Ele tinha entendido, que sua mãe e seu pai nunca deixariam aquele chão que amavam na beirada do Majestoso, e que algumas vezes em anos se tornava Tenebroso Rio Iguaçu, mesmo que agora eles tivessem que providenciar um outro bote.
Do escritor da periferia – Craque Kiko.
COISAS DA BOLA são fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outras frutos da minha imaginação. Qualquer semelhança será puro acaso.
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COISAS DA BOLA
Mais uma de galo de briga
Do escritor da periferia – Craque Kiko.
Acadêmico da ALVI – Academia de Letras do Vale do Iguaçu.
Texto do livro prestes a ser lançado – Causos da vida de fato.
Um fulano de posses. Ele perambulava entre a elite e proletariado, mas entre a classe menos abastada é que se sentia à vontade.Amigo do peito dos amigos, sociável e de uma humildade a toda prova. Sempre que lhe solicitada uma ajuda, o fazia com gosto. Era muito conhecido em toda a região. Visto com um baita futuro político. Diziam, seria um prefeito, um deputado ou até um político nas mais altas esferas, por que não!Adorava uma caçada, tinha cães bem treinados. Corrida de cavalos, então, o fazia vibrar. Agora, em um rinhadeiro, seus galos de briga eram dos bons, muitos troféus faziam parte de sua galeria. Isso é um pouco do que era o Ivan. E, é sobre ele e briga de galo essa narrativa.
O povo entupia aquela rinha. Aquele ar enfastiado de catinga dos penosos, enfumaçado pelos paieiros feitos com fumo em corda, era conhecido daquela gente, que saído da raia de cavalos, ali do ladinho, já com muitas biritas pela cachola, vinha terminar aquele domingo assistindo a enorme e esperada peleja entre o invicto e famoso galo Branco, do Ivan. O oponente era um não menos famoso galo, também sem ter nunca conhecido um revés, da localidade conhecida como Três Barras, cidade vizinha da capital da erva-mate, Canoinhas.
Já ia para duas horas a luta, pau a pau. Era uma briga de gigantes, mas o galo visitante, tinhoso e técnico, até parecia que teve aulas, esporeava e dava bicadas certeiras. O galo Branco, após um pialocerteiro estava com um olho cegado, mas ainda peleava de igual para igual, até que, não deu mais para ele. Um contragolpe do visitante fez vazar a outra vista. Aí, foi uma verdadeira saraivada de golpes, mas resistia, e nas escuras tentava revidar. Seus golpes iam ao vazio, não achavam o seu algoz. Perto de três horas de uma verdadeira tunda, mas sempre em pé, valente, sangrando muito e só com a “capa da gaita”, o galo Brancotodo estoporado não atirava os panos. Não fazia parte da sua natureza se entregar. Então, o Ivan, com seu coração gemendo de pena, vendo tamanha judiaria, jogou a toalha e assumiu a derrota do galo Branco.
Zenóbio, um senhorzinho, amante inveterado de prélios galináceos, que não perdia de vista nenhuma contenda naquela rinha, pediu para si aquelegalo Branco, que na visão de todos por ali, tinha adquirido a aposentadoria por invalidez. Foi presenteado com o galo, e ouviu com tristeza do Ivan – faça um bom ensopado. Mas, Zenóbio, que pela experiência de vida, muitas vezes enxergava além muros, tinha outros planos para aquele galo. Vira nele uma raça fora do comum, pois aguentar em pé quase três horas de peleja, totalmente cego e levando pialo a briga toda, não merecia ir para a panela.
Antibióticos, banhos mornos, pomadas nas feridas, massagens com catinga de mulata e muito rango bem vitaminado, passou a ser o dia a dia daquele galo. Em três meses, com cegueira total, estava recuperado da sumanta levada no seu último combate. Foi fechado a sós em um pequeno galinheiro com uma galinha forte ebotadeira, que se achava a rainha da cocada preta. Fez valer o seu instinto de macho. Com a galinha tremendo e arrepiada, a cruza foi inevitável. No primeiro e único ovo daquela galinha periguete, deu o ar da graça neste mundo, um pintinho totalmente com penugens de uma brancura total, que a cada dia se via, saíra o focinho do papai.
O pinto cresceu e virou um galo porrudo. Zenóbio com seu vasto conhecimento o pôs em treinamento puxado. Vira naquele galo um futuro promissor, que poderia lhe dar muita mufunfa, mas não era só esse o seu interesse. Por intermédio de um telegrama enviado na Estação Ferroviária União, atou uma briga em altas cifras com aquele famoso galo de Três Barras, que ainda seguia invicto dando troféus e dinheiro para o seu dono.
Mais uma vez o rinhadeiro estava apinhado. Pulgas por ali se sentiriam espremidas. Tinha gente de todos os cantos e tocas das beiradas do Rio Iguaçu. Era a última briga daquele domingo. Mesmo sem terem visto o galo do Zenóbio, as apostas eram vinte e quatro contra um, favorável ao galo visitante, invicto e famoso. Como se fosse um prélio futebolístico alguém deu um apito para começar a renhida luta. Não foi renhida. Em poucas passadas, com golpes certeiros que pareciam igual a jogadas ensaiadas, o galão tresbarrensebeijou a lona e ficou estrebuchando. Era como se fosse uma vingança que estava engasgada, aquele galo vingara o galo pai.Zenóbio forrou a burra de tantas cédulas.
Abismado pela valentia daquele galo, Ivan quis saber de onde ele surgira. Zenóbioentão, contou toda a história, tintim por tintim e lhe deu de presente, pois aquele penoso era filho do cego galo que ele lhe dera para fazer um ensopado.
Naquela segunda-feira, ao viajar para o litoral para dar cuidados a uma de suas empresas, viajando tranquilo, Ivan teve o seu bilhete de passagem vencido, era a hora do seu desembarque. Do nada, uma encosta desmoronou e caiu sobre o seu auto. Ele desencarnou, e deste chão terreno, sob o comando de Zenóbio, não pode ver as glórias daquele galo, que passara a ser chamado de “Campeão”, do Ivan.
COISAS DA BOLA
Da inocência para o mundo cão
Ele tinha 17 anos, ela 16. Sempre que ele saía do treino, em frente da casa ela o esperava passar. Do outro lado da rua ele sorria, mas tinha receio de puxar uma prosa. Ela, espivetada, cansou de só ficar olhando. Puxou papo:
– Está com medo de mim?
Tímido. Criando coragem não sabe de onde, ele se achegou e proseou:
– Sim, tenho medo – nunca conversei com uma moça do teu naipe.
Pegou a mão direita dela, e com delicadeza beijou. Ela vermelhou toda. Ele sentiu ela tremer. Ela deu um beijo na bochecha dele. Emocionado, ele tremeu na base. E, foi desse jeito, que ataram um namoro.
Todo dia após o treino do esquadrão profissional, ela estava na frente de casa esperando por ele. Suspirava ansiosa quando ele demorava. Ele não via a hora de estar com ela. Ocultos por detrás do portão roubavam beijos. Os arroubos da juventude afloravam. A libido dele ia para a copa dos paus. Ela se umedecia nas partes íntimas.
Já não aguentavam aqueles encontros furtivos atrás do portão. Começaram a se encontrar num paiolzinho nos fundos da casa dela. O pai não queria de jeito nenhum que ela namorasse. Ela era nova de tudo. Namorar com um boleiro, jamais. O pai sempre estava de botuca, mas era logrado. Quando ia trabalhar, o namorico deles pegava fogo naquele paiol, mas não iam além de umas poucas bulinações.
O prélio pelo paranaense seria em Bandeirantes, contra o União. Na famosa Vila Maria. Viajando durante nove horas, ele matava a saudade ouvindo as músicas românticas nas fitas cassete que ela lhe emprestara junto com o seu gravador. Nessa viagem ele atinara. Estava perdidamente apaixonado. Na volta, ficaria nas barbas com o “sogro” e pediria para namorar de forma oficial. Se ele não deixasse, roubaria a filha.
A volta era muito esperada. Venceram o cotejo por um a zero. Ele fez o tento bimbando uma falta. Mais nove horas de viagem. Noite toda. Ele muito feliz e com saudades dela. O consolo foi ouvir as músicas românticas. Seis horas da manhã aportaram na Sede do esquadrão. Ele dormiu no colchão sobre um beliche até meio dia. De banho tomado, roupa nos trinques, recendendo desodorante Avanço, do lado do alojamentobombiava e esperava que o pai dela fosse trabalhar. Enfim! Ele foi. Na correria foi até lá. Pela primeira vez ela lhe abriu a porta da casa. Ele entrou afoitamente. Entre beijos e abraços, passou uma rasteira e ela se estirou ao chão. Ajeitou o couro no terreno e se preparou para atirar forte. Em cima dela. Beijos, beijos e mais beijos. Ele, ávido, rasgou aquela blusinha fina, retirou o sutiã e com a cabeça entre aqueles enormes seios, ora em um, ora em outro, chegou a revirar os olhos de tanto sugar.
Desconfiado, naquele dia, o pai fez que foi e, não foi trabalhar. Dando uma de “Migué”, lá na esquina ficou na espreita. Para sua própria desgraça armou um flagra. O que veria, nunca imaginou, talvez um futuro genro, “bezerrão”. Irado, enquanto correu para apanhar o machado lá no paiolzinho, o ex-futuro genro escafedeu-se, ouvindo que era um piá de bosta com os dias contados.
O caminho deixou de ser pela frente da casa dela. Recebeu de volta todas as cartas perfumadas escritas para ela. Junto na bolsa, veio um bilhete alertando-o. A par do flagrante, o irmão dela, um louco varrido, junto com um bando iriam canchá-lo de pau. Que se cuidasse. Ele se armou. Começou a andar berrado. Dando uma desculpa esfarrapada, emprestara de um amigo polícia um 38 de marca Schmidt. Andava com aquele caga-fogo escondido na parte detrás da cintura.
Armados de porretes, o bando lhe cercou. Quando foram lhe atacar, fez aquele trabuco cuspir fogo. Criou um rebuliço. Foi uma correria daquela turma. Nunca mais o importunaram. Mas, perdera de vez a namorada. Com muitas saudades, para conter o sofrimento, dentro da sua patente, vivia fazendo dedicação para ela usando os “cinco contra um”, imaginando estar sugando as suas enormes e duras tetas.
Sabedor que ela estava de mira com um grã-fino, com um calorão na testa começou a frequentar um balcão. Um amigo de paleta vendo a sua sofrência, convidou-o para ir junto em um casamento. Após emprestar um paletó, de peru, apareceu na festa do casório. Viu uma moça a fitá-lo. Com uns goles a mais, ele virou um poeta. Encantou-a e se encantou com ela. Ali, acabara de conhecer um grande amor da sua vida, não para todo o sempre, pois o para sempre não existe, um dia vira fumaça.
COISAS DA BOLA
A difícil peleia para se aposentar
Do escritor da periferia – Craque Kiko.
Perícia daqui e perícia de lá. Ele estava sendo julgado insano. Era mais um encostado pela previdência social. Voltar a trabalhar estava fora dos seus planos, nem a “pau juvenal”. Queria ser aposentado a qualquer custo.
A nova perícia estava próxima. Um dia antes, ele tomava uns goles de pinga misturada com pólvora. Juntos nessa mistura, dois comprimidos para dormir. Seu corpo começava a demonstrar que estava com algum mal. Seu coração parece que ia sair do peito. Tremeliques e palavras desconexas. Já fora da casinha, novamente ele circulava pelado pelo pátio do prédio. Imaginando ter nas mãos uma “maquina” de procurar ouro, afirmava que o fundo da fossa estava repleto dele. Aos gritos e plantando bananeira com o fiofó virado para a lua, ele via novamente a ambulância chegar para atendê-lo.
Famoso pelo ato, já era conhecido dos enfermeiros. Obedecia-os, e dentro da Van seguiam para a UPA dando risadas. Cara a cara com o médico de plantão, armava um banzé. Um sossega leão na veia levava-o ao sono tranquilizante. Um internamento era inevitável. Após dias, medicado, recebia alta hospitalar. A sua pretendida aposentadoria por invalidez, imaginava, caminhava a passos largos. Logo, logo pintaria. Voltar para o trampo, nem por misericórdia. Mas, eis, que, como um aborto da natureza, a sua cura apareceu do nada quando foi enviado para um sanatório.
Em uma noite, um dos plantonistas daquela casa para loucos não aguentando a fuzarca armada pelo pretendente à aposentadoria, resolveu ir para forra. Enquanto o interno dormia anestesiado o sono dos loucos, socou-lhe papel higiênico na boca e nos dois ouvidos. Também, com o interno deitado e amarrado na cama com a "busanfa" para cima, o enfermeiro tirou-lhe as pregas. Deflorou-o e gostou do ato. Toda noite o fato se repetia, mesmo com o interno acordado. Indefeso, só lhe restava chorar em silêncio. Algumas vezes reclamava, só que ninguém acreditava em suas palavras. Não aguentando mais aquelas sevícias, o louco de araque começou a se comportar. Melhorou do dia para a noite. Logo ganhou alta. Voltou a trabalhar no seu serviço público, mas lhe doía o botuqueiro quando entregava cartas sentado no selim de uma bicicleta.
Depois de anos, a sua tão esperada aposentadoria veio, não por invalidez, mas por tempo de serviço. Infelizmente ficara com sequelas - um de seus ouvidos ficou surdo e o seu fiote estava alargado. Só de imaginar em ouvir a palavra sanatório, ficava pianinho, e se escondia embaixo da cama. Quando encontrava aquele enfermeiro do sanatório, que virara seu vizinho de porta, suas vistas transbordavam em lágrimas.
Uma tarde para não se esquecer
Do escritor da periferia – Craque Kiko.
Um frio do capeta. Lá fora o vento ainda fraco, mas longe de ser somente uma brisa, balançava os pequenos galhos das duas pequenas palmeiras nos extremos do meu pequeno jardim retangular. O Sol há dias tinha deixado de nos visitar. Eu, parado frente da janela do meu museu-estúdio, olhava lá para fora querendo entender porque o Dom Bilu não parava de latir no grande portão. Naquela hora, ele deveria estar ninando dentro da sua casinha, lá nos fundos da garagem. De onde eu estava, só conseguia visualizar a metade do portão. Querendo descobrir o porquê da tamanha latição, colocando o chapéu, sai pela porta dos fundos e marquei presença junto dele na frente do dito portão. Descobri o motivo, e esquecendo o dia cinzento, frio e neblinoso, abri um enorme sorriso.
O motivo era justo e merecia aquele ganiçar, desde que fosse uma declaração de amor ou um elogio para ela. A cadelinha era linda, igual a sua dona que a segurava por uma pequena corda. A dona da, quem sabe futura namorada do Dom Bilu, foi-se dali levando a cachorrinha. Dom Bilu se acalmou, saiu na correria até a garagem lá no fundo do pátio e voltou trazendo na boca, aquele pedaço de dinossauro de borracha já meio esgaceado. Entendi de cara o que ele desejava. Então, jogando aquele toco de dinossauro da frente do portão até os fundos do pátio, cerca de 35 metros, iniciamos o preparo físico dele. Eu arremessava o pedaço daquele réptil, ele saía na correria, apanhava e trazia até mim. E, assim, após vinte arremessos, com ele já colocando a língua de fora, encerramos os trabalhos.
Para me recuperar, já sentado no banco do pergolado lá no fundo do quintal, enquanto eu bebia um café na xícara do Vasco, o Dom Bilu sentado ao meu lado, salgava o peito com uma iguaria feita pela minha esposa. A cada gole daquele café quente e gostoso, encarando o cãozinho, que também me encarava após uma dentada ou outra naquela perna de galinha, nós dirigíamos o nosso olhar lá para o portão da frente. O Dom Bilu na ânsia que aquela cachorrinha retornasse, e eu, esperando uma caminhonete de lenha picada, que recém tinha encomendado.
