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COISAS DA BOLA

Amor de um passado, lembrado na enchente

Um Sol para cada um naquela segunda-feira. O calor logo cedo deixava o ar abafado e pesado. Precisando comprar os remédios que já estavam acabando, aquele vivente decidiu ir até o centro na farmácia escolhida, não só pelo preço menor, também pelo tratamento diferenciado dedicado à sua pessoa. Escolheu um dos seus chapéus e colocou na cabeça branca e meio calva. Calçou a bota de borracha sete léguas e passou pela passarela improvisada feita de tábuas sobre a água do rio, que logo adentraria, novamente, na sua casa. Se largou em direção a botica. Achou que a sua artrose no joelho direito não o incomodaria, afinal, seria um pulinho até a drogaria.
Mais conhecido que arroz em festa, batendo papo com um aqui, outro ali, demorando mais tempo do que o previsto, enfim, chegou à farmácia e comprou a medicação. Com a sacola plástica abarrotada, também tinha comprado os remédios para a sua amada esposa, iniciou o retorno para o lar, onde ficaria espiando as águas podres do sombrio rio, que nem a pau iam embora.
Enquanto caminhava resolveu mudar o rumo. Pensou em dar o ar da graça na “Boca Maldita”, uma famosa lanchonete no centro das cidades – local onde os amigos amantes do futebol se encontram para cornetar os esquadrões contrários – principalmente, porque era segunda-feira, e os sérios candidatos ao título do brasileirão levaram uma chapoletada dos rivais na rodada do domingo.
Batendo perna à lanchonete pela principal avenida que liga os centros das duas cidades, percebeu que o tempo estava fechando. Uma imensa massa de nuvens escuras e baixas, que acompanhadas de ventos de pouca intensidade, prenunciavam que um toró de água jorraria num instante. Afinal! Fazer o que? Que viesse a chuva, as rezas feitas já eram muitas, pois nos últimos dois meses choveu de torneira, e mais uma vez numa enchente sempre anunciada, pois quem de direito, responsável para ao menos amenizar os efeitos, não tomou nenhuma medida nestes últimos quarenta anos. Tudo ficou no papo. O majestoso e agora mais uma vez tenebroso se elevou, deixou muitos amigos moradores com suas casas alagadas quase até a copa. Uma verdadeira judiaria.
E veio o anunciado aguaceiro, mas muito repentino. Sem outra opção, o vivente se escondeu embaixo da marquise de uma loja situada ao lado de uma sorveteria. Nesse tempo, também tentando se proteger dos muitos e enormes pingos, uma mulher se acoitou ali. Olhando para a sacola do vivente, cheia de remédios, ela se dirigiu a ele e iniciou uma prosa:
– Pelo jeito e pelo tamanho da sacola da farmácia o senhor gastou um montão com remédios.
Como era bom observador, ele também tinha notado a sacola dela, e respondeu no ato:
– A senhora também, só que em outra farmácia.
Ao se fitarem de fato, focinho no focinho, caíram em uma enorme gargalhada e ficaram se encarando por mais tempo. As gargalhadas passaram e eles continuaram se olhando, como que não acreditando que aquela pessoa desaparecida no tempo, num de repente estava na sua frente. Os pensamentos daquele vivente voaram no tempo e os dela também. Ainda com as vistas nas vistas, como querendo entrar dentro da cachola um do outro, no mesmo instante balbuciaram: – Kiko! Kika! Sim, ele fora o seu Kiko e ela a sua Kika lá no passado bem distante. Não tiveram como evitar o umedecimento dos olhos, pois eles tiveram uma história.
O vento fora para outros cantos, mas a chuva continuava. Vendo que aquela prosa demoraria se convidaram para fugirem da chuva e tomarem um sorvete. Toparam no ato. Adentraram no estabelecimento, sentaram em uma pequena mesa, lá no fundo, distante dos demais clientes para que a privacidade lhes desse condições de soltar a língua, porque teriam tanta coisa para saber e contar.
Bisoiando ela, com a pazinha Kiko remexia o seu sorvete dentro da casquinha. Kika lhe encarando, passava avidamente a língua no seu ainda inteiro sorvete. Como se fosse uma confissão que há tempos necessitava fazer, Kiko soltou o verbo, e como um tagarela desandou a matraquear, afinal, Kika tinha sido um desses amores que as pessoas têm ou tiveram, daqueles que deixam marcas que jamais se apagam com o tempo.
Num gogó sem interrupção, Kiko começou a narrativa para ela:
– Na minha juventude sempre tive um enrosco amoroso aqui ou ali, pois não podia fugir da minha natureza de macho, sempre tendo que ter a libido saciada. Escondido de você, sempre tive umas namoradinhas pelos cantos das cidades, mesmo naquela época, safadinhas, que queriam viver plenamente a vida. Eu carregava um vagão cheio de areia por ti. Mas, não podia fazer sacanagem contigo, porque você era uma moça para se casar. Com uma vivência pobre de tudo e ganhando pouco como jogador de bola, eu almejava galgar degraus para ter ascensão na vida, então, não poderia ter nada sério com nenhuma mulher. À época, com muita dor no coração, armei a capa e fui procurar o meu espaço neste mundão de meu Deus. Por puro acaso, te encontrei agora, cinquenta anos depois.
Olhos nos olhos, marejados, Kika abriu a boca:
– Se você carregava um vagão de areia por mim, eu carregava dez vagões por você. Para não te perder e te agarrar num casamento “na marra”, pensei abrir mão da minha virgindade e ficar embuchada de você. Não tive coragem, pois sabia que você era um homem para casar na igreja, de terno e gravata. Sofri muito quando você se escafedeu.
Somente se olhando como querendo penetrar dentro da alma um do outro, em completo silêncio Kiko e Kika tomaram mais um sorvete. Cada um pagou o que consumiu. Pegaram suas sacolas cheias de remédios, se levantaram e cada um foi para seu rumo.
A chuva fora embora, o Sol voltou a ser para cada um, queimava forte. Tranquilo e aliviado, teve a certeza Kiko, que a decisão de cinquenta anos atrás valera tudo a pena.
De volta, quase em frente de casa, Kiko calçou a bota de borracha sete léguas que deixara no pé de um poste de luz, passou rapidamente por aquela passarela sobre as águas da enchente e adentrou no seu sagrado lar. Deu um beijo e um forte abraço naquela que fora escolhida para ser, e é, o grande amor da sua vida. E cuidando através da janela, os dois viam, que milímetro em milímetro a água, novamente, estava chegando dentro da morada.

COISAS DA BOLA são fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outras frutos da minha imaginação. Qualquer semelhança será puro acaso.

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COISAS DA BOLA

Fragmentos de uma infância

Noite sim, e noite também, o compadre Ava e a comadre Landa rumavam até nossa casa para prosear, tomar um capilé e jogar um pife. Naquela noite, só apareceu a madrinha Landa. Justificou, que o marido Ava fora pescar com uma turma de amigos lá para as bandas do Rio Timbó. Pediu para minha mãe se o seu afilhado poderia dormir na sua casa. Tinha medo de dormir sozinha. E, lá fui eu, nos meus dez anos, cuidar da minha madrinha.
A casa dela, de madeira, ainda cheirando à construção recente, comprada de um senhor que morava na beira da antiga Linha Velha, rangia com a leve brisa daquela noite. Papai foi quem fez o transporte com seu velho caminhãozinho Ford F600. Tinha ajudado a desmontá-la e montá-la no lugar atual.

Deitadinho ao lado da madrinha, eu tentava não tossir pela grande quantidade de fumaça dentro daquele pequeno quarto de dormir. Com um canivete afiado igual ao fio de uma navalha, após, cortar o fumo macaio e enrolar em uma palha de milho, ela fumava um paieiro atrás do outro. Parecendo nervosa, deitada de pança para cima e fitando o vazio, resmungava e falava baixinho – o Ava me paga, ele mentiu para mim, não foi pescar coisa nenhuma, tem rabo de saia na jogada. Sem idade para entender o palavreado, eu só queria dormir para acordar logo cedo e armar a capa dali fugindo daquela fumaceira.
A noite já ia para a madrugada, e numa tosse após a outra, acordei. Vi a madrinha Landa roncando. As labaredas já tomavam conta. Gritei e gritei, assustado. Ela acordou. Só tivemos tempo de sair para fora. Tudo ardeu rapidamente. Sobraram ali as cinzas e as muitas lágrimas na feição da madrinha. Ela se ojerizou mais, quando no clarear do dia, o padrinho Ava chegou, e meio sem jeito, lhe entregou uma fieira de lambaris.

Uma mãe. Um filho.

Filho de mãe solteira. O pai, já finado, nunca quis saber dele. Era a mãe e o filho, sozinhos, um para o outro. Eram unha e carne. Se amavam muito. Nunca se largavam. Viviam, um em função do outro. Separados, morreriam. Por que, sem um ou outro, de que lhe valeria viver?

Aquela mãe fez até o impossível para criá-lo bem. Conseguiu que ele não fizesse nada que não fosse direito. Ele dera um rapaz estimado por todos. Na lida então! Se sobressaia. No final da tarde ela sempre o esperava no portão. Quando ela saía para algum afazer, ele não sossegava enquanto ela não chegasse. Ficava ansioso esperando-a. Não quis casar, pois uma nora poderia incomodar a mãe.

Nas vezes em que tomavam chimarrão ao rodar do Sol, sentados à frente da casa conversavam comprido. Ela confidenciava – se ele lhe faltasse, se mataria. Cortaria os pulsos. Ele a acalmava – jamais te deixarei amada mãe. Você é tudo o que eu tenho, quero e preciso. Sem você, não sei se terei forças para prosseguir na jornada. E, assim viviam felizes, um para o outro.

Naquele final de tarde de uma sexta-feira, chovia de bica. Relâmpagos e trovões no céu. Não estranhou ela não estar lhe esperando no portão. Pensou! Não quer se molhar. Entrou, tirou a roupa molhada… sentiu algo estranho no ar. Se arrepiou todo, teve medo. Onde estava a sua mãe? Se perguntou! Chamou, chamou, gritou, gritou e nada. Procurou-a nas peças da casa. Lá estava ela dentro da banheira, somente com a cabeça de fora, ainda com os olhos não revirados. Parecia lhe sorrir. Mas, tinha dormido seu definitivo sono, de parada cardíaca. O chão fugiu de seus pés, ele quase desmaiou. Doeu de montão, dor sem jeito de se medir.

Como de costume naquele chão, chamou uma funerária para providências. Não veio o rabecão, e sim, uma picape. Sentado na traseira, com um guarda-chuva, se protegia e protegia a morta, não conseguiu. O guarda-chuva voou devido excesso de velocidade. Numa freada inesperada, bateu a cabeça na janela traseira. Um galo enorme ficou visível na sua fachada. Era mais uma dor, somada ao desespero. O mundo parecia estar indo ao fim. Doía, doía, tanto, tanto, que pareceu que ele não resistiria. Resistiu.

Enfim, os trâmites transcorreram na normalidade. Não tinha vaga no cemitério. Teve que cremar o corpo. Menos mal, dentro daquele pote as cinzas ficariam na sala. Estariam junto dele. Agora era vida nova, tinha que se acostumar, conseguiria? Uma dor daquelas, curava-se somente com muito tempo. E, ele passara rápido, mas a saudade teimava em ficar ali. Não queria ir embora de jeito maneira. Como consolo vivia beijando aquele pote de cinzas.

O tempo passou e amainou a dor e a saudade. Era chegada a hora de desfazer-se das roupas e objetos dela. Encontrou em cada peça da casa, escondida em algum canto, uma gilete. Atinou, que era verdade o que ela sempre lhe falava, que se ele faltasse, se mataria cortando os pulsos. Chorou, chorou e chorou.

Mais tempo passou, arrumou uma namorada. Daquelas, linda de morrer. Se apaixonou de loucura. Juntou os trapos. Ela foi morar com ele.

Um dia, ao tirar o pó dos objetos na sala ela encontrou aquele pote cheio de cinzas. Jogou no vaso sanitário. Puxou a descarga. Foi a maior cagada que fez. Viu ao maior desespero a que ele foi, ao notar que o pote estava vazio. Conheceu o lado monstro dele. Com uma gilete daquelas da sua mãe, cortou os pulsos da companheira. Viu-a, agonizando, esvair-se. O assoalho ficou vermelho. De frente ao crime, ligou para os tiras. Sentado ao lado do corpo bebeu uma, duas, três pingas misturadas com pólvora. Fez o sinal da cruz e murmurou oração. Com a mesma gilete cortou a sua jugular. E, lá fora chovia novamente, água em bica…

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COISAS DA BOLA

Por trás de um chute no capotão…

Prenunciando o que aconteceria nas arquibancadas do já lendário Estádio da Caixa D’água, a fuzarca já começou no sábado que antecedeu ao prélio. Vários torcedores iguaçuanos, raiz, soltavam rojões noite e madrugada adentro, onde a embaixada do rubro-negro da capital estava hospedada. A boleirada não pregou os olhos. As provocações passaram para o lado dos diretores dos dois Clubes que, em frente a uma bocada boêmia, quase foram às vias de fato. Só não deu um enfrentamento corporal porque o diretor do esquadrão curitibano pipocou e saiu na correria. Também um veículo Corcel, quase novo, ano 1970, que circulava buzinando pelos centros das cidades de Porto União e União da Vitória com um pendão atleticano, teve a sua antena quebrada e a bandeira arrancada e esgaçada.

Como o esperado, o clima estava ardendo. A rivalidade fora para as arquibancadas. Ambas torcidas trocavam, desde palavras das mais cabeludas até arremessos de frutas e ovos. De tanta ojeriza dos lados, antes mesmo da “moganga” rolar no relvado, um fanático atleticano foi cuspido da parte superior da arquibancada. Rolou por cima das cabeças daquele mar de gente quando o pau descambou. Estatelou-se no chão frente ao alambrado apinhado. Ali tinha virado a uma quase guerra, mas que foi contida pelo policiamento e por um pelotão de soldados do exército requisitado às pressas.

As arquibancadas e alambrados estavam estourando de assistência, até uma pulga encontraria dificuldades em se ajeitar para assistir aquele esperado espetáculo de bola, que seria o primeiro a criar a grande rivalidade entre os torcedores do Iguaçu e do Clube Atlético Paranaense, comprovada nos anos vindouros, inclusive com vários feridos e uma morte. Muitas bandeiras tremulavam, pois nunca antes, tanto povo se reuniu proporcionando um recorde de renda. Foi uma festa digna de ser apreciada, mas que deixou marcas, também no lombo de alguns.

Mal acomodados naquela parte das arquibancadas recém-construídas para aquele certame-debute, uma família de desportistas pertencentes ao proletariado chegara cedo ao Estádio. O pai, a mãe e os três filhos indo para a juventude encontraram dificuldades na portaria de acesso. O porteiro insistia em não os deixar adentrar carregando a cesta com frutas e alimentos. Depois do baita sururu e do tempo perdido, o porteiro, orientado, autorizou o acesso daquela família. Já dentro, o pai e a mãe, nervosos, procuravam conseguir um bom lugar e ver pela vez primeira um prélio entre chutadores profissionais. Mas levaram azar danado, o estádio já estava parecendo um formigueiro. Foram obrigados a se sentarem no aperto, no único lugar encontrado, no segundo degrau, que ficava bem próximo dos alambrados. Trazendo uma cesta cheia de frutas e uma volta de chouriço de porco, com sangue pisado, para forrar a barriga e suportar toda aquela tarde assistindo futebol, se acomodaram por ali mesmo. Não viam a hora de testemunharem o fragor da disputa.

Ouviu-se o referee. O balão de couro, enfim foi chutado dentro do palco verde. Um verdadeiro tapete. Entre vaias e muita gritaria os contendores peleavam pelo domínio da pelota como se ela fosse um prato de boia. O extrema-direita do Furacão, cabeludo e baixinho, liso igual a um bagre, rápido como um falcão-peregrino, comia a bola e dava show. Armava uma fumaceira para cima do beque iguaçuano. O que ele fazia com a peca era até de se duvidar. Parecia que tinha ela amarrada nos pés, não lhe fugia. Passava de roldão pelo beque – como queria – e dava risadas com o focinho virado para as arquibancadas. Ouvia xingamentos, mas não dava pelotas. Em um lance quando foi pegar o balão que saíra à lateral, bem em frente daquela família de torcedores, teve um caqui-café arremessado contra si. Não se fez de rogado. Jogando beijinhos, pisou com a chanca naquela fruta e tirando as sementes, sem rodeios, à várias dentadas, engoliu bonito.

Aquilo foi considerado como uma ofensa ao jovem autor do arremesso. Aquele ato ia dar o que falar. Soltando fumaça pelas ventas, fervendo por dentro, com mais raiva, aquele jovem torcedor atirou uma baita mexerica em direção ao corpo do ponteiro. Errou. Quando a pelota novamente saíra em lateral, o dianteiro nanico, apanhou e descascou a mexerica, e na ligeireza consumiu os gomos. Jogou mais beijinhos para a torcida e continuou dando um passeio no seu marcador. Pela sua atuação, ele merecia até que uma medalha fosse cunhada com seu nome.

Diferente do resultado esperado, aqueles torcedores em vez de hostilizá-lo mais, começaram a bater palmas quando ele fazia “gato e sapato” do beque. Começaram a gritar “olé”, “olé”. O coach, pressionado pelo reserva da posição, mandou aquele beque para a cerca – entrou o regra três para acabar com o baile dado por aquele extrema nanico. Ele jurou para o treinador, que ia aparar no meio o pontinha caipora. Não conseguiu cumprir a jura. Também foi mais um a ficar nas saudades. De cara, levou um esticão de bola no costado e viu o ponteiro como um The Flash. Comeu pó. Virou carne de canhão, quando o ponteiro fez um vai-mas-não-vai e quase trincou a sua espinha. Perdido, não sabia nem a cor do balão, só empapou a camisa. Aprendeu facilzinho, que o homem só vê o seu destino depois que tira o último véu. Depois daquela dança, aquele beque desistiu da vida na bola. Jogou as chuteiras na sarjeta. Foi trabalhar de pedreiro “meia cuié”.

Ao fim da peleja, com o quadro iguaçuano “tomando de quatro”, o jovem arremessador do caqui e da mexerica, com o seu peito de “sabiá” grudado ao alambrado, travou uma prosa com o baixinho e escorregadio extrema atleticano. Pediu-lhe a camisa. Se desculpando diante da impossibilidade em dar o manto, o atacante se justificou que não poderia fazê-lo, pois teria que usá-lo mais vezes no certame. Seu Clube vinha passando por dificuldades monetárias. Até o salário por vezes atrasava. Mas, assinou, como autógrafo, em um guardanapo de pano que estava na cesta de frutas do torcedor.

Nos tempos atuais, aquele pano está guardado dentro de um vidro de compota, lacrado, como relíquia e que comprova um tanto da história aqui contada.

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COISAS DA BOLA

Festa do Momo no Salão Poeira

Texto do livro – Missão Dada – Dez meses para a forja de um caráter.

O fato remonta ao início da década de 1970. Terminada a contenda amistosa no campo do Nacional (hoje um cemitério) bem em frente da Madeireira Miguel Forte, aqueles jovens integrantes do esquadrão de futebol do Salão São João, sentados embaixo de um grande pé de pinheiro, faziam planos para a noite carnavalesca. Por fazerem parte do proletariado, pular carnaval nos Clubes Concórdia e Clube Aliança estava fora de cogitação, pois jamais deixariam que aqueles seres da periferia frequentassem aquelas pistas de danças, que eram destinadas para os viventes da alta sociedade. Então, a festa do Momo teria que ser no mais tradicional e famoso salão boêmio das cidades, o Salão São João, conhecido como Poeira, também alcunhado por 25 Metros Abaixo dos Trilhos, afinal, eles teriam entrada franca, pois defendiam o esquadrão dos filhos do dono.
Já se ia pelas onze da noite. A imensa fila de pessoas comprando ingressos para adentrar ao salão era grande. A chuva forte tinha passado. Somente uma garoa fina molhava as cabeças dos enfileirados. Lá dentro o coro estava comendo solto. O senhor Severino fazia milagres no teclado daquele órgão. O baterista também dava show. Mesmo com as janelas fechadas devido a garoa, lá de fora, pelas frestas nas paredes sem sarrafos, através das réstias de luz, notava-se a grande quantidade de poeira dos sapatos, que com o barro já seco, misturado com o fubá que era colocado no assoalho para deixá-lo mais liso, iam ao ar.
Subindo os poucos degraus de madeira da escada de acesso, Kiko, Castro e Tivico, craques do esquadrão, muito conhecidos do porteiro, tinham o acesso livre. Já dentro do recinto se dirigiram ao mictório localizado lá no fundo do salão, e em frente a um pequeno espelho trinta por trinta, deram um trato na feição e pentearam as enormes jubas. Quando saíram do mijadouro, no ato, foram puxados por três damas para irem dançar, onde no tradicional trenzinho em fila indiana, todos cantando as marchinhas carnavalescas, faziam ziguezague por toda a pista.
No segue o baile, após duas danças os músicos paravam e os frequentadores encostavam o umbigo no balcão do bar e tomavam umas Brahmas (bebida da época). Dava-se o tempo para que todos pudessem se hidratar e, novamente as marchinhas carnavalescas eram tocadas. E, aquela gente serpenteava pela pista cantando, Mamãe eu quero… mamãe eu quero mamar… Assim seguia aquele ritual de sempre, até o dia clarear.
Tudo ia muito bem, era um suador só, de alegria, do ziguezague do trenzinho e das muitas cantorias, não deixando que o álcool permanecesse na cabeça das pessoas. Passando das três horas da madrugada, dançando naquele trenzinho da fila indiana, uma mulher muito bonita, esguia e alta, vestindo uma minissaia curtíssima, com o seu traseiro estilo tanajura, chamava a atenção de todos. Os marmanjos disputavam uma vaga naquele trenzinho, para poderem colocar as mãos nos quadris dela. Ora um, ora outro. Dançando, fazendo um carreiro naquela pista cheia de fubá, a “homarada” fazia de tudo para se aproximar daquela dama, que sempre tinha alguém com as mãos grudadas na sua cintura, e as vezes no “descuido”, encostavam nas popas do traseiro. Em dado momento, talvez por uma curva rápida do trenzinho, do meio das pernas daquela mulher desejada, caiu um pedaço de pano aveludado parecendo uma bolacha, igual uma esponja, dessas que as mulheres usavam para passar pó de arroz no rosto, pano este, manchado de sangue pisado – escuro –, que estava sendo usado como absorvente feminino.
Encostado na parede, Castro, que não tirava os olhos daquela fulana, presenciou o fato no ato e viu aquele pano ser chutado por muitos, sem que percebessem. Chutado por um ou por outro, aquele pano chegou até os pés dele, que se agachou e o apanhou. Chamou os amigos Kiko e Tivico e quando eles já estavam ao seu lado, fez uma enorme cagada. Porejado pelo álcool que ainda não tinha saído do seu corpo, Castro não se fez de rogado, pegou o absorvente e jogou para o alto no meio do salão. Aquele “Modess” caiu na cabeça de um homem, que acusou outro de ter jogado aquilo nele, desencadeando a maior briga de todos os tempos sobre aquela pista de dança. O “pau comeu” de cabo a rabo e o baile foi interrompido.
Encostados na parede ao lado do conjunto de músicos, Kiko e Tivico, os mais lúcidos, rezavam para que ninguém tivesse visto que fora o Castro o autor da proeza, pois, se um deles fosse envolvido na briga, os três, com certeza também iam para a porrada, nenhum deixaria o outro na mão, eram parceiros para o que desse e viesse. Após a chegada do policiamento civil, os briguentos foram levados para fora e encaminhados para a delegacia de polícia. Para a dama, que mais tarde descobriu-se o nome, Rachel, só lhe restou ir embora sem acompanhante, pois estava com o “chico”. Kiko, Castro e Tivico, em suas casas curaram o porre tomando chá de “água de valeta”, os bebuns conhecem esse remédio que cura ressaca.

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