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PSICOLOGIA PARA HOJE

Leni Trentin Gaspari

Grande mulher! Esposa, mãe, avó, professora, pesquisadora, escritora, imortal pela Academia de Letras do Vale do Iguacu…
Mas não é sobre seu currículo que quero aqui escrever. Certamente ficarão faltando menções, pois muito ampla foi sua atuação em nossa sociedade e nossa cultura. Quero escrever sobre a pessoa, a amiga, a acadêmica dedicada que sempre foi. Entusiasmo, palavra de origem grega, significa ter Deus dentro de si. Assim era Leni, nossa guia, nossa referência, com seu jeito afetivo, mas firme de ser, de nos manter dentro dos propósitos da Academia, lembrando sempre de seu lema “Nula dies sine linea”, nos instando a que não passássemos nenhum dia sem escrever uma linha. Todos sabem seu lugar e o que lhes cabe nesta entidade tão produtiva e significativa, mas, Leni ainda assim era nosso farol. Sua alegria era a família, à qual se dedicava com amor e desvelo, mas também o era a docência. Aqui também foi farol.
Quantos e quantos alunos ela iluminou, quantos talentos descobriu e encaminhou para brilharem? Leni “roubou” minha secretária… Não posso deixar de citar este acontecimento quando ela “tirou” de mim uma secretária eficiente, que viabilizava o andamento de meu consultório de Psicologia. Costumo dizer que Dulceli, esta secretária, fazia tudo para mim, no trabalho. Ela só não atendia os clientes… todo o resto era ela que fazia para eu poder trabalhar. E Leni a descobriu na faculdade de História, onde se destacou. A princípio fiquei chateada e sem chão, mas logo entendi que ela era muito grande para um espaço tão pequeno de marcar consultas e fazer serviços de banco…. Leni percebeu seu potencial e o quanto ela podia voar. Convidou-a a participar de um projeto do curso de História, registrando sítios históricos locais e de nossa região, o que resultou em seu primeiro livro. Hoje ela é doutora em História, concursada e atua em Universidade Federal no Mato Grosso do Sul.
Quantos mais a senhora alavancou, professora Leni? Quando do lançamento de seu quinto livro em 27 de abril de 2024, eram muitos os alunos que passaram por suas mãos que estavam comemorando com a senhora, emocionados, mais uma realização sua, pessoal e editorial. Mais uma rica contribuição para nossa cultura, nossa sociedade.
Na Academia, na ALVI, foi intelecto e coração. Para mim, foi e continua sendo uma baliza. Em caso de dúvida, era para ela que eu olhava, era a ela que perguntava. O carinho e a correção com que me respondia era a mesma que dispensava a todos nós, suas confreiras e confrades. Hoje e para sempre, por meio de seu exemplo, teremos sua marca em nossas mentes e corações.
Como tocar a academia sem sua presença, querida Leni? Foi o que pensei quando a perdemos, mas logo veio a resposta: ela, juntamente com os decanos da ALVI, ensinou e observou o tempo todo os cânones, as regras, os caminhos percorridos e a percorrer. Vivenciou em atitudes e palavras a importância e o grande amor que tinha pela entidade. Sempre entusiasmada, sempre com Deus em si nas causas que abraçava.
Usei uma de suas obras, No tempo dos trens nas “Gêmeas do Iguaçu”, de 2011, uma viagem ao passado, em minha tese de doutorado. Neste livro ela dá visibilidade às mulheres trabalhadoras do início de nossa história local. Em 2020, o mundo parou mas, Leni não. Em meio à pandemia, ela lançou As parteiras e seu ofício de aparar bebês.
Os dias que antecederam 27 de abril de 2024, data do lançamento de seu quinto livro, Novos olhares sobre a história de União da Vitória, que tem na capa um sol se pondo…, Leni os viveu com intensidade, com notável dinamismo, emoção, alegria e nos colocou a todos em clima de entusiasmo também. Confesso que me preocupei… mesmo sabendo que a causa era justa, preciosa, digna de todo empenho de realização, ela estava exuberante de alegria e pensei: como ela aguenta estar sob esta intensa energia? Seu rosto, mais do que nunca estava iluminado por mais uma obra concluída, por mais uma contribuição à Academia. Ela parecia não caber em si de entusiasmo e senso de realização e seu tempo cessou. Leni não adoeceu. Ela encerrou seu tempo físico entre nós com a certeza de ter feito o seu melhor, pois se assim não fosse ela não aceitaria. Sempre dando o seu melhor, sempre a sua luz brilhando… O que a movia não era uma força comum, mas uma luz, repito, a luz do entusiasmo, a luz de quem tem a vida vibrando em plenitude dentro de si. Assim ela viveu sua vida, contemplando a família, a vida acadêmica, os escritos. Não combinaria com ela estar na vida sem dela participar com o frescor do entusiasmo, força que sempre a moveu. Assim ela se despediu, saindo de cena em um glorioso momento de sua vida, como fazem os grandes. Antes de ir, ela ainda encaminhou com os acadêmicos as providências para mais um evento da ALVI, a concessão de Comendas Pinhão do Vale a eminências de nossas cidades a serem entregues em maio de 2024. Em seguida, silenciou. Ao sabe-la ausente, lágrimas vieram copiosas aos meus olhos, mas o exemplo e a lembrança de seu rosto sempre alegre e iluminado tomaram seu lugar e assim seguimos, os colegas da ALVI e eu, entendendo mais do que nunca o significado da palavra Imortal. Palmas e graças à sua passagem por entre nós, querida Leni. Sua missão foi cumprida em cada instante de sua vida e isso estará sempre impresso em cada linha que escreveu. Nula dies sine linea.

Por Maris Stela da Luz Stelmachuk

Membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu. Ocupa a Cadeira 16, cujo patrono é Alvir Riesemberg.

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A Psicoterapia e o nosso manual de instruções.


Sempre que compramos um aparelho elétrico ou eletrônico, por mais simples que ele seja, vem acompanhado por um manual de instruções. Em geral, conhecemos um pouco do funcionamento do aparelho que adquirimos e passamos a usá-los imediatamente e só recorremos ao manual em caso de alguma dúvida. Ler o manual nem sempre é fácil. Ele é claro, mas não óbvio, pelo menos para nós, comuns, não iniciados em eletrônica ou informática. Até encontrarmos alguém que tenha paciência de ler ou que compreenda os termos do manual, passamos por vários momentos de chateação, de frustração por não podermos obter de nosso aparelho aquilo que ele pode proporcionar.
Não poucas vezes ouvimos e comentamos que seria bom se, como os aparelhos eletrônicos, viéssemos ou se nossos filhos viessem com manual de instruções. Isso facilitaria nossa forma de entendê-los, de educá-los, tudo seria mais fácil. Cada vez mais se ouve da falta que faz um manual de instruções para a condução da vida. Mas… será mesmo que não trazemos conosco um manual de instruções? Observando a vida animal percebe-se que os bichos vivem suas vidas, cumprem sua função, seguem sua determinação genética e não há dúvidas sobre o que devem e o que não devem fazer. Como seres irracionais, não passam pelas vicissitudes humanas de questionamentos e dúvidas sobre o caminho a seguir, que comportamento manifestar. Fácil seria seguir os instintos e dar vazão aos impulsos primários que trazemos em nós, como qualquer animal. No entanto, a condição de vida racional e em sociedade, com todas as suas implicações, não permite aos seres humanos essa linearidade. E aí começam as complicações.
Todos os dias nos deparamos com inúmeras situações, sensações, sentimentos, pensamentos que pedem uma ação. Mas qual a melhor, a mais acertada? Em geral não paramos muito para pensar e tomamos atitudes tranquilamente, sem maiores consequências. Mas nem tudo e nem sempre é assim tão tranquilo. Ao longo da vida, surgem situações às quais respondemos com repetições frustrantes e nem sempre percebemos, nem sempre paramos para refletir sobre elas. Atribuímos à vida… a vida nem sempre é como a gente quer… E os resultados disso vão aparecendo. Alguns bons, satisfatórios, alguns nem tanto, alguns desafiadores, que exigem mais de nós. E tem também aqueles objetivos que não são atingidos. É nessa hora que lembramos de como seria bom ter em mãos um manual de instruções. Mas onde ele está? Será que veio comigo quando nasci? Quem dera ele existisse, nos perguntamos…
A boa notícia é que ele existe e está ao nosso alcance. A má notícia é que, como nos aparelhos eletrônicos, ele é claro, mas não óbvio. É preciso aprender a ler e entender seus termos, as chaves para que funcionem de modo que levem aos objetivos pretendidos. Às vezes precisamos de um técnico que nos ajude a decifrá-lo. E a palavra é essa mesma: decifrar. Tal como declarou a esfinge, se não o deciframos, somos devorados, destruídos. Quando não destruídos, no mínimo funcionamos mal, abaixo de nossas possibilidades, insatisfatoriamente e… o sofrimento vem. A pressa e o imediatismo da sociedade acelerada em que vivemos atrapalham e até impedem a leitura de nosso manual. “Não há tempo!” Após sucessivas frustrações passamos a nos acostumar com as limitações, comprometendo nossa qualidade de vida e até mesmo nossa saúde.
“Mas… já que não encontro as respostas em meu manual, cadê o técnico que me ajude a entendê-lo?” E aí, as alternativas saudáveis que surgem se configuram quando recorremos aos amigos, aos oráculos, à auto-observação, à auto-análise, à análise, à psicoterapia. Cada um desses recursos tem uma função, um alcance, trazem luz ao “indecifrável”. No caso da psicoterapia, o técnico é o psicólogo e o alcance é a descoberta de que o manual está à mão e é auto-explicativo. À cada emergência de uma solicitação interna, seja por meio de um sentimento, de um pensamento, de um sofrimento, de um desejo, de uma dúvida, há uma resposta, bem dentro de nós, em alguma página de nosso manual de instruções.
Em muitos anos de prática em psicoterapia com pessoas de todas as idades, nunca recebi em meu consultório uma só pessoa que não trouxesse consigo o seu manual de instruções, com as respostas e os encaminhamentos adequados às suas necessidades. Em sua busca por acompanhamento psicológico, apenas solicitavam ajuda na leitura desse manual. Cada um deles, cada um com sua complexidade, foi lido juntamente com seu proprietário, que, aos poucos, em seu ritmo, foi aprendendo a fazer sua própria leitura, construindo sua autonomia e passando também a compreender um pouco mais o “manual” dos outros.
Esse manual, muitas vezes, transformou-se em fina literatura, às vezes em pintura, revelando que, por trás das instruções estavam inspirações artísticas, histórias de vida belíssimas, comoventes, dignas de figurar nas mais célebres galerias de arte e literatura, obras sublimes da realização humana. Agradeço a cada uma dessas pessoas pelo compartilhamento da beleza de suas almas e também agradeço por não precisarem mais de mim, pois, com a ajuda para aprenderem a ler seus manuais, conquistaram autonomia e hoje conhecem os caminhos para chagarem, por si mesmos, às páginas que precisam ler para saberem como agir consigo e com os outros.

Por Maris Stela da Luz
Stelmachuk
Membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu. Ocupa a Cadeira 16, cujo patrono é
Alvir Riesemberg.

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PSICOLOGIA PARA HOJE

Psicologia da UnC lança livros de ex-alunos.

O texto aqui apresentado vem com viés diferente dos textos anteriores e isto tem três motivos: um deles é a divulgação de evento, de grande importância para a Psicologia local, regional e nacional. Sendo de importância para a Psicologia, é de importância para todos nós, pois esta ciência e profissão tem como objeto de estudo o ser humano em suas relações, tema que interessa, e muito, a todos. Outro motivo é a visibilidade do curso de Psicologia da UnC para o desenvolvimento regional e, outro motivo ainda é o orgulho de ver nossos egressos dando continuidade a seus estudos em centros maiores, chegando a publicar livros, como parte de seus trabalhos em âmbito nacional.
Post isso, o curso de Psicologia da UnC, campus Porto União, teve a satisfação de lançar para toda comunidade das cidades gêmeas e região, dois livros, nos quais há a participação de dois egressos deste curso. Capítulos destes livros foram escritos pelo psicólogo Vanderlei Woytowicz, versando sobre trabalho com grupos e o outro pela psicóloga Kelen Nahirne, que aborda o atendimento psicológico a crianças por meio de Ludoterapia. O evento de lançamento foi no dia 19 de fevereiro, às 19 horas, no auditório da UnC, campus Porto União, situado no Bairro Cidade Nova, à rua Joaquim Nabuco, 314. Conheça a produção científica e acadêmica de nossos egressos!
Aqui vai um pouco da história da Psicologia em nossa região e destes dois egressos, que terminaram sua graduação nos anos de 2015, Vanderlei e 2018, Kelen. Em sua graduação, Vanderlei fez pesquisa para Trabalho de Conclusão de Curso enfocando grupos, sob título Meditação na infância como recurso para auto-atualização. Kelen Nahirne elaborou para seu trabalho de conclusão de curso, um estudo de um caso de atendimento em Ludoterapia, ambos orientados dentro da Abordagem Centrada na Pessoa, de Carl Rogers.
As duas obras ora lançadas foram escritas a várias mãos, sendo a primeira “Abordagem Centrada na Pessoa – Experiências formativas”, vol.1, cujo capítulo 8 é de autoria de Vanderlei. Este foi escrito a partir de uma experiência de atendimento a um Grupo de Encontro realizado on line, em julho de 2022. O título do capítulo é Experiência de um grupo de encontro: o nado de um cardume em processo de atualização. A segunda obra é o volume 2 de Abordagem Centrada na Pessoa – Experiências formativas”, cujo capítulo 6 é de autoria de Kelen Nahirne, com o título A criança e a relação terapêutica além do diagnóstico na Abordagem Centrada na Pessoa.
Importante é conhecermos o empenho e dedicação deste psicólogo e desta psicóloga, ambos egressos do curso de Psicologia, campus Porto União da Universidade do Contestado. Este curso teve início em 2001 e já formou 14 turmas de psicólogos que atuam nas diversas áreas da Psicologia (Clínica, Escolar, Organizacional, Trânsito) local e regional. Atuam também na docência superior em instituições de ensino.
A trajetória de Kelen e Vanderlei teve início durante seu curso na graduação em Psicologia, quando, durante as aulas de Teorias da Personalidade III, que aborda a visão humanista do sujeito humano, sobretudo nas aulas que abordavam a ACP, se identificaram com seus conceitos. Um dos conceitos fundamentais desta abordagem é a consideração positiva incondicional, em outras palavras, aceitação da realidade do sujeito, como ponto de partida para seu autoconhecimento e crescimento. Outro conceito é a congruência, ou seja, alinhamento de sentimento, pensamento e ação. Também um conceito essencial desta abordagem é a compreensão empática ou capacidade de se colocar no lugar do outro, sem com ele se confundir. Estes três conceitos, consideração positiva incondicional, congruência e empatia, além de conceitos, são também atitudes facilitadoras nas relações humanas, não só terapêutica, mas também em todos os outros tipos de relação entre pessoas.
Tanto Kelen como Vanderlei, ao identificarem-se com esta abordagem nas aulas, a escolheram para pautar sua prática clínica em seus estágios curriculares. Mas além dos estágios, eles escolheram esta abordagem para fundamentar suas pesquisas e estudos em seus trabalhos de conclusão de curso, atividades nas quais tive a oportunidade e o gosto de orientá-los.
Após sua graduação, eles iniciaram sua vida profissional e, como é desejável e necessário, deram continuidade à sua capacitação, ampliando e aprofundando seus conhecimentos, buscando pós-graduação e formação nas áreas de sua identificação, a já mencionada Abordagem Centrada na Pessoa. Assim, chegaram ao Grupo Florescimento Humano, que oferece formação em diversas áreas da Psicologia (Escolar, Supervisão, Plantão psicológico, Clínica). A Abordagem Centrada na Pessoa, como o próprio nome indica, é centrada na pessoa e em seu potencial de crescimento, ou seja, não prioriza diagnósticos ou patologias, mas o ser em sua tendência atualizante, de crescimento constante em direção à sua realização como ser humano. Cada um, em sua diferença e peculiaridade, ao longo de sua vida, vai se tornando o melhor que pode ser. Sabemos que não há perfeição e nem finalização neste processo, mas há, sim, crescimento sempre, desde que este seja buscado.
As obras ora lançadas são fruto de trabalhos de conclusão de sua formação em curso em duas áreas da ACP. Vanderlei fez sua formação em Psicologia Clínica. Kelen optou pela Formação em Ludoterapia, área da Psicologia que faz atendimento a crianças. Ambas as formações são ministradas pelo Grupo Florescimento Humano, do Rio de Janeiro. Este grupo é coordenado pelo psicólogo Wagner Durange e Márcia Guimarães, que estiveram presentes no evento de lançamento destes livros. Na mesma data deste lançamento, Wagner e Márcia fizeram atividade presencial com psicólogos de nossa região. Esta atividade aconteceu na manhã do dia 09 de fevereiro, nas dependências do Campus UnC, Porto União.
Conhecer um pouco da trajetória destes dois jovens psicólogos dá visibilidade para o que pode vir a ser a carreira profissional de alunos comprometidos, que teve início em anos anteriores de sua formação. Com sua dedicação estão trazendo contribuições significativas para toda a sociedade regional e para a Psicologia Humanista do Brasil. Parabéns, Kelen! Parabéns, Vanderlei! Parabéns Psicologia da UnC!

Maris Stela da Luz Stelmachuk é membro da Academia de Letras Vale do Iguaçu – ALVI, ocupante da cadeira 16, cujo Patrono é Dr. Alvir Riesemberg.

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PSICOLOGIA PARA HOJE

Família: lugares e funções parentais. Qual o seu lugar?

Definir família é uma tarefa que envolve múltiplas possibilidades. Houve um tempo em que isso era bastante simples: família é um agrupamento de pessoas em que existem uma mãe, um pai, filhos. Biologicamente é isso mesmo, não há segredos ou complicações. Porém, muito mais há que a biologia que traz pessoas ao mundo ao considerarmos uma família.
Ao longo do tempo modificou-se amplamente a estrutura e a dinâmica da família na sua organização interna, como por exemplo: diminuição do número médio de filhos, diminuição da fecundidade, aumento do número de pessoas sós, diminuição das famílias numerosas, aumento das famílias recompostas (pelo aumento do número de divórcios), aumento das uniões de fato e uniões livres, famílias homossexuais e, mais recentemente, famílias multiespécie, formada pelo núcleo familiar humano que convive com animais de estimação.
O objetivo deste texto não é aprofundar sobre configurações familiares em seus diversos modelos, mas pensar os lugares e funções concernentes a este grupo. Tem-se como premissa que pais e mães, além de genitores biológicos, são orientadores, educadores de seus filhos. Esta configuração inclui uma dimensão de heteronomia, ou seja, a presença de atitudes relacionadas a um lugar de autoridade dos pais em relação aos filhos. Entre os filhos, na relação fraterna, é desejável que haja isonomia, ou seja, que estes, como irmãos, não tenham autoridade um com o outro, mas que se respeitem como pessoas que convivem. Mais do que a fraterna ligação de irmãos, a convivência em família é importante aspecto de estruturação de uma primeira relação social que encaminha para as relações sociais fora do meio familiar, o que os capacitará a viver em sociedade.
Seja qual for o modelo de família, ela é sempre um conjunto de pessoas consideradas como unidade social, como um todo sistêmico, onde se estabelecem relações entre os seus membros e o meio exterior.
A simples descrição de uma família não serve para transmitir a riqueza e a complexidade relacional desta estrutura. Nesta, há um princípio que refere à orientação, educação básica, respeito mútuo e, para que isso aconteça, existem papeis, funções que contribuem para a constituição de pessoas saudáveis psicológica e socialmente, até mesmo para a constituição de novas relações familiares ao chegar à vida adulta. Erik Erikson, psicanalista americano, entende que para que uma pessoa se torne apta à vida adulta, para além, da cronologia, alguns aspectos são essenciais: que a dependência em relação aos pais, normalmente presentes até o fim da adolescência, se configure como responsabilidade pela própria vida ao ponto de preparar-se para a intimidade e filiação, seja esta, tendo filhos ou responsabilizando-se com o trabalho e com a configuração psíquica de seu papel na sociedade à qual pertence. Aqui aparece uma questão problemática, cada vez mais comum. Trata-se de não confundir cronologia, faixa etária, idade, com ser um sujeito adulto. Não são poucos os adultos cronológicos que têm comportamentos e atitudes imaturas, irresponsáveis com a filiação, não reconhecendo que as funções parentais são diferentes das funções fraternais e sociais. Esta imaturidade se revela por meio de atitudes de competição, alienação, descompromisso, confusão de papéis. Esta realidade pode ser identificada na vida familiar cotidiana, mas aparecem ainda mais após afastamento do casal, em casos de divórcio. A imaturidade psicológica para a paternidade ou maternidade se revela quando pais, ao se separarem conjugalmente, separam-se também dos filhos. Como identificar esta disfunção? Em casos de alienação parental, contexto em que, para além do comportamento de desrespeito aos pais e mães dos filhos, há, subjetivamente, insuficiente reconhecimento de seu papel e responsabilidade com a vida dos filhos, decorrente da não configuração das funções maternas ou paternas. Explico: pais e mães que não configuraram em seu psiquismo a função paterna ou materna e tratam os filhos como amigos, confidentes e mesmo como objetos e os induzem à alienação, não considerando que o cônjuge indesejado é pai ou mãe do filho, portanto pertencente à outra linha da hierarquia familiar. Pais são cônjuges, filhos são parentes. Assim caracterizam relações diferentes daquelas que, quando bem constituídas, tem funções e responsabilidades específicas.
Ensina a Psicologia Sistêmica que cada membro da família tem uma função que propicia ordem, lugar, direcionamento para que cada um saiba e exerça as relações parentais (genitores), fraternais (irmãos) de modo a se reconhecerem e respeitarem, condição básica para a saúde psicológica, capacidade de socialização e crescimento como sujeito humano. Assim, da função materna fariam parte as tarefas de nutrição, não só alimentar, mas afetiva, acolhimento, apoio seguro para a aprendizagem da vida. A função paterna inclui orientação, proteção, direcionamento para a vida interna e externa à familiar. Importante é elucidar que tanto a função materna como a paterna não precisam ser necessariamente exercidas por uma mulher ou por um homem, mas é desejável que, seja por qualquer um dos gêneros, estas funções estejam presentes nas relações familiares.
Lamentável e corriqueiro é constatar que, muito sofrimento e dificuldades que adultos encontram em sua vida afetiva e sexual vem dos equívocos perpetrados por genitores que não protegeram seus filhos dos infortúnios de sua vida conjugal, levando filhos pequenos a participar dos conflitos dos adultos, ora defendendo a mãe das agressões físicas e psicológicas do pai, ora tendo que ouvir as queixas dos sofrimentos de um ou de outro, como se adultos fossem. As consequências desta disfunção incidem fortemente na vida afetiva dos filhos já em sua vida adulta, tema constante e recorrente no processo psicoterápico de muitas pessoas que necessitam reconstruir estas funções em seu psiquismo. Este processo visa auxiliar as pessoas a viverem suas vidas e relacionamentos realmente como adultos saudáveis e não como figuras inacabadas e despersonalizadas que buscam nos cônjuges as faltas sentidas nas relações parentais anteriores. Quem nunca viu mulheres que procuram no esposo a figura paterna e homens que não identificam sua esposa como mulher distinta da mãe que tiveram? Casos de não pagamento de pensão para os filhos, entendendo que, ao sair do casamento acaba a função paterna ilustram esta irresponsabilidade. Mães que denigrem a figura do pai para os filhos também ilustram esta disfunção.
Nesta época de Natal, mais do que nunca a imagem e lugar da família são realçadas e que, neste momento, façamos uma reflexão sobre nosso lugar em nossa família e que, mais do que presentes, haja presença de uns na vida dos outros, presença congruente e amorosa, cada um em seu lugar e todos em busca de sempre melhorar os relacionamentos em seu dia a dia.
Maris Stela
Ocupa cadeira 16 da
Academia se Letras do Vale do Iguaçu (Alvi), cujo patrono é Alvir Riesemberg.

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