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MEMORIA E DISCURSO

Eleições municipais: votar pela civilização ou a barbárie?

No próximo dia 5 de outubro, as urnas será o palco em que os cidadãos escolherão seus representantes para prefeitos e vereadores nos 5.570 municípios brasileiros. Porém, o que estará em jogo nas eleições municipais vai muito mais além de uma simple eleição, será o palco em que entrará em confronto à civilização contra à barbárie. Para o Jornalista e professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC), Gilberto Maringoni, numa recente entrevista que concedeu ao IHU-UNISINOS fez um balanço interessante do momento político atual. Vejamos alguns pontos.
. Na análise do jornalista, não existe extrema-direita moderada, e descreve situações concretas: “ O bolsonarismo trabalha muito com a questão da tensão e da violência. Não existe extrema-direita moderada, ela sempre vai para o extremo. Vemos o mesmo no fascismo na Itália, no nazismo na Alemanha e no bolsonarismo. A exaltação às armas e ao resolver as coisas eliminando o que eles veem como inimigo, faz com que a tensão que eles imprimam aos seus seguidores seja mobilizadora; isso gera engajamento. Assim, as pessoas vão para o extremo, xingam, desqualificam e têm que eliminar o outro; o que provoca engajamento. (…) A extrema-direita consegue colocar móveis muito palpáveis para a mobilização. O governo Lula é um governo de centro ou centro-direita.”.
Uma das características mais notório da extrema direita consiste em atacar direitos individuais e coletivos, segundo Maringoni “O discurso da Michelle Bolsonaro na Paulista é basicamente um discurso contra o estado laico, é muito mais do que costumes, é muito mais do que falar que o povo cristão é isso ou aquilo. Ele ataca uma das bases da República – quando eu falo bases da República, eu não estou usando retórica. A primeira Constituição da República, em 1891, ou seja, dois anos depois da Proclamação, colocava explicitamente a separação entre Igreja e Estado, a proibição de financiamento por parte do estado a templos e a igrejas a de qualquer tipo – ela faz esse ataque. O ataque aos direitos reprodutivos da mulher é um ataque aos direitos, não é uma questão de ataques a comportamentos. O ataque à comunidade LGBTQIA+ é um ataque a direitos. O discurso racista que o Bolsonaro exibiu na campanha e depois, de maneira velada ou não, vai aparecendo aqui e ali durante o seu mandato, é um ataque a direitos. Então, nessas questões que são de cunho democrático, tem uma grande diferença”.
Outra características da política contemporânea, consiste na polarização política é ideológico presente na política brasileira, Maringoni, ressalta: “A história de que existe uma polarização na sociedade brasileira – esse é o grande problema da sociedade – precisa ser examinado com muito cuidado. (…) A polarização está muito mais na superfície e acaba gerando, como existe uma contraposição, bolsonarismo versus lulismo – isso existe – e se ela é na superfície, a consequência dessa situação é a seguinte: quando tem uma polarização política, há uma posição sobre política econômica. Há a pretensão de uma posição mais expansiva, de aumento do investimento e do gasto público para possibilitar crescimento da economia. (..) Já em uma posição contrária, de mais austeridade para impedir a expansão dos gastos, dá para discutir e perceber numa racionalidade do debate, que um dos lados tem razão em uma série de pontos que outro pode divergir. Um lado pode incorporar as concepções e talvez ambos tenham a mesma sensação, sendo possível chegar a algum tipo de entendimento na política econômica ou na política dos militares. A política é feita disto, de entendimentos e possibilidades dentro do debate. (…) Agora, a polarização de grupos que estamos vendo agora, meramente eleitoral, tornou-se quase como uma briga de torcidas. E a briga entre torcidas não é algo da política, é algo que vem da adesão ao líder, da simpatia que eu tenho com determinado grupo de pessoas ou partido, e ela não permite mediação. A briga de torcida, assim como a briga de torcida real no estádio de futebol, começa com a briga de torcidas civilizada, parte para agressão verbal e vai para a violência no limite. Para essa polarização despolitizada não existe mediação, ela pressupõe a violência.”.
Para o professor Maringoni, o Lula III está mais à direita: “Do lado do lulismo, essa diretriz do Lula – de não incentivar nenhuma comemoração dos 60 anos do golpe [de 1964], mas também tentar impedir qualquer crítica – é um recuo brutal. Se formos pensar, o Lula se coloca à direita do Ulisses Guimarães na aprovação, depois da sanção da constituinte, em que ele faz aquele histórico discurso, em que disse ter ódio e nojo da ditadura; Lula está muito à direita disso. O Lula está à direita da Dilma e à direita do próprio Lula, em várias manifestações democráticas ao longo da sua carreira. Por que isso acontece? Por uma percepção do governo de que a situação precisa ser pacificada com as Forças Armadas. E a maneira com que se vê para pacificar não é de enfrentar o problema, mas de cobri-lo para colocá-lo embaixo do tapete; há um recuo nisso. Há um recuo no programa econômico do Lula.”.
. Nesse contexto descrito pelo professor Maringoni, torna-se fundamental não fixar a analise somente na conjuntura política alimentada pela polarização. É preciso, ir além da aparência e pensar à política atual de forma mais ampla. Existe evidentemente uma “pulverização ideológica e política” que propõe, por um lado civilização (lulismo), e, por outro lado, a potencialização da barbárie (bolsonarismo). Certamente, não somente o lulismo e o bolsonarismo estão nessa disputa. Pensar somente desde a perspectivas dessas duas “caixinhas”, dificultará a possibilidade de perceber a totalidade da realidade e a dinâmica do jogo político. É preciso e urgente compreender que a ideologia neoliberal, pulverizou e ampliou o distanciamento das decisões políticas da participação popular.
O que existe atualmente no Brasil, é uma forma de fazer política mais elitista, mais corporativista e menos popular. Isso, é possível ser percebido na conformação dos grupos políticos que movidos pela necessidade de sobrevivência, buscam desesperadamente envolver-se em uma espécie de pragmatismo corporativo e utilitarista. A próxima contenda eleitoral (eleições municipais em Outubro), certamente, demonstrará a existência dessa “pulverização ideológica mais ampla”. É preciso, ficar atento a este movimento de índole pragmático e dinâmico que propõe o jogo político contemporâneo. Torna-se imperioso perceber que as ideologias já não sustentam o fazer política na atualidade. A ideologia, é somente um elemento da dinâmica política. Nesse sentido, a esquerda, ainda não assimilou a mudança existente na forma de fazer política no contemporâneo. Duas ou três décadas atrás, era impossível cogitar uma junção entre direita e esquerda, hoje, é impossível fazer política distanciando-se daquilo que era o oposto. A sociedade liquida implodiu à política contemporânea, exigindo mais pragmatismo e mais flexibilidade dos atores políticos.
O grande desafio da democracia contemporânea, é a extrema-direita (ainda que as últimas derrotas da extrema direita na França e na Inglaterra, tem dado um sinal de esperança. Porém, a derrota derradeira da extrema direita precisa se concretizar nos Estados Unidos em novembro), perante essa conjuntura geopolítica, voltamos a insistir sobre a necessidade urgente para que à classe política democrática da esquerda e da centro direita, compreendam que o distanciamento entre ambos, dará lugar ao fortalecimento da extrema direita nos municípios brasileiros com mira a eleição geral de 2026. Se a direita e a esquerda democrática, demonstram maturidade e união, o resultado será o fortalecimento das instituições democráticas. Pelo contrário, a extrema direita, surfará na “pulverização ideológica e política”. A conjuntura política contemporânea, exige bom senso, leituras estratégicas preventivas e uma gigantesca capacidade de humildade dos líderes políticos que acreditam e defendem o sistema democrático. Pelo contrário, se a esquerda e a direita democrática se fragmentam nos grandes, meios e pequenos municípios, provavelmente, a extrema direita, se fortalecerá e expandirá suas raízes maléficas de autoritarismo e barbárie.
Os partidos políticos e suas lideranças que defendem ou dizem defender à democracia, precisam assumir suas responsabilidades perante os perigos que a política contemporânea nos apresenta: a volta da brutalidade como processo civilizatório e que devagar e perigosamente está se fortalecendo no imaginário popular que defende a extrema direita. Pelo contrário, esses mesmos partidos políticos que se denominam defensores da democracia deverão enfrentar a memória e o clivo da história, já que a mesma história, os julgarão no futuro, como aqueles que pensando somente em seus interesses mesquinhos ou em si mesmo, ou simplesmente no seu grupo de poder, esqueceram de defender o povo perante o perigo nefasto do projeto de poder anticivilizatorio, que de forma antiético, imoral e perversa representam a presença e o uso dos conceitos: deus, pátria, familia e liberdade na política contemporânea.
A entrevista na integra pode ser encontrado em: https://www.ihu.unisinos.br/637800-a-precarizacao-do-mundo-do-trabalho-e-o-terreno-onde-se-fertiliza-o-fascismo-entrevista-especial-com-gilberto-maringoni

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Dez teses sobre a extrema direita do século XXI

Em um artigo publicado no dia 22/08/2024, na GGN e republicado pela IHU Unisinos em 24/08/2024, Vijay Prashad, jornalista e historiador indiano, traça 10 teses sobre a extrema-direita do século XXI. O artigo é envolvente, e principalmente traz uma radiografia da geopolítica atual.

  • Segundo Prashad, “Em 1964, o marxista polonês Michał Kalecki escreveu o estimulante artigo “The Fascism of Our Times” [Faszyzm naszych czasów]. Nesse ensaio, Kalecki disse que os novos tipos de grupos fascistas que estavam surgindo na época apelavam “para os elementos reacionários das grandes massas da população” e eram “subsidiados pelos grupos mais reacionários dos grandes negócios”. No entanto, escreveu Kalecki, “a classe dominante como um todo, embora não aprecie a ideia de grupos fascistas tomarem o poder, não faz nenhum esforço para suprimi-los e se limita a reprimendas por excesso de zelo”. Essa atitude persiste até hoje: a classe dominante como um todo não teme a ascensão desses grupos fascistas, mas apenas seu comportamento “excessivo”, enquanto as seções mais reacionárias das grandes empresas apoiam financeiramente esses grupos”.
  • Ainda, segundo o historiador indiano: “Uma década e meia depois (…) Bertram Gross publicou Friendly Fascism: The New Face of Power in America (1980) [A nova face do poder na América], que se baseou livremente em The Power Elite (1956) [A elite do poder] de C. Wright Mills e Monopoly Capital: An Essay on the American Economic and Social Order (1966), [Capital monopolista: um ensaio sobre a ordem econômica e social americana] de Paul A. Baran e Paul M. Sweezy. Gross argumentou que, como as grandes empresas monopolistas haviam estrangulado as instituições democráticas. (…) As advertências de Kalecki e Gross nos lembram que “a intimidade entre o liberalismo e a extrema direita não é um fenômeno novo, mas emerge das origens capitalistas do liberalismo: este nunca foi nada além da face amigável da brutalidade normal do capitalismo. Os liberais estão usando a palavra “fascismo” para se distanciar da extrema direita. Esse uso do termo é mais moralista do que preciso, pois nega a intimidade entre os liberais e a extrema direita. Para isso, formulamos dez teses sobre essa extrema direita de um tipo especial, que esperamos que provoque discussões e debates. Esta é uma formulação provisória, um convite para o diálogo”.
  • Finalmente o jornalista afirma que: “A extrema direita de um tipo especial surge em um período definido pelo hiperimperialismo para mascarar a realidade do poder hediondo e fingir que se preocupa com os indivíduos isoladamente quando, na verdade, os prejudica. Ela conhece bem a loucura humana e se aproveita dela”. A seguir presentaremos os tópicos:

TESE UM: “A extrema direita de um tipo especial usa instrumentos democráticos até onde for possível. Ela acredita no processo conhecido como “longa marcha através das instituições”, por meio do qual constrói pacientemente o poder político e aparelha as instituições permanentes da democracia liberal com seus quadros, que depois levam seus pontos de vista para o pensamento dominante. As instituições educacionais também são fundamentais para a extrema direita de um tipo especial, pois determinam os programas de estudo para os alunos em seus respectivos países. Não é necessário que essa extrema direita de um tipo especial deixe de lado essas instituições democráticas, desde que elas ofereçam o caminho para o poder não apenas sobre o Estado, mas sobre a sociedade”.

TESE DOIS: “A extrema direita de um tipo especial está promovendo o desgaste do Estado e a transferência de suas funções para o setor privado. (…) Muitas das funções dessas instituições, agora privatizadas, são realizadas sob os auspícios de organizações não governamentais lideradas por capitalistas bilionários emergentes, como Charles Koch, George Soros, Pierre Omidyar e Bill Gates”.

TESE TRES: “A extrema direita de um tipo especial usa o aparato repressivo do Estado de modo a silenciar seus críticos e desmobilizar movimentos de oposição econômica e política. As constituições liberais oferecem ampla latitude para esse tipo de uso, do qual as forças políticas liberais se aproveitaram ao longo do tempo para reprimir qualquer resistência da classe trabalhadora, do campesinato e da esquerda”.

TESE QUATRO: “A extrema direita de um tipo especial incita uma dose homeopática de violência na sociedade por parte dos elementos mais fascistas de sua coalizão política para criar medo, mas não medo suficiente para que as pessoas se voltem contra ela. A maioria das pessoas de classe média em todo o mundo busca conforto e se incomoda com os inconvenientes (como os causados por manifestações, etc.). Mas, ocasionalmente, um assassinato de um líder trabalhista ou uma ameaça à mão armada feita a um jornalista não é atribuída à extrema direita de um tipo especial, que muitas vezes nega apressadamente qualquer associação direta com os grupos fascistas marginais (que, no entanto, estão organicamente ligados a ela)”.

TESE CINCO: “A extrema direita, de um tipo especial, oferece uma resposta parcial à solidão que está presente no tecido da sociedade capitalista avançada. Essa solidão decorre da alienação das condições precárias de trabalho e das longas jornadas, que corroem a possibilidade de construir uma comunidade e uma vida social vibrantes. Essa extrema direita não constrói uma comunidade real, exceto quando se trata de seu relacionamento parasitário com comunidades religiosas. Em vez disso, ela desenvolve a ideia de comunidade, comunidade pela Internet ou por meio de mobilizações ou comunidade por meio de símbolos e gestos compartilhados. A imensa fome de comunidade é aparentemente resolvida pela extrema direita, enquanto a essência da solidão se transforma em raiva, e não em amor”.

TESE SEIS: “A extrema direita de um tipo especial usa sua proximidade com conglomerados privados de mídia para normalizar seu discurso, e sua proximidade com os proprietários de mídias sociais para aumentar a aceitação social de suas ideias. Esse discurso de agitação cria um frenesi, mobilizando setores da população, seja on-line ou nas ruas, para participar de manifestações em que, no entanto, continuam sendo indivíduos e não membros de um coletivo. O sentimento de solidão gerado pela alienação capitalista é atenuado por um momento, mas não superado”.

TESE SETE: “A extrema direita de um tipo especial é uma organização tentacular, com suas raízes espalhadas por vários setores da sociedade. Ela atua onde quer que as pessoas se reúnam, seja em clubes esportivos ou organizações beneficentes. Seu objetivo é construir uma base de massa na sociedade, enraizada na identidade da maioria em um determinado lugar (seja raça, religião ou senso de nacionalidade), marginalizando e demonizando qualquer minoria. Em muitos países, essa extrema direita se apoia em estruturas e redes religiosas para incorporar cada vez mais profundamente uma visão conservadora da sociedade e da família”.

TESE OITO: “A extrema direita de um tipo especial ataca as instituições de poder que são o próprio alicerce de sua base sociopolítica. Ela cria a ilusão de ser plebéia em vez de patrícia, quando, na verdade, está nos bolsos da oligarquia. Ela cria a ilusão de plebeia ao desenvolver uma forma altamente masculina de hipernacionalismo, cuja decadência transparece em sua feia retórica. Essa extrema direita se aproveita do poder da testosterona desse hipernacionalismo e, ao mesmo tempo, joga com sua retratada vitimização diante do poder”.

TESE NOVE: “A extrema direita de um tipo especial é uma formação internacional, organizada por meio de várias plataformas, como o The Movement de Steve Bannon (com sede em Bruxelas), o partido Vox do Fórum de Madri (com sede na Espanha) e a anti-LGBTQ+ Fundação Fellowship (com sede em Seattle, EUA). Esses grupos estão enraizados em um projeto político no mundo atlântico que reforça o papel da direita no Sul Global e lhes fornece os recursos para aprofundar as ideias de direita onde elas têm pouco solo fértil. Eles criam novos “problemas” que antes não existiam nessa proporção, como a algazarra sobre sexualidade no leste da África. Esses novos “problemas” enfraquecem os movimentos populares e reforçam o controle da direita sobre a sociedade”.

TESE DEZ: “Embora a extrema direita de um tipo especial possa se apresentar como um fenômeno global, há diferenças entre a forma como ela se manifesta nos principais países imperialistas e no Sul Global. No Norte Global, tanto os liberais quanto a extrema direita defendem vigorosamente os privilégios que obtiveram por meio da pilhagem nos últimos 500 anos – por meio de seus meios militares e outros – enquanto no Sul Global a tendência geral entre todas as forças políticas é estabelecer a soberania”.

Referencias do artigo citado: https://www.ihu.unisinos.br/642755-10-teses-sobre-a-extrema-direita-do-seculo-xxi-artigo-de-vijay-prashad

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O discurso teológico e a teologia do domínio na extrema direita contemporânea (II) *

Como enfatizamos no artigo (I), o discurso teológico do domínio, traz consigo uma força imaginária que está em ação na política brasileira contemporânea. Porém, é importante levar em consideração as observações dos professores Mayra Goulart do Departamento de Ciência Política da UFRJ e Paulo Gracino do Departamento de Sociologia da UnB, os pesquisadores, afirmam que: ”O bolsonarismo não é apenas religião. Ele também é o produto da junção de diferentes segmentos da direita tradicional”. Compreender essa simbiose conjuntural, que mistura pautas morais e pautas anticivilizatórias, nos leva a uma necessidade mais ampla de releitura histórica e social para compreender em que consiste, especificamente, a teologia do domínio.

O professor Fabio Py, em 2020, já alertava a forma estratégica que era pensada a figura de Bolsonaro, sua projeção tinha como pano de fundo o conceito teológico de “eleito”, um enviado de Deus: “Todas aparições milimetricamente pensadas para mostrá-lo como presidente seguidor de Jesus em um país proeminentemente cristão. Tais atitudes demonstram que existem dois vetores formativos desse cristofascismo de Bolsonaro. Um, tramado pelos líderes das grandes corporações cristãs. O outro, se estabelece na forma como o presidente expressa esse cristianismo autoritário. Com os dois vetores, alimenta sua hegemonia governamental com um conjunto de práticas teológicas e doutrinas com as quais sustenta sua “teologia do poder” (C. Schmidt) (…) Assim a doutrina da eleição foi atualizada sobre uma figura política do presidente genocida fornecendo a ele munições teológicas poderosas. Pois se Bolsonaro é eleito de Deus logo não cabe a homens e mulheres questionarem. Isso porque para os cristãos, os desígnios de Deus não podem ser discutidos, problematizados. Eles são anteriores a qualquer razão humana. Logo, primados de uma sabedoria maior”. Justamente nessa visão fundamentalista da religião que empodera a possibilidade de uma Teologia do domínio se tornar cada vez mais presente no fazer da política brasileira, principalmente tornando-se “arma” de atração e domínio desde a extrema direita. Tarcísio de Freitas, Michelle Bolsonaro e Silas Malafaia, estão nesse processo de construção imaginária de olho na eleição de 2026.
Brenda Carranza doutora em Ciências Sociais, nos ajuda a compreender e situar o aparecimento e a expansão da Teologia do domínio e suas raízes e finalidades dentro da política: “Para a teologia do domínio, os cristãos devem sair do apoliticismo e ocupar ativamente os espaços políticos, porque se não o fizerem, a contracultura, o comunismo e tudo o que atenta contra a religião se instalará no poder. Ao mesmo tempo, junto com o avanço da sociedade de consumo e dos meios de comunicação, emerge a teologia da prosperidade: não é tão ruim desfrutar do consumo; os costumes não podem ser tão rígidos em questões econômicas e comerciais; se Deus nos dá a possibilidade de viver bem, por que não fazê-lo? (…) Por outro lado, a ideia da batalha espiritual traz outro componente a essas concepções: os crentes devem enfrentar e perseguir todos aqueles que são contra a religião, todos aqueles que podem representar uma ameaça aos princípios cristãos. Essas teologias, que nascem nos anos setenta e oitenta, são implantadas naturalmente na direita estadunidense e seus líderes começam a ser rapidamente abraçados pelo Partido Republicano. De lá chegam missionários para a América Latina, com a ideia de que o pentecostalismo local deve ocupar espaços na política, porque, de alguma forma, acreditam, o cristianismo está em perigo”. É justamente, como já enfatizamos, essa visão teológica fundamentalista que torna a teologia do domínio atraente no campo religioso e que as igrejas evangélicas neopentecostais capturaram como forma de controle dentro do processo religioso que flerta com o anticivilizatório.
Nessa ceara interpretativa, Carranza aponta as causas e crescimento em que esta enraizada a teologia do domínio, neste sentido a pesquisadora, destaca que: “O radicalismo religioso encontra-se com o radicalismo político. O que aconteceu no cristianismo latino-americano nas décadas de 1970, 1980 e 1990 na forma de um cristianismo progressista, com recorte ideológico de esquerda, causa desconforto no pentecostalismo, pois levanta algumas bandeiras que vão contra costumes e princípios que eles consideram imutáveis. Algo semelhante acontece no Brasil. Assim como os evangélicos estão se fortalecendo por meio de sua bancada política, composta principalmente por pentecostais e neopentecostais, durante os governos petistas [2003-2016] também se fortalecem as demandas das minorias, que passam a ter representação nas comissões do Congresso e, paralelamente, a promover a discussão de sua agenda na sociedade toda”.
Carranza, ainda, descreve o lobby político e sua forma de relacionamento com as denominações desde o poder. Segundo a cientista social: “Devemos ter memória histórica. O lobby religioso responde a modelos históricos de relações com o poder. O modelo católico sempre foi um modelo cara a cara, em que os políticos vão à missa, depois tomam café com os bispos e a partir daí fazem negócios. São os políticos que vão à sacristia. Quando entra em cena o modelo pentecostal, as estratégias e os mecanismos são os do jogo político democrático. Os pastores e os fiéis se apresentam às eleições, vencem-nas, vão às comissões parlamentares e entram na dinâmica interna do Poder Legislativo. E aí o lobby político é típico do próprio modo de funcionamento dos parlamentos e das instituições como os conhecemos: o toma lá, dá cá, a troca de favores. No final das contas, em trocas desse tipo, que pouco ou nada têm a ver com direitos ou com os mecanismos democráticos de representação, cozinham-se muitas coisas”.
Neste ano de contenda eleitoral, em que o discurso religioso volta com força na arena política, é preciso a esquerda e a centro direita democrática começar a pensar a criar espaço de aproximação com grupos religiosos mais próximo da extrema direita, abrir espaço de diálogo e aproximação. A esquerda, principalmente, precisa rever seus princípios dogmáticos partidário e voltar suas estratégias eleitorais ao público religioso mais conservador. Neste sentido, Brenda Carranza, traça um roteiro interessante a ser observado: “É preciso ter em mente que o setor evangélico não é homogêneo. A plataforma de Bolsonaro agrada certos setores, mas não abrange todos. Agora, dentro do evangelismo e dos setores religiosos em geral, alguns dos quais também podem ser de esquerda, o tema do aborto é muito sensível, muito mais do que os direitos das minorias, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a homossexualidade. Que o digam os analistas, mas acho que pode ser uma afirmação desnecessária diante de um fenômeno maior: a ascensão da extrema direita no mundo. Este é o país das tempestades, então isso faz muito barulho e atinge fortemente os conservadores. (…) o voto religioso sempre tende a ser conservador. Mas não podemos nos guiar apenas por movimentos institucionais: quem apoia quem, o que o Congresso apoia, o que a bancada evangélica apoia. Essa é uma parte, mas temos que estar muito atentos ao que se discute nas bases religiosas, nas quais há uma polarização muito grande. O voto religioso pode ser decisivo e estar relacionado a uma ideia de moralidade”.
Sem dúvida, a política transita atualmente entro o discurso religioso e a postura moralista imposta e alimentada por uma visão conservadora e retrógada das ideias cristãs de índole medieval, que devagar vão corroendo e enfraquecendo a democracia. Por um lado, os movimentos religiosos de cunho conservador desde diversos setores do catolicismo e perpassando pelas igrejas evangélicas neopentecostais, insistem no saudosismo de cunho moralista, e por outro lado, principalmente desde o discurso de uma grande maioria de igrejas pentecostais, já assumidamente de cunho fascista, tem mostrado uma face ainda menos tolerante, principalmente, com grupos minoritários.
O cristianismo como religião, para os movimentos de cunho fascista, renunciou à sua vocação libertadora e tornou-se uma religião de índole obsessiva e doentia coletivamente. Ainda, é importante ressaltar, que a teologia do domínio, traz consigo uma voz conservadora e autoritária, que busca combater tudo o que “perverte ao ser humano”, não se importando com a ideia do livre arbítrio. O que realmente preocupa ou deveria preocupar a população em geral nesse cenário discursivo, esse “cristianismo supérfluo, falso, doentio” recortado pelo discurso conservador da extrema direita, silencia realidades dolorosas como problemas sociais, muitas vezes quase invisível como: a fome, a violência contra as mulheres, o racismo, a intolerância religiosa, etc. Esse discurso conservador da extrema direita, que contaminou uma parcela importante de católicos e evangélicos, não gera espaço para debates sobre problemas reais e dívidas históricas que a política contemporânea precisa pôr em pautas. Assim, a teologia do domínio, demonstra um profundo desprezo pelos direitos humanos, demonstrando um profundo desprezo por temas centrais da teologia cristã (as bem-aventuranças). Nessa arena discursiva do fundamentalismo religioso, gerado pela extrema direita, parece que as questões de cunho moral serão a única pauta e o único caminho para restabelecer a “normalidade” à humanidade. A extrema direita, insiste nas ideias moralistas como arma, pauta e propaganda em sua cruzada anticivilizatória. O perigo dessas ideias fundamentalistas, não é imaginário. O perigo é real, e está muito perto de todos nós. Até a próxima!
*As referências e citações contidas neste artigo encontram-se na página: https://www.ihu.unisinos.br/

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Eleições municipais: reavivar e fortalecer a democracia (II)

Como as democracias morrem de Levitsky & Ziblat (Zahar, 2018), nos lembram da contínua necessidade de resguardar a democracia dos desejos autoritários. Nas próximas eleições municipais – como já frisamos no artigo anterior – estará em jogo a capacidade de resiliência que os cidadãos possuem para reavivar e fortalecer a democracia perante os perigos e a tentação autoritária. É preciso que nós eleitores tenhamos consciência plena desta responsabilidade. Não é recomendável votar em candidatos a prefeito ou candidatos a vereador que atentam ou têm tendências de flertar com o autoritarismo. O eleitor de União da Vitoria e de Porto União precisa estar atento, avaliar o histórico de vida democrática dos candidatos e fazer uma peneira para escolher representantes que defendam e apoiem os princípios perenes da democracia, e jogar no limbo da história, os autoritários que defendem discursos e atos anticivilizatórios.
Os eleitores de União da Vitoria e de Porto União precisam avaliar os candidatos para o poder executivo como para o legislativo municipal com o maior rigor que o compromisso cidadão exige para defender a democracia. É preciso dar um basta aos candidatos medíocres, os candidatos que flertam com o fascismo e o processo anticivilizatório, os candidatos corruptos, os candidatos oportunistas. É preciso depurar a política, e o voto é a arma mais importante que possuímos para defender a democracia e assim reavivá-la e fortalecê-la. Os professores Levitsky & Ziblat nos alertam: “Sempre há incertezas sobre como um político sem histórico vai se comportar no cargo, mas (…) líderes antidemocráticos são muitas vezes identificáveis antes de chegarem ao poder. O primeiro sinal é um compromisso débil com as regras do jogo democrático. A segunda categoria em nossa prova dos nove é a negação da legitimidade dos oponentes. O terceiro critério é tolerância ou encorajamento à violência. A violência sectária é com grande frequência um elemento precursor de colapso democrático. O último aviso é uma tendência a restringir liberdades civis de rivais e críticos. Uma coisa que distingue autocratas de líderes democráticos contemporâneos é a sua intolerância às críticas e a disposição de usar seu poder para punir aqueles que – na opinião, na mídia ou na sociedade civil – venham a criticá-los”. É importante que os eleitores das nossas cidades levem em conta estas características. O que não faltam por aqui são lideranças políticas com tendências autoritárias.
Os autores de: Como as democracias morrem, Levitsky & Ziblat, propõem quatros principais indicadores de comportamentos autoritários, para ajudar os eleitores a identificar políticos que adoecem e matam a democracia. Na continuação adaptaremos as perguntas a nossa realidade brasileira. Vejamos:
1). Rejeição das regras democráticas do jogo (ou compromisso débil com elas):
a) – O candidato à vereança / O candidato a prefeito: rejeita Constituição ou expressa disposição de violá-la?;
b) – O candidato a prefeito / O candidato a vereador: já sugeriu em seu histórico de vida pública, a necessidade de medidas antidemocráticas, como cancelar eleições, violar ou suspender a Constituição, proibir certas organizações ou restringir direitos civis ou políticos básicos?;
c) – O candidato a prefeito / O candidato a vereador: em seu histórico de vida pública já tentou lançar mão (ou endossar o uso) de meios extraconstitucionais para mudar o governo, apoiando golpes militares, insurreições violentas ou protestos de massa destinados a forçar mudança no governo?;
d) – O candidato a prefeito / O candidato a vereador: já tentou minar a legitimidade das eleições, recusando-se, por exemplo, a aceitar resultados eleitorais dignos de crédito?
2) – Negação da legitimidade dos oponentes políticos:
a) – O candidato a prefeito / O candidato a vereador: já descreveu seus rivais como subversivos ou opostos à ordem constitucional existente?;
b) – O candidato a vereador / O candidato a prefeito: já afirmou que seus rivais constituem uma ameaça a existência, seja à segurança nacional ou ao modo de vida predominante?;
c) – O candidato a prefeito / O candidato a vereador: sem fundamentação, já descreveu seus rivais partidários como criminosos cuja suposta violação da lei (ou potencial de fazê-lo) desqualificaria sua participação plena na arena política?
3) – Tolerância ou encorajamento à violência.
a) – O candidato a prefeito / O candidato a vereador: têm quaisquer laços com gangues armadas, forças paramilitares, milícias, guerrilhas ou outras organizações envolvidas em violência ilícita?;
b) – O candidato a vereador / O candidato a prefeito: Patrocinou ou estimulou eles próprios ou seus partidários ataques de multidões contra oponentes?;
c) – O candidato a prefeito / O candidato a vereador: já endossou tacitamente a violência de seus apoiadores, recusando-se a condená-los e puni-los de maneira categórica?;
d) – O candidato a vereador / O candidato a prefeito: já elogiou (ou se recusou a condenar) outros atos significativos de violência política no passado ou em outros lugares do mundo?

4) – Propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia.
a) – O candidato a prefeito / O candidato a vereador: já apoiou leis ou políticas que restrinjam liberdades civis, como expansões de leis de calúnia e difamação ou leis que restrinjam protestos e críticas ao governo ou certas organizações cívicas ou políticas?;
b) – O candidato a vereador / O candidato a prefeito: já ameaçou tomar medidas legais ou outras ações punitivas contra seus críticos em partidos rivais, na sociedade civil ou na mídia?;
c) – O candidato a prefeito / O candidato a vereador: já elogiou medidas repressivas tomadas por outros governos, tanto no passado quanto em outros lugares do mundo?
É preciso o eleitor estar atento, olhar para o passado e o presente dos candidatos para assim, contribuir na defesa e no fortalecimento da democracia. Precisamos que nós cidadãos assumamos a posição de não flertar com candidatos com viés autoritários. Se existe uma abdicação coletiva em não questionar o passado dos candidatos, coletivamente podemos cometer o erro de escolher candidatos ineptos, corruptos, aventureiros e oportunistas. É papel de nós cidadãos eleitores escolher o mais apto para cuidar dos interesses coletivos. Levitsky & Ziblat, nos lembram que: “A abdicação coletiva – a transferência da autoridade para um líder que ameaça a democracia – costuma emanar de uma de duas fontes. A primeira é a crença equivocada de que uma figura autoritária pode ser controlada ou domesticada. A segunda é o que o sociólogo Ivan Ermakoff chama de “conluio ideológico”, em que a agenda autoritária se sobrepõe à dos políticos das tendências predominantes a ponto de a abdicação ser desejável ou pelo menos preferível às alternativas”. Diante do exposto até aqui, nós eleitores de União da Vitoria e de Porto União, nas próximas eleições municipais estaremos perante o desafio de escolher entre aquilo que olha e têm um olhar para o coletivo, com propostas claras e expansivas em políticas públicas. E não cometamos o erro de escolher aqueles que sem visão de gestão, continuarão levando o destino das cidades gêmeas a uma letargia que produz atraso e falta de desenvolvimento.
É preciso que nós eleitores, possamos escolher gestores que amam e defendam a democracia, gestores que amam e cuidem do povo. Se hoje existem políticos ruins, políticos medíocres, políticos corruptos em cargos eletivos em União da Vitoria e Porto União, isso se deve muito a falta de visão e de memória histórica dos eleitores que votaram nesses políticos. Se desejamos verdadeiramente uma mudança, a próxima eleição municipal será uma bela oportunidade e um teste importante para escolher prefeito e vereadores com consciência social e com espírito coletivo para trabalhar pelo bem comum.
Se não houver mudança de qualidade dos representantes no Poder Executivo e no Poder Legislativo, será uma espécie de fracasso coletivo. Por tudo isso, é urgente e necessário que você eleitor, você eleitora, escolha seu representante com critérios e exigências éticas claras. Em hipótese nenhuma, vender ou oferecer o voto em troca de favores. Quem compra voto, já é um corrupto confesso antes mesmo de assumir o cargo. É preciso exigir dos nossos representantes, o mínimo de decência ética e moral e a capacidade formativa adequada para nos representar a altura das necessidades do nosso tempo. Até a próxima!

  • Obra citada: Steven Levitsky & Daniel Ziblatt. Como as democracias morrem. Zahar. 2018.

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