NACO DE PROSA
Uma volta ao passado

A convite da Afati-Faculdade da Terceira Idade da Unespar, em parceria com Sesc, fiz uma viagem a Curitiba, onde está acontecendo a exposição Tutankamon, no Shopping Estação. Em dois pisos com um espaço de sete salas repletas de história do grande faraó, Tutankamon.
A emoção que senti é imensurável, talvez por gostar muito da cultura egípcia, principalmente do Antigo Egito, com fatos ainda hoje, ocultos, que nos chamam a atenção. Por isso, fiz questão de escrever um pouco sobre o que senti estando inserida na história do Faraó Tutankamon e, fazendo uma exploração do Antigo Egito, por meio de um metaverso interativo e imersivo.
Na interação com o que eu via, não há palavras para explicar a euforia do momento, e percebi que a exaltação era geral, todos os participantes demonstravam grande animação.
São sete salas, incluindo uma de projeção mapeada em 4K, que proporciona uma jornada única aos segredos ocultos de mais de 3.500 anos.
Das sete salas cada uma nos reservava grandes conhecimentos de uma civilização de 3.000 anos.
Na primeira sala, fomos recebidos por uma atmosfera de mistério e encanto. Onde fomos levados a um portal no tempo, ali, a grandiosidade da civilização egípcia se revela de forma cativante. Fantástico! Oferecendo-nos um vislumbre, do mundo do jovem faraó.
Na segunda sala, nos vimos dentro do cofre do tesouro, mergulhamos em uma atmosfera de descoberta. A combinação meticulosa de réplicas fieis, transporta-nos para o cotidiano do Antigo Egito. Objetos do dia a dia ganham vida, revelando a riqueza e a complexidade da cultura egípcia, proporcionando uma viagem sensorial e educativa.
Na terceira sala, acontece um passeio imersivo pelos segredos do Antigo Egito.
É uma jornada visual, deslumbrante através de seis partes essenciais da história egípcia. Com uma das maiores projeções imersivas em 4K, transforma os 140 m² em um portal temporal. A exclamação de todos, que ali estavam: UAU!! Fomos envolvidos por cores vibrantes, narrativas fascinantes e a majestade da tumba de Tutankamon.
A sala de número quatro, mostra-nos o caminho para a eternidade. Onde a atmosfera é de reverência e descoberta histórica. Reproduções em escala real dos artefatos descobertos na tumba, revelam detalhes impressionantes sobre o processo de mumificação e os rituais funerários.
Neste instante fomos transportados para o centro da descoberta arqueológica, que mudou o curso da egiptologia.
A sala número cinco, nos mostra o reflexo da alma, onde a conexão com a mitologia egípcia passa a ser concreta, emocionante e extremamente interessante.
Há ainda a cabine fotográfica, que nos mergulha, na noção da vida após a morte, conectando-nos à ideia de nossas almas em um submundo misterioso e místico.
A inteligência artificial revela uma visão pessoal da alma egípcia, de cada visitante, integrando-nos ao legado espiritual do Antigo Egito. Eu consegui fazer este mergulho por cinco vezes, cinco versões minhas, de noção da vida após a morte e, trouxe comigo, como presente. Maravilhoso!
Na sala seis, a viagem ao submundo, uma experiência, que se torna uma jornada intensa e sensorial.
O filme de realidade virtual permitiu-me sentir na própria pele e alma de Tutankamon, atravessando o submundo em uma viagem de desafios e julgamentos. Senti-me com medo, mas gostaria de continuar por lá, há muito mistério para ser, quem sabe entendido, por cada um de nós.
Na sala sete, o Vale dos Reis 1922
Este espaço revolucionário redefine os limites da tecnologia de realidade virtual, oferecendo-nos acesso a um metaverso de altíssima tecnologia.
Ao entrarmos nesta sala, deixamos para trás as fronteiras do presente, e somos instantaneamente mergulhados em um mundo novo e fascinante, fantástico!
Com óculos de realidade virtual, de última geração, somos transportados para uma visão envolvente, em primeira pessoa dos momentos cruciais da descoberta arqueológica mais emblemática da história.
“A tecnologia avançada proporciona uma experiência sensorial sem precedentes no país, permitindo que cada participante não apenas veja, mas sinta a emoção pulsante e o entusiasmo arrebatador que os arqueólogos experienciaram ao desvendar os enigmas do Antigo Egito. ”
Uma exposição para muitas reflexões.
“Tutankamon, uma experiência imersiva” é uma colaboração de prestígio internacional, unindo as mentes criativas da Layers Of Reality, MAD, Som Produce e Stardust International, em parceria com as empresas brasileiras Apple Produções e Bem Comunicação Integrada. Honrada com três prêmios Telly Awards, incluindo dois prêmios de ouro e um de prata, que reconhecem sua inovação excepcional nos novos formatos audiovisuais. Os Telly Awards representam um dos mais respeitados prêmios internacionais no campo do audiovisual e estão celebrando sua 44ª edição neste ano. ”
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NACO DE PROSA
Naqueles trilhos faltava ela

Ouço ao longe o apito do trem. Na minha adolescência o apito significava muitas coisas, a alegria da chegada de cargas, pessoas, correspondências, novidades de outros lugares.
Eu resido próximo à linha do trem, por isso, posso afirmar, que só quem ouviu vai entender esta onomatopeia: piui! piui!
O apito servia como um marcador de tempo ou até instrumento de aviso à população sobre alguma calamidade; como relógio, as pessoas sabiam de onde vinha o apito, e calculavam a hora do dia, e quando o último sibilar acontecia, todos sabiam que era tempo de silenciar e repousar. Interessante lembrar o poema de Manuel Bandeira, “ Trem de ferro”, o qual usei com um grupo de crianças para fazermos o barulho das rodas nos trilhos de ferro. A escolha das palavras e repetição do verso “café com pão”, “café com pão”, a sonoridade das palavras do verso, produziam uma sequência de sons que nos reportam ao barulho proveniente do deslocamento de uma locomotiva sobre os trilhos. O guarda-chaves manobrava os desvios, entroncamentos dos trilhos, trabalho importante de grande responsabilidade, e quando o trem se aproximava de um trilho com outro destino, a máquina de ferro simplesmente deslizava feito serpente, à outra linha. Um passado que voltou.
É ela voltou aos trilhos, ela que veio trazer alegria às famílias, principalmente às crianças. Pude observar o embarque, na estação, observei de perto cada rostinho, cada gesto, cada sorriso, todos mostravam sua felicidade de um momento de glória, viajar de trem.
Eu costumo dizer por aí, que tenho uma das vistas mais privilegiadas do mundo.
Não moro em um palácio nem no alto de uma colina, mas porque, daqui, exatamente onde estou, posso ver a fumaça da “Máquina 310” passando, e com ela, meus pensamentos seguem e volto a um tempo do qual, eu não queria ter saído.
Mas como não somos os donos do tempo, apenas aceitamos e seguimos, entre suspiros e algumas lágrimas que cismam em molhar nosso rosto.
Lembro do tempo em que meu pai se despedia, ainda na cozinha em que minha mãe preparava o café, para ir à estação e pegar o trem para o trabalho.
Eu o veria novamente, com muita sorte, daqui a uns dois ou três dias.
Quando eu tinha uns cinco anos, meus olhos mal conseguiam ultrapassar a altura da janela, eu ouvia de longe seu apito, e corria para ver se, de repente, meu pai não estaria do lado de fora, acenando para mim.
E os anos se passaram, meus pais hoje não estão mais aqui, o café já está frio sobre a mesa. A janela fechada. Cortinas cerradas.
Foi quando num salto achei que, enganada pelos meus cansados ouvidos, ele havia voltado. A cozinha foi invadida pelo cheiro do café forte, sempre três colheres bem cheias, minha mãe repetia em voz alta. Meu pai saia do quarto, afivelando o cinto, cabelos alinhados e o abraço mais terno e quente que havia.
Mas o tempo não havia voltado, não da forma que eu imaginei. Mas, sim, o tempo atual, que trouxe de volta uma parte da minha infância, a Locomotiva 310, nossa querida Maria Fumaça. Que fazia tremer os trilhos e nos afastava para longe devido ao perigo que havia quando ela passava apitando.
E quantas lembranças boas! Hoje, de volta aos trilhos, ela traz consigo um passado bom, um passado perdido no tempo, há muito tempo. E quando, após anos, volto a entrar em um dos seus vagões, segurando na barra da entrada para conseguir impulso, vejo aquela pequena menina, que aos pulinhos ia encontrar seu papai na estação. O pai abaixava, deixando a cesta de alimentos para me dar o abraço que eu esperava.
Seu apito entra direto em minha alma, e junto ao compasso do meu coração, traz novamente à minha rotina, a sinfonia de um lindo e distante passado, aquele que carrego em meus sonhos de menina.
NACO DE PROSA
Fatos que nos surpreendem

Às vezes acontecem episódios, que achamos só coincidência, pura obra do acaso, porém, não é bem assim.
Sempre gostei de estar entre livros, poemas, bibliotecas, museus e sebos. Há um bom tempo pediram para eu escrever um poema para homenagear minha cidade, União da Vitória. Este poema foi apresentado em alguns eventos, quando eu o declamei. Meses depois soube que a presidente da Avipaf, em Curitiba o colocou em exposição junto a outros poemas, na biblioteca do Paraná, Curitiba. Eu estava na cidade e aproveitei para visitar a exposição, fui com minha filha.
Fiquei deslumbrada com tantos poemas maravilhosos. Fixei no meu. De repente, se aproximou um senhor, foi lendo vagarosamente cada um. De repente, ele falou ao celular com um amigo e disse: – Fulano, você não vai acreditar, estou na frente de uma exposição de poemas e, um é sobre União da Vitória. Ele estava empolgado. Olhei para minha filha com espanto, eu parecia uma poeta famosa.
Logo que ele desligou o celular, olhou para nós e falou:
Estou muito feliz, pois nasci em União da Vitória, morei por muitos anos lá, sinto muitas saudades, e agora venho aqui e encontro esta pérola.
Minha filha não conseguiu ficar calada e disse: -Foi minha mãe que escreveu este poema.
Ele arregalou os olhos, percebi que estava muito emocionado.
Quis conversar um pouco mais, acabamos trocando número de telefone, até hoje mantemos contato.
No entanto, não era a história que eu planejava escrever.
Curioso é que os fatos são similares.
Na semana que passou viajei a Curitiba, como gosto muito de livros procurei um lugar para quem sabe comprar algum título. Passei em frente a uma vitrine com muitos livros expostos, li na placa que era um Sebo de livros. Observei com calma os títulos que se mostravam para mim. Confesso que um era melhor que o outro. Quando resolvi entrar na loja, percebi pelo reflexo que atrás de mim, havia um senhor, que estava com o olhar fixo em um determinado livro.
Minha curiosidade aumentou, pois, o livro me chamara a atenção também, porém devido ao reflexo eu não conseguia ler o título. Olhei o senhor, que agora havia se aproximado da vitrine, quis perguntar a ele, mas desisti, deixei-o quieto, pois estava extasiado com o que via.
Era com certeza, um morador de rua, estava com roupas surradas e uma sacola, e não desviava o olhar daquele livro.
Resolvi indagá-lo.
- O senhor é daqui?
-Percebi que gosta de ler, pelo seu interesse. O livro, que o senhor gostou, eu também achei muito interessante a julgar pela capa.
Eu me apresentei, falei de onde eu era, o que fazia ali, falei também o meu gosto pela literatura. Ele estendeu a mão, em um aperto firme, e também se apresentou.
Disse que há muito tempo morava nas ruas e, que quando pode consegue com alguém um livro para ler, falava muito bem, possuía um excelente vocabulário.
Perguntei-lhe de onde vinha o gosto pela leitura. Ele baixou os olhos e percebi que chorava, eu fiquei sem saber como agir, fiquei muito assustada.
Ele se recuperou rápido e pediu desculpas pelo acontecido. E sem demora me contou que em um passado recente fora um escritor, e conseguia viver da venda dos livros, mas sua vida sofrera uma mudança muito grande, ele havia conquistado um nome respeitável, conseguiu abrir uma editora, onde ajudava os iniciantes a publicar seu livro. Porém, devido a uma injustiça, a qual tentou por muito tempo provar a verdade à sociedade, não houve tempo, ficou na miséria, sua casa, carros, enfim perdeu tudo, e ficou com muitas dívidas. Sua família envergonhada o deixou sozinho, foi embora do Brasil. Disse-me que ainda tenta reaver alguma coisa, mas sem condições. Os amigos se foram.
Contou-me que já havia morado em vários lugares, mas sempre por pouco tempo. Hoje ele sente que está conformado com o que lhe aconteceu, e cansado de lutar sem esperança. Olhou seu livro de longe e chorou copiosamente.
Eu não sabia como ajudar.
Perguntei-lhe se estava com fome ou se precisava de algum dinheiro, me respondeu que não precisava de nada.
Meu coração estava triste, pensei em uma solução.
Entrei na loja e comprei o livro, senti o peso daquela obra.
Voltei com uma caneta nas mãos e pedi seu autógrafo, ele muito surpreso falou:
-Qual é o seu nome, querida?
Eu respondi com engasgo na garganta:
-Marli.
NACO DE PROSA
A família que nunca fomos

O dia estava cinza, algumas gotas começaram a respingar na janela da sala. Não havia muito o que fazer em casa naquele momento, decidi sair antes que a chuva chegasse de vez.
A loja de venda de novos e usados ficava próxima da minha casa, resolvi ir até lá, sempre era possível encontrar algo que me agradasse por lá.
Abri a porta, a pequena sineta denunciou a minha entrada. Margot, uma senhora com seus 70 anos, cabelos grisalhos levantou seu rosto, ajeitou seus óculos para ver quem entrava. No instante em que me reconheceu abriu seu sorriso convidativo me oferecendo uma xícara de chá.
- Tome, menina, logo vai esfriar e não queremos ninguém gripado, certo?
Concordei tomando um bom gole, estava doce e morno, perfeito para uma tarde chuvosa. - O que traz você aqui hoje, além dessa tarde propícia para olhar antiguidades?
- Dona Margot, é isso mesmo, em casa a monotonia gritante me fez reagir, e cá estou.
- Fique à vontade, você sabe onde me encontrar se precisar de algo.
Entre prateleiras, cadeiras e mesas muitos livros, brinquedos, roupas, quadros, vinis, fitas em vhs, aparelhos que os jovens hoje não saberiam nem por onde começar a ligar.
Era um vislumbre para meus olhos que sempre buscavam em objetos do passado um alento para a saudade.
Entre um livro e um vinil, um par de olhos me olhava fixamente, afastei ambos objetos e me deparei com uma pequena foto, um pouco marrom, ou seria um tom sépia, talvez. Passei os dedos sobre aquela imagem, uma mulher com seus vinte e poucos anos, com um vestido e chapéu e um homem, um pouco mais velho, com barba, smoking e cartola. Um casal elegante, atrás deles uma casa de dois andares, e muitos hectares de terra. Uma aconchegante varanda, e nada mais.
Peguei a foto com delicadeza, não queria que ela se desfizesse entre meus dedos.
Virei com cuidado, minha avó dizia: sempre há mais informações no verso.
E ela tinha razão, mais uma vez. No verso daquela foto, um rabisco: “O primeiro passo para os nossos sonhos, com amor, Michael. Dezembro, 1940. ”
Dedução mais assertiva, Philip era o elegante senhor, que mandou a foto para a sua amada, talvez a compra recente da casa? - Senhora Margot! Por favor, a senhora sabe algo sobre esta foto, encontrei apenas ela, embaixo de alguns objetos.
No momento em que ela viu o que eu tinha em minhas mãos emudeceu, seu sorriso sempre tão presente, sumiu. - Onde estava essa foto? Indagou tirando ela das minhas mãos.
- Naquela mesa.
- Não, não. Que erro cometi. Esta foto não pertence a essa loja, nem pode estar aqui.
Amassou a foto e descartou na lixeira. Naquele momento não insisti, percebi que ela havia ficado um pouco aflita. Antes de ir, dei mais umas olhadas em volta, e saí da loja.
Eram quase sete horas da noite, a chuva continuava. Na tela em branco do computador, apenas o ponto de inserção de texto piscava me convidando para a escrita, mas naquele momento, minha cabeça estava naquela foto tão simples e tão enigmática ao mesmo tempo. Que segredo havia ali, e por que ela estava no “lugar errado”?
Na manhã seguinte, sai para comprar alimentos.
Quando ela me viu, acenou. Atravessei a rua. - Bom dia, dona Margot!
- Bom dia, minha filha. Hoje teremos sol, é sempre assim, um dia nublado, outro de brilho e cores.
- É verdade.
Fiquei alguns segundos olhando para dentro da loja, como se eu fosse capaz com a minha visão de localizar a foto amassada. - O que você procura não está mais aqui.
- Eu só não entendi a sua reação, era uma simples foto.
Dona Margot tomou um bom gole de chá, suspirou e disse: - Nem sempre as coisas são apenas aquilo que estão mostrando ser. Principalmente uma foto, sempre há uma história, e não estou falando do rabisco do verso.
- Eu entendo se a senhora não quiser falar, mas aquele casal, tão elegante, aquela casa, a data, não tem como passar despercebido.
- Entendo, a sua curiosidade é válida. Mas acredite, há coisas que devemos deixar no passado, e nunca registrar.
Com certeza a minha expressão me entregou, pois, dona Margot entrou na loja, me convidando para ir com ela.
Passamos pelo balcão, ela repousou sua xícara ao lado de um livro de registros, ela apontou e disse: – veja o nome que aqui está registrado. - Michael Schmidt.
- Isso, o senhor da foto. E ela, Amanda Baum. Eles estavam noivos quando esta foto foi tirada. A casa, grande, dois andares, com sua linda varanda, não passam de ruínas hoje.
- Não estou entendendo.
- A guerra chegou. Amanda era judia. Michael era coronel do exército alemão. Aquela guerra destruiu não apenas cidades, estados, dizimando muitas vidas, mas interrompeu também os sonhos de Michael e Amanda. Ele tentou. Fez o possível para evitar o inevitável. Mas quando ele percebeu que o nome de Amanda estava na lista, ele se desesperou, como ajudar o amor da sua vida sem trair seu país?
Ele pegou o caderno com os nomes listados, fez o possível, o impossível, mas os soldados estavam sempre atentos. Nada passava por eles, e a última imagem de Michael, foi de sua Amanda sendo empurrada dentro de um vagão em um trem que sumiu na primeira curva. Após anos, ele teve informações de onde ela estava, na certeza de que ela estaria viva e bem, foi até lá. Vasculhou em cada canto, conversou com outras mulheres que lá estavam confinadas, e a última informação que ele teve, é que ela havia sumido, junto com seu bebê assim que ele nasceu. Ele não sabia que ela estava grávida, e naquele momento soube que nunca mais os encontraria. O desespero foi imenso, dizem por aí, que na época ele havia ficado louco, e andava dia e noite nas vielas chamando pela sua Amanda. Faleceu alguns anos depois, e esta foto estava dentro do seu bolso, antes de ser enterrado, uma alma caridosa, acredito, retirou-a do seu terno e ela veio, misteriosamente parar aqui.
Eu não sabia o que falar de tudo aquilo, que história! Tão real, tão pungente, tão dolorosa. Mas o que ainda não dava para entender da senhora diante da foto. - Meus avós esconderam Amanda por um bom tempo. Quando ela deu à luz, eles permitiram que ela fosse para a enfermaria. Uma complicação, algo assim, e por uma ação divina, conseguiram tirar Amanda de lá, com seu bebê, cuidaram deles, até o menino completar dez anos. Essa casa que você viu, se transformou em ruínas após ser usada como hospital improvisado pelo exército alemão. Amanda infelizmente, não resistiu a uma tuberculose, enfraquecia dia após dia, e não havia recursos. Meus avós registraram o filho de Amanda, como deles, que se tornaria meu pai futuramente. E é essa a história. E essa pequena foto, que não deveria mais existir, me traz muitas lembranças ruins. Não era para ter sido assim, não era para ter esse ódio todo, sabe? Eles estavam felizes, com planos e da noite para o dia, tudo acabou, tudo.
Ela olhou para frente, olhos marejados, ela sentia a dor que eles sentiram. A dor da separação, uma família que não pode existir.
Ela se abaixou, pegou a foto do lixo, desamassou. - Tome, você é escritora, talvez a motive em alguma ideia, algumas linhas.
Devolvi a foto para ela, agradecendo. - Algumas coisas, devem permanecer no passado, e nem mesmo serem registradas. São suas lembranças, não devem ser exploradas dessa forma. A foto deve ficar onde deve ficar.
Ela consentiu com a cabeça, abri a porta, a sineta tocou, lá fora, o céu brilhava, eu ainda ia passar na padaria para o meu desjejum.