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Um duplo twist carpado ouduas piruetas

Infelizmente as Olimpíadas acabaram. Como fã do evento, por mim, poderia ter uma olimpíada todo ano. Mas talvez a graça esteja justamente no fato de que o maior evento esportivo do globo aconteça apenas a cada quatro anos. Público, e principalmente atletas, o aguardam com ansiedade e expectativa. No plano da linguagem, não é difícil imaginar a Babel que é um evento desses, que reúne esportistas das mais variadas nacionalidades e línguas. E como não pode deixar de ser, o inglês, hoje a língua franca do planeta, acaba tendo um papel central também em muitos esportes. Não é à toa que muitos termos que ouvimos são empréstimos dessa língua. Outro complicador para a audiência são os termos técnicos de cada esporte, especialmente para os não iniciados. O máximo que eu sabia sobre surf era que é um esporte de pegar onda.

Costuma-se chamar a esse linguajar especial de um determinado ramo de atividade de jargão profissional. Todos estamos mais ou menos acostumados com as diferenças entre o jargão médico, que chama de otite o que para a maioria da população é dor de ouvido, faringite ou laringite o que para a maioria de nós leigos é uma simples dor de garganta. Os jargões são úteis porque estabelecem um vocabulário comum para que os especialistas possam se comunicar entre si sem vaguezas, ambiguidades ou possibilidades de mal-entendidos. Ela é necessária dentro de um ramo profissional, mas não deixa de ser um complicador. A obscuridade da linguagem técnica da medicina fez com que se solicitasse que as bulas tivessem uma versão escrita de modo mais simples e claro, sem tantos jargões, para facilitar a leitura da população em geral.
Quando se trata de esportes mais populares, como o futebol e o vôlei, o léxico deles está mais presente no nosso dia a dia. Escanteio, tiro de meta, impedimento, lateral, pênalti, atacante, zagueiro, meia lua, chapéu, lençol, bicicleta… são todas palavras que não nos são novas ou estranhas. Mas compare agora com o judô, uma luta marcial que também é bastante popular no nosso país. Claro, talvez porque as competições de judô não passem com muita frequência na televisão, não temos muita familiaridade com o que é um shidô, um ippon, um yuko ou um waza-ari. O problema não é exatamente o japonês, já que sushi, anime e karaokê todo mundo sabe o que é, mas sim a pouca difusão do esporte na mídia, apesar de ser um esporte muito praticado.
Isso demonstra um aspecto bem interessante na difusão de termos estrangeiros: o papel das mídias, especialmente da televisão. Eu cresci numa cidade pequena, sem restaurantes japoneses, sem mangás nas bancas de revista, mas assistindo a Jaspion e Jiban, e vendo o surgimento e a popularização dos animes na minha adolescência. Então a gente vai incorporando o vocabulário que ouve nessas séries. Por mais que muitos jovens brasileiros nunca tenham comido um lamen, os fãs de anime sabem que esse é o prato favorito do Naruto.
O mais divertido, pelo menos pra mim, são aqueles esportes que exigem desempenho em aparelhos, como a ginástica e o skate. Tudo me parece pirueta, cambalhota e giros do skate no ar. Às vezes a gente pode até ficar com a impressão de que aconteceu tanta coisa ali ao mesmo tempo que não deu pra acompanhar muito bem. Eu fico cá pensando comigo que a pessoa se preparou tanto pra ter que mostrar todo o seu melhor em dois, três minutos, tendo duas ou três chances. Às vezes nem isso. Pensa nos corredores de velocidade. O sujeito treina anos e tem que dar o seu melhor ali em poucos segundos, lutando contra gente que também treinou muito, se dedicou e também quer dar o seu melhor. (Desculpe, leitor, por esse desvio que os mestres da escrita de bons parágrafos certamente detestarão. Voltemos ao nosso tema). Enfim, nesses esportes, a nomenclatura das manobras é toda do inglês. Não que eu queira contar vantagem aqui, mas apesar de ter crescido numa cidade pequena, como eu disse, e as coisas demorarem um tantão pra chegarem, elas eventualmente chegavam. Assim, eu tinha colegas de colégio que andavam de skate e davam flips, backflips, ollies, slides etc.; que andavam no half construído na época na praça do bairro; e que jogavam o jogo do Tony Hawk no Play Station. Eu mesmo nunca tive lá muito talento para esportes que exigissem coordenação motora. Mal e mal eu jogava futebol.
A gente pode se assustar um pouco com as palavras importadas, mas uma hora elas se incorporam ou não trocadas por outras. Aportuguesamos o football, o pênalti e o goal, trocamos o side kick e o corner kick pela lateral e pelo escanteio. Vai que uma hora a gente resolve chamar um slide de escorregar e um flip de giro?

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Falando em línguas

Em dezembro de 2021, quando da passagem pela sabatina no congresso de André Mendonça, então indicado para ocupar uma cadeira de ministro no STF, Michele Bolsonaro pulou de alegria e proferiu algumas vocalizações incompreensíveis. Esse fenômeno é chamado de glossolalia. E não tem nada de novo nem de espetacular, embora seja muito pouco compreendido. E como tudo que é pouco compreendido, as explicações místicas e religiosas são as que entram para a cultura popular. Há quem diga que seria a língua dos anjos. Veja só! Resolvi falar desse tema só agora porque li recentemente ‘Imaginary languages’ (MIT Press, 2023), da linguista francesa Marina Yaguello, e o tema aparece no livro em alguns momentos. Lembrei, então, do episódio e resolvei pesquisar um pouco mais.
Na Bíblia há algumas menções ao fenômeno, como em Coríntios I, no versículo 2: “Porque o que fala em língua desconhecida não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala mistérios”, e no versículo 14: “Porque, se eu orar em língua desconhecida, o meu espírito ora bem, mas o meu entendimento fica sem fruto.” Na igreja católica ele perdeu importância com o passar do tempo, mas nos ritos neopentecostais ele tem muita força. É uma forma de comunicação direta com Deus, uma manifestação do Espírito Santo ou algo assim. Muitos confundem o fenômeno com a xenoglossia (a capacidade de falar uma língua que não se aprendeu ou com a qual não se teve contato), que na Bíblia está exemplificada no episódio de Pentecostes, em que estrangeiros de diversas nacionalidades foram capazes de ouvir uma pregação como se tivesse sido feita na sua própria língua materna. Há muitos relatos de xenoglossia ao longo da história, muitas vezes ligados à possessão demoníaca ou à incorporação de espíritos por médiuns.
Há alguns aspectos linguísticos peculiares nesse tipo de manifestação. Uma das funções básicas da linguagem é a comunicação, o estabelecimento de relações interpessoais, a transmissão de informações. Há outras funções, como aponta Jakobson (a poética, metalinguística etc.). A glossolalia é particular por parecer uma pura forma expressiva, a vocalização pura de alguma emoção muito forte. Nas línguas humanas as formas convencionadas para expressar emoções são as interjeições: ai! (para dor), ops! putz! (algo inesperado). Mas note que se alguém diz ai! sabemos que o falante experenciou alguma dor, não que está feliz, que foi pego de surpresa ou algo assim. Como a glossolalia envolve a vocalização de uma manifestação que se aproxima muito de uma língua humana (há vogais, consoantes, sílabas, ritmo etc.), a impressão do ouvinte é de estar ouvindo uma língua estrangeira, apesar de o falante não ser capaz de dizer o “conteúdo” do que acabou de vocalizar, e de as vocalizações se utilizarem de sons que pertencem à língua materna do falante. Isso quer dizer que dificilmente vamos ouvir um brasileiro que fala em línguas usar o famoso ‘i com lábios arredondados’ (um som comum no francês) ou um clique (som consonantal raro que ocorre em algumas línguas africanas). Os sons mais comuns são as vogais a, e, o, e sílabas com estrutura simples, consoante vogal, como pa, ma, ba, la, te, do etc.
Alguns linguistas entendem que o fenômeno seria uma manifestação da nossa criatividade linguística. Embora seja raro de acontecer, somos capazes de criar palavras do nada (isto é, sem que sejam derivadas de outras já existentes, fenômeno mais comum). Notem que inventar línguas é um tipo de atividade criativa bem interessante, e que parece estar um pouco na moda. Para dar alguns exemplos, quem é fã de fantasia e ficção científica já ouviu falar de klingon (a língua inventada da série Star Trek), quenia e sindarin (as línguas dos elfos inventadas por J. R. Tolkien para o universo de Senhor dos Anéis), dothraki e valiriano (do universo de Guerra dos Tronos), e shakobsa (a língua dos fremen, do filme Duna). Mas normalmente as línguas inventadas são inspiradas em algum idioma conhecido, e o inventor cria um dicionário e uma gramática para sua língua. Tolkien se inspirou no galês, por exemplo.
Do ponto de vista psicológico, o fenômeno também é de difícil compreensão. Alguns psicólogos acreditam que ele é aprendido no contexto religioso, já que não o vemos em outros círculos sociais. As pessoas que ‘falam em línguas’ podem fazê-lo por pressão por aceitação da congregação, como uma manifestação de histeria coletiva ou simples descarga emocional fruto de grande estresse. Embora sujeitos (homens e mulheres) com problemas mentais variados possam falar em línguas eventualmente, isso não quer dizer que quem o faça tenha algum tipo de distúrbio.
Estudos neurológicos apontam que as áreas cerebrais ligadas à linguagem não são completamente ativadas, o que indica que não estamos testemunhando uma “língua” de fato nessas ocasiões. As áreas cerebrais em que há maior atividade são as áreas ligadas às emoções, o que mais uma vez indica que estamos diante de um tipo de expressão emocional. Se há linguagem ali, ela está apenas a serviço da função expressiva, sem nenhum conteúdo místico ou religioso que precise ser desvendado.

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As palavras e as coisas: nomeando a realidade

Começo pedindo licença a Michael Foucault para usar o título de um livro seu para nomear essa modesta crônica. Se o leitor não quiser perder seu tempo, e ir direto ao seu calhamaço pra entender melhor o assunto, fique à vontade. Pra ser direto, vou falar hoje um tantinho sobre a relação entre as palavras e as coisas, ou a relação entre as palavras e seus significados.

O negócio é que a gente não sabe muito bem o que é o significado. Parece claro que usamos a linguagem para nomear a realidade, o mundo ali fora de nossas cabeças, e falar sobre as entidades nesse mundo, como elas se relacionam entre si, coisas que lhes acontecem e assim por diante. Na lição do grande pai dos estudos da linguagem Ferdinand Saussure, uma língua é um princípio de classificação, uma forma de recortar o mundo. Mas é inegável também que o significado é um tipo de entidade mental ou conceitual, isto é, há uma associação entre os significados e algum tipo de construto mental, qualquer que seja ele.
Quando dizemos que a língua é uma forma de recortar a realidade, entendemos que é apenas um aspecto curioso que no inglês exista uma diferença entre os fingers (dedos da mão) e os toes (dedos do pé). No português chamamos tudo de dedo. Alguns diriam que os falantes de inglês são capazes de ver alguma diferença entre essas extremidades do nosso corpo que nós falantes de português não vemos. Outros dirão ainda que é apenas uma peculiaridade do vocabulário de nossa língua que não precisamos fazer uma distinção que no idioma dos ingleses é preciso fazer. Como aquele mito linguístico de que há no inuíte (a língua dos esquimós) mais de cem palavras para designar diferentes estados da neve, e isso lhes concederia o superpoder de ser capaz de ver diferenças na neve que falantes de outras línguas não veriam.
Veja que nesse caso, a solução é simples. As palavras inglesas finger e toe estão associadas diretamente a certas partes do corpo inconfundíveis. Também para nós, dedo significa o que significa e ninguém tem dúvida sobre isso e ninguém fica discutindo quando vê um dedo se está mesmo diante de um dedo. Essa discussão fica interessante quando se adicionam outros elementos socioculturais, e, porque não, também políticos, nesse caldo.
Quando religiosos e conservadores esbravejam que só existe homem e mulher, macho e fêmea, e que o restante é ideologia de gênero, se esquecem que a língua é uma forma de recorte da realidade, e que essa própria negação de uma visão não dicotômica do gênero é uma visão ideológica. Ideologia é que nem bafo, só os outros têm, disse um pensador cujo nome me escapa agora. Note como entra aqui a questão linguística e semântica. Se só existem duas categorias de entidades no mundo, o homem e a mulher – dadas pela natureza, como se a natureza também já tivesse vindo com rótulos para as suas criaturas e propriedades e esses nomes não sejam construções históricas e culturais – todo o restante seria ideologia, ou invenção. Deus já deu a letra, como dizem os jovens, lá no Gênesis, cap. 2-20: “e Adão pôs nomes a todo gado, e às aves dos céus, e a todo animal do campo”. Ou seja, os homens podem nomear a realidade como bem quiserem. Ah, mas deus fez “o homem” e “a mulher”. Pois é, pena! Ele só fez dois mesmo… quem sabe se tivesse feito mais pessoas?
Reforço meu ponto. Optar por entender os gêneros como binários (macho/fêmea, homem/mulher) e não como dispostos numa espécie de contínuo, é essencialmente uma questão ideológica. Escolher olhar o mundo ou a natureza como se ele dispusesse as criaturas em dois extremos também é uma opção, uma visada. Mas a realidade certamente é muito mais complexa que isso, se pararmos para olhar com mais cuidado.
Notem, como comparação, os recortes que fazemos da vida humana ao longo do seu desenvolvimento: bebê, criança, pré-adolescente, adolescente, jovem adulto, adulto, meia-idade, idoso. Esses recortes são construções históricas. As diferentes sociedades nunca deram lá muita bola para essa fase entre a infância e a vida adulta. Atingiu a puberdade, que é basicamente o início da vida reprodutiva, já é em tese um adulto, pois já pode gerar prole, ou seja, é um adulto.
Outro exemplo: notem como a sigla GLS, que recortava o universo para além do macho/homem, mulher/fêmea, incluía apenas gays e lésbicas e posteriormente ela evoluiu para LGBTQIA+, incluindo agora outras classes de gêneros: bissexuais, transsexuais, queer, intersexuais e assexuais.
No final das contas, pensando aqui apenas do meu ponto de vista, como um linguista preocupado em como os significados se estabelecem socialmente, e se criam, se modificam também na cultura e na história, muitas vezes as discussões sobre esse tema na sociedade deixam de perceber o nosso papel coletivo nessa construção, como se tivesse de haver uma correspondência clara e inequívoca entre e a realidade, as coisas, e as palavras. A forma como as diferentes línguas nomeiam e recortam a realidade, a nossa constante necessidade de criar novos nomes ou repensar antigos usos das palavras só ilustra como a questão é mais complexa do que se imagina.

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Mentiras, fake-news e outras lorotas

Num outro mundo possível, as declarações que as pessoas fazem viriam etiquetadas com algum tipo de rótulo: mentira, fake-news, lorota, lenda, história de pescador, fofoca ou algo nesse sentido. Mas não é assim que a comunicação funciona no nosso mundo. Pra muita coisa que lemos e ouvimos, temos que ter um radar de bobagem ligado. Ernest Hemingway disse certa vez que o escritor precisa vir de fábrica com um detector de bobagem. Nem todos os escritores nascem com isso, claro, senão não teria tanta literatura ruim atulhando livrarias, sebos e bibliotecas.
No caso do ouvinte ou leitor, a questão é um pouco diferente, mas a analogia vale como ilustração da nossa capacidade de se deparar com um conteúdo que nos comunicam e refletir sobre a plausibilidade dele. Ninguém é totalmente cético, e ninguém é totalmente dogmático. O ateu ou agnóstico são dogmáticos no seu ceticismo, e o crente (em sentido lato) é a todo momento convidado a crer, pois é da nossa natureza também a desconfiança. Todo mundo tem um pouco de São Tomé.
Claro, há um lado social ou antropológico na equação. Tendemos a acreditar mais nas pessoas que são mais próximas, como família, amigos, comunidade, líderes religiosos, líderes políticos de mesma inclinação ideológica; e a desconfiar de desconhecidos e líderes religiosos e políticos de agremiações que professam crenças diferentes das nossas.
Que pessoas usem os meios de comunicação para espalhar aos quatro ventos as suas opiniões eu acho natural e até interessante. Faz parte da democracia. Vivemos na era da comunicação: podcasts, videocasts, redes sociais. Qualquer tagarela pode hoje pegar seu celular e atingir milhões de pessoas em segundos. Mas é sempre bom a gente ter o nosso radar de bobagem ligado. Afinal, assim como há muita informação, também há muita desinformação.
Vou tentar convencer vocês de que há pelo menos três tipos de “inverdades” que circulam na sociedade. A mentira, a fake-news e a lorota. Tentemos separá-las.
A mentira tem duas características essenciais: é aquele enunciado que é contra os fatos e que tem a peculiaridade de que quem o enuncia sabe que está indo contra os fatos, e, portanto, quer enganar o seu ouvinte. Um exemplo. Imagine um adolescente que mente para os pais que fez a lição de casa, quando na verdade passou a tarde inteira jogando videogame. Ele sabe que não fez a lição de casa e tem a intenção de enganar.
A fake-news é parecida. Ela é um enunciado criado para ir contra os fatos, criado para enganar. Mas há um, porém: apenas quem o criou sabe disso. Quem passa a circular a fake-news acredita que ela é verdadeira e não tem, portanto, a intenção de enganar ninguém. Há toda uma indústria de criação dessas notícias e histórias. Para dar um exemplo (há tantos por aí que é até difícil escolher), no começo do ano passado circulou uma notícia de que vários membros do governo respondiam a processos na justiça. Um deles era o ministro dos direitos humanos, Sílvio de Almeida. Sílvio é jurista, portanto, é natural que seu nome apareça em muitos processos. Essa é uma das mecânicas desse tipo de inverdade: de um fato se cria uma fake-news. Essa é a definição estrita de fake-news: uma notícia inventada.
A lorota é um pouco mais complexa. O que chamo de lorota é inspirado no conceito de ‘bullshit’ do filósofo Henry G. Frankfurt (‘On bullshit’, Oxford, 2005). Outros termos vernáculos se aplicariam aqui, creio eu, como ‘bobagem’ ou ‘besteira’. Na essência, a lorota é uma ideia em que o falante acredita, mesmo que vá contra os fatos. A intenção de enganar não é crucial aqui, embora possa estar presente. Muitas vezes acontece o oposto, ele tem a intenção de esclarecer, ou supõe, ingenuamente, estar do lado de uma verdade que só ele é capaz de ver. A famosa doutrinação esquerdista das crianças é uma dessas lorotas. A conspiração dos homossexuais e sua ideologia de gênero para destruir as famílias é outra. O essencial aqui é que quem conta uma lorota não está nem um pouco preocupado com a verdade. Quem mente sabe que está enunciado algo falso, já quem conta lorota, não está preocupado com os fatos, está preocupado em criar uma situação que esteja de acordo com sua visão das coisas, sejam elas falsas ou verdadeiras.
Tanto a mentira, a fake-news e a lorota são ideias que só confundem o debate público e nos fazem perder tempo para desmenti-las. Há alguns complicadores do nosso tempo. A opinião pública não é mais formada apenas por especialistas em buscar a verdade, como jornalistas e cientistas. Agora mesmo o seu vizinho ou vizinha pode estar pensando em criar um podcast para falar sobre tarô, o campeonato de futebol de botão da Suécia, ou como ganhar dinheiro com apostas.
E no meio dessa balbúrdia, quem tem espaço no debate público acaba sendo impelido ou compelido a emitir opiniões sobre temas que não domina ou, pior ainda, sobre os quais é completamente ignorante. Acontece que quem está no espaço público, normalmente, se expressa bem, sabe usar as palavras. E nada mais sedutor do que alguém que fala bem. Pessoas que falam bem chamam a atenção, conquistam nossa confiança. Pouco importa o conteúdo, importa a forma. Um podcast ou videocast bem produzido, com pessoas com aparência de especialistas em alguma coisa falando vai ter repercussão, mesmo que o conteúdo seja um monte de lorota.

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