MEMORIA E DISCURSO
Religião e política: uma mistura explosiva no século XXI
Superado os confrontos ideológicos e partidários, das eleições municipais, é preciso, voltar a olhar, para um tema que abarca além dos ethos sociais e políticos contemporâneos. Nos discursos políticos, para prefeitos e vereadores, o conceito ou palavra Deus, apareceu com frequência e de forma quase milagreira, e, em alguns casos, até de forma inescrupulosa e antiéticas por parte de muitos candidatos em muitos municípios brasileiros. O que fica constatado, é que política e religião é uma mistura explosiva no século XXI. Esta realidade está latente em todas as ideologias e tendências partidárias, mas de forma mais eloquente encontra-se no discurso da extrema direita, que de forma incisiva e com dosagem fundamentalista, incorporou em seu linguajar o conceito do sagrado, como amuleto de “depuração moral”.
Hoje, apresentamos neste artigo, a análise de dois intelectuais que observam a questão desde uma postura distante e diferente. O primeiro Ronaldo Bressane, escritor e jornalista, autor do romance Escalpo (Reformatório), entre outros, publicada por O Estado de S. Paulo, 09-09-2018, tece uma leitura desde o global para o particular. Já, o segundo, José de Souza Martins, sociólogo, que em 2012, já fazia uma análise da realidade política brasileira e alertava sobre os perigos da aproximação entre religião e política. Nosso desejo, desde esta singela coluna, consiste, que o leitor possa refletir, avaliar e fazer uma leitura abrangente da realidade religiosa e política e suas tramas, na atualidade.
- Para Bressane, a disputa mercadológica da religião, dentro do fazer da política precisa ser observada com mais atenção. A ideia do monoteísmo é uma questão antiga que precisa ser compreendida desde uma memória histórica mais abrangente: “De fato, quando você olha os milhares de anos na história da espiritualidade humana, o conceito de deus único só esteve aí por uns 3 mil anos. A mente antiga simplesmente não conseguia abraçar a ideia de que um deus único poderia ser responsável pelo bem e pelo mal, pela escuridão e pela luz, pelo céu e pela terra. Fazia mais sentido um deus separado para cada um dos nossos diversos atributos – um deus para representar cada uma de nossas emoções. Isso não quer dizer que o conceito de deus único não tenha aparecido de tempos em tempos – no livro escrevo sobre as duas tentativas de estabelecer o monoteísmo no Egito e no Irã. Foi só como resultado da crise existencial da fé entre os antigos hebreus que a ideia de monoteísmo começou a lançar raízes na religião judaica – foi o resultado do que hoje se conhece do exílio babilônico em 586 a.C. Mesmo os cristãos primitivos – cuja vasta maioria era de romanos – também engoliam com dificuldade a ideia de deus único, e por isso eles desenvolveram a ideia de Trindade. O que mais importava não era a teologia do monoteísmo, mas suas práticas políticas. A identidade da Igreja, com seu único bispado em Roma, com a autoridade do Império Romano com seu imperador único, requeriam uma religião com um deus único. Hoje, o monoteísmo é a forma dominante da espiritualidade humana. Talvez seja por causa da história que acabei de traçar. De todo modo, é importante notar que a ideia de deus único é um conceito totalmente diverso do que aparenta ser.”.
- O escritor e jornalista, ainda ressalta, a importância de compreender o entrelaçamento existente entre política e religião na história da humanidade, neste sentido, destaca que: “Se você acha que religião é uma experiência privada em que simplesmente um ser humano tem uma conexão com o divino, então não faz sentido misturar religião com política. O problema é que religião não é só isso. Religião é principalmente uma questão de identidade, muito mais do que de fé ou prática. Quando alguém diz “sou muçulmano” ou judeu ou cristão, está formulando tanto uma definição de sua fé quanto uma definição de sua identidade. Está falando sobre quem é, como vê o mundo, como compreende seu lugar nele. Em questão de identidade, religião é profundamente entrelaçada com todos os outros aspectos da identidade de uma pessoa: cultura, etnia, raça, gênero, orientação sexual, e, claro, orientação política. Então simplesmente não faz sentido divorciar religião da política. Fazer isso não é democrático. É obvio que podem haver problemas, especialmente uma vez que religião diz muito respeito a “mandamentos”, enquanto a política (pelo menos em teoria) supõe-se ser a respeito de compromissos. Mas, se o Estado oferecer liberdade de culto, então não se pode esperar que a religião se separe da política. De todo modo, é preciso assegurar proteções para aqueles que não compartilham da religião majoritária ou que não têm nenhuma religião”.
- Para o autor do romance Escalpo (Reformatório), existe uma constante luta entre a ideia de politeísmo e monoteísmo na luta pela hegemonia religiosa. Neste sentido, o Brasil não está alheio desta realidade. Num mundo globalizado, o impacto da religião interfere de forma direta na vivencia política contemporânea, principalmente, na extrema direita global. Neste sentido, o escritor ressalta que: “O que você está vendo, não só no Brasil, mas também em outros países de maioria cristã, é uma revolta contra a profunda corrupção, manipulação e politização do cristianismo ao prejudicar quem não segue a fé cristã. Nos EUA, o cristianismo se tornou uma ferramenta do partido Republicano. Tornou-se um instrumento para separar as minorias do acesso aos direitos humanos, para proibir mulheres que sofrem e crianças refugiadas de receber asilo e ajuda, para afastar os mais pobres das políticas de bem-estar e acesso à saúde universal e outros serviços para os mais necessitados, e, em lugar disso, empodera a supremacia branca. Para muitas pessoas, incluindo cristãos, isto é uma traição de tudo o que Jesus pregou, e por isso muitos têm abandonado o cristianismo e procurado formas alternativas de espiritualidade. É exatamente o que vem acontecendo no Brasil. Não é só uma guerra entre monoteísmo e politeísmo. É uma batalha entre o establishment cristão e os que se sentiram abandonados pela igreja. É também uma tentativa de acobertar o que muitos acreditam ser uma espiritualidade mais autêntica, radicada no solo do Brasil, mais do que outras espiritualidades trazidas por estrangeiros e colonizadores.”.
- O sociólogo José de Souza Martins, ao comentar a separação da Religião e do Estado estabelecida na Constituição de 1891, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 01-07-2012, ressaltava que: “Um fantasma assombra a República desde a sua proclamação: a religião. Um outro fantasma assombra a religião desde que essa separação ocorreu: a República. De assombro em assombro, vamos recuando em relação aos valores democráticos, aqueles que asseguram as bases da consciência propriamente republicana, livre de pressupostos e constrangimentos estranhos à política. E também em relação aos valores propriamente religiosos, aqueles que pedem a paz do privado para o exercício ritual da fé, que é o âmbito da liberdade religiosa que a República assegurou. Religião deixou de ser um dever para ser um direito, livremente assumido. Essa é a diferença, que muitos não compreendem. Não ter religião já não é um defeito. Ter religião já não é, necessariamente, uma virtude”.
- Para o sociólogo, “Os positivistas de 1889, já antes da Constituição de 1891, estabeleceram a separação entre o Estado e a Igreja. Na monarquia o próprio imperador nomeava os bispos e lhes pagava a côngrua, mandando prendê-los, se fosse o caso, como aconteceu na chamada Questão Religiosa. Da monarquia à República laica, foi um salto muito grande num país secularmente habituado à promiscuidade pré-moderna de política e religião. A separação do Estado em relação à Igreja, e a adoção do princípio de que o Estado não tem religião, de que o exercício da fé é livre e de que todas as religiões são toleradas, representou um imenso avanço no Brasil. A liberdade seria uma quimera se as pessoas não fossem livres para crer ou descrer e se não pudessem tomar decisões políticas, votar ou deixar de votar, em função unicamente dos ditames de sua consciência e de sua decisão racional. Os eleitos representam a consciência política dos cidadãos, não a sua consciência religiosa”.
- Souza Martins, ainda, ressalta que: “Tudo seria compreensível num país atrasado como o Brasil, não fosse o avanço da ousadia não mais sobre as greis religiosas, mas agora também sobre o sagrado. Se as igrejas pretendiam afirmar sua identidade religiosa no plano político, mostrando força perante os candidatos e caíram na tentação do voto de cabresto, não se deram conta de que havia um preço a pagar. E o preço maior não era o voto, era a sutil invasão do sagrado pela política e pela politicagem (…) Infelizmente, estamos num progressivo recuo em relação a esse princípio fundante do nosso regime republicano. O neopopulismo brasileiro descobriu nas igrejas e nas religiões um verdadeiro curral de votos cativos, de gente crédula e dócil ao apelo eleitoreiro em suposto nome da fé. Não só os evangélicos têm sido assediados e não raro seduzidos pelas cantadas partidárias, mas também os católicos têm tido uma disponibilidade para a sedução que não é pequena.”.
- O resultado eleitoral da eleição municipal, retrata, por sua vez, uma geografia perversa do discurso político alimentado pelo imaginário de um sagrado corrompido, um sagrado deslocado dos templos e da realidade. Por sua vez, esta realidade é inegável, quando percebemos que em muitos municípios não ganhou o candidato ou candidata, mais competente ou mais preparado para ser gestor municipal. O ópio do povo, o sagrado, continua a nutrir no campo político, a alma e o imaginário frágil dos cidadãos. Assim, a junção, política e religião, de certa forma alterou a linha do tempo em muitos municípios brasileiros, e ocupou de forma sombria o imaginário e a capacidade crítica do eleitor. Até a próxima!
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Inteligência Artificial: a expressão estética do fascismo e da violência
Em um recente artigo publicado na IHU- Unisinos, que leva por título “IA: a expressão estética do fascismo”, Erick Kayser, mestre e doutorando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, retrata de forma clara e profunda comoa IA contribui para uma construção estéticado fascismo da violência. Na proposta reflexivaKayser,ressalta a necessidade de um olhar atento e crítico perante a realidade criada desde a IA, e utilizado, continuamente, por políticos de extrema direita, para construir um imaginário cada vez mais difuso e violento da realidade: “Entre políticos e grupos da extrema-direita europeia, o uso destas imagens é disseminado, sendo abundantes as imagens de caráter racista contra imigrantes estrangeiros. No Brasil, as redes bolsonaristas têm se alimentado de muitas imagens que combinam a estética nacionalista com temas religiosos, expressando uma fantasia autoritária e messiânica, ou ainda, utilizando montagens com ataques agressivos e até escatológicos contra figuras da esquerda, em especial o presidente Lula. Javier Milei, outro adepto da arte por IA, parece querer que todos na Argentina se sintam sob a constante ameaça de ser atingido por sua motosserra, perdendo direitos sociais ou se somando aos quase 300 mil trabalhadores que perderam seus empregos, como resultado da recessão por ele induzida”.
É preciso com tudo, como alerta Kayser, captar o movimento que existe por detrás desta realidade. A IA, vai modelando de forma indireta e de forma contínua uma realidade paralela que busca apagar e ofuscar a memória do passado e alimentar um tipo de vazio, que carece de identidade, construindo um sujeito sem memória do passado e obcecado por uma estética da violência, naturalizando a banalidade do mal:“Para quê contratar um artista podendo gerar ilustrações gratuitas com IA generativa? Não é por falta de recursos que um chefe de estado opta por usar imagens de IA em suas redes sociais. O fato destas imagens serem, em boa parte, plágios de artistas de carne e osso, não é um problema moral para uma direita que nunca escondeu sua hostilidade à arte. Para ela, principalmente em sua versão extremista, é até mesmo desejável que seja uma arte sem artista. Esta escolha estética é derivada de alguns processos constitutivos da identidade deste fascismo do século XXI, como a relação com a cultura e a arte, um tanto distintas do fascismo clássico (…) No passado era possível identificar artistas de direita em suas diferentes matizes – reacionárias ou não – capazes de produzir uma grande arte, como os escritores FiódorDostoiévski ou Jorge Luis Borges, ou o pintor surrealista Salvador Dalí, apenas para ficar em exemplos mais conhecidos. Hoje isto é algo que inexiste; são imagens de um passado cada vez mais distantes. Existe hoje algum artista sério na direita que não se envolve em nostalgia por algum tempo imaginando antes que a arte fosse “corrompida” por muçulmanos, mulheres ou homossexuais? (….) Enquanto no século XX o fascismo era capaz de absorver ou até mesmo gerar movimentos culturais vanguardistas, como o futurismo italiano, na direita atual subsiste um vazio, uma ausência só suprida, parcialmente, em uma relação politicamente instrumental ou como entretenimento efêmero. A direita atual é inimiga da cultura, refratária a tudo aquilo que não estiver contido em certos cânones petrificados – e, não raro, ainda possui um entendimento distorcido desses mesmos cânones, sob influências nacionalistas, religiosas ou dos mais rasos detritos do mainstream da indústria cultural”.
Entre as várias características, o mais repulsivo eimponente dofascismo, é seu ódio auma democratização dacultura, uma cultura crítica sem viés totalitário. OFascista, por sua natureza intrínseca, é um ser perverso que opera desde a ideia da contracultura vazia, e ao mesmo tempo, carregado de moralismo, negaovalor da arte como forma de pensamento crítico, segundo Kayser: “Refratários à cultura artística, o abraço do fascismo ao padrão estético de IA responderia também a outra dimensão: um desejo/impulso para o “fim do artista”. Presença incomoda, “libertar” a cultura artística do talento humano, a IA é vendida por seus apologistas como “democratização” artística; na realidade, porém, efetiva um esvaziamento do sentido artístico enquanto prática sensível, crítica e coletiva, portadora de uma multiplicidade de leituras. Agora, elas são substituídas pela opacidade unidimensional dos conteúdos gerados artificialmente, alimentados por sistemas algorítmicos que se apropriam do trabalho criativo sem autorização, sem crédito e ceifando o que, de fato, constitui uma obra de arte (…). Não se trata de um efeito colateral inesperado, mas de uma consequência guiada por uma intencionalidade. A tecnologia não é neutra, desenvolvendo-se a partir dos propósitos que são dados a ela. A tecnologia que está hoje aprisionada pelos interesses privados, sendo guiada democraticamente pela coletividade desde sua concepção, poderia ganhar um sentido libertador”.
A anticultura queo fascismo trabalha como valor e como arma de destruição do sujeito como ser político, demonstra odesejo último do fascismo (e do fascista) a de construir e a de cultuar no lugar da criticidade a ignorância como virtude que se fundamenta na violência com valor supremo da sociedade que pretende construir. Para Kayser: “Uma “arte sem artistas” é o desdobramento de um sonho distópico de gerar um “capital livre do trabalho”. Nos últimos anos, com inúmeros avanços tecnológicos de caráter disruptivo, impondo para milhões de pessoas formas desreguladas e precarizadas de relações de trabalho, além da crescente financeirização das economias, alguns ideólogos resgatam a ideia de uma ruptura entre o capital e o trabalho na geração de valor, tornando este último tendencialmente obsoleto para a criação de riquezas. Ainda que tenha se acelerado, não se trata de um fenômeno propriamente novo. Marx observou que já ocorria em seu tempo uma crescente separação entre a produtividade material e a produtividade em termos de valor; este processo, ainda que inicialmente pudesse ser entendido como uma “anomalia”, seria aprofundado ao longo da evolução do capitalismo. (…) Como aponta Robert Kurz, em sua obra A crise do valor de troca (2018), este foi “um processo histórico em larga escala no qual o processo de trabalho material e o processo de criação de valor começaram a divergir e a se tornar cada vez mais desproporcionais entre si” (p.21). No capitalismo tardio, a universalização do trabalho precário – mal remunerado, fisicamente desgastante e individualmente produtor de valor residual – contrasta com a riqueza destinada a poucos afortunados produtores de trabalho “imaterial”. Contudo, o sonho capitalista de um valor capaz de se valorizar indefinidamente, sem a necessidade de qualquer lastro material, é ilusório. As bolhas especulativas, independentemente, de sua natureza, por si só não geram valor: apenas drenam a riqueza gerada em outros setores produtivos, buscando acelerar o processo de valorização de valor de forma artificial, por vezes com sucesso, noutras com consequências ruinosas”.
A violência como plataforma de controle, é e será sempre omecanismo mais eficiente que o fascismo busca construir e consolidar no século XXI. É no mapa mental do caos que a estética da violência se manifesta com maior força em sua perspectiva destrutiva. Neste sentido, Kayser, destaca que: “A estética da violência, comum aos fascismos de ontem e hoje, não apenas romantiza a violência como instrumento de “purificação social”, como também a apresenta como resposta heroica a crises modernas, através de discursos anticomunistas, misóginos ou anti-imigração que simplificam problemas complexos em batalhas maniqueístas. Essa estética, porém, esconde uma contradição: ao mesmo tempo em que rejeita o “politicamente correto” como fraqueza, depende da teatralização do medo e da espetacularização do conflito para mobilizar seguidores, revelando-se menos como uma força revolucionária e mais uma reação desesperada à perda de privilégios em sociedades cada vez mais pluralistas. (…) A estética do fascismo, turbinada pela IA, ao celebrar a agressividade como um atributo de virilidade e pureza, converte o terror (por vezes mascarado sob a máscara do “humor’) em uma ferramenta de mobilização, onde cada ato violento se torna um símbolo político capaz de seduzir e enraizar sentimentos de pertencimento entre seus adeptos, enquanto deslegitima a pluralidade e a complexidade social (…) Em vez de uma mera manifestação caótica, a violência é coreografada para produzir impacto emocional e mobilizar adesões, reproduzindo uma imagem de ordem e superioridade que se contrapõe à diversidade e à justiça social. Tal apropriação estética, longe de ser inofensiva, opera como um mecanismo de sedução e intimidação, sublimando a violência e desumanizando os alvos do ódio. Em última análise, essa valorização estética da violência se revela como uma estratégia ideológica que pretende, pela exaltação da brutalidade, fechar espaço para o debate democrático e legitimar a perpetuação de um estado de tensão e repressão”.
É importante, pensar, refletir e captar comoo fascismo contemporâneo trabalha com a Inteligência Artificial, para construir uma expressão de naturalização em prolda estética da violência, e assim, envolver o sujeito de formairracional em um mundo que naturaliza a barbárie como cultura e como poder, ao capturar a subjetividade vazia que alimenta desde a violência como forma de vida. Este sujeito irracional, nutrido pela estética da violência, encontra seu valor último na reprodução dabarbárie e da brutalidade. Este sujeito irracional e barbárico – em última palavra – é a arma que a estética do fascismo alimenta todos os dias.
Artigo completo disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/650568-ia-a-expressao-estetica-do-fascismo-artigo-de-erick-kayserAté a próxima!
MEMORIA E DISCURSO
Extrema direita, neoliberalismo e autoritarismo
A extrema direita, por sua natureza intrínseca é selvagem, anticivilizatória e autoritária. Todo extremista, é um ser antidemocrático por natureza. Esta é sem dúvida, a radiografia social e política contemporânea. O projeto de poder autoritário pode ser observado em líderes políticos como Bolsonaro no Brasil; Trump, nos Estados Unidos; Viktor Orbán, na Hungria; Nicolás Maduro, na Venezuela; Recep Erdogan, na Turquia e Javier Milei, na Argentina. A pergunta que não pode calar neste momento da história, é: como esperamos deter a ascensão dos Trumps, os Mileis e os Bolsonaros, se nem sequer conhecemos a ideologia – seus postulados, seus lobbies, seus mecanismos – que os impulsionam?A extrema direita devagar – de forma sútil e dissimulada – vai minando e moldando o mundo para naturalizar,novamente, a barbárie. Este perigo está muito perto da gente, somente os iludidos e os que romantizam o mundo não conseguem enxergar no projeto de poder autoritário em que estamos inseridos.
Neste sentido, em uma recente entrevista, o jornalista britânico George Monbiot e o cineasta estadunidense Peter Hutchison, nos ajudam a compreender o momento geopolítico em que estamos inseridos. É preciso captar as ideias e os movimentos que a Extrema direita produz e reproduz através do neoliberalismo e o autoritarismo.Monbiot e Hutchison, traçam as características específicas da relação entre Extrema direita, neoliberalismo e autoritarismo, os entrevistados destacam que: “o neoliberalismo contribuiu para todas elas. Não é a única causa. Há outros sistemas que também contribuíram para essas crises. No entanto, sem dúvidas, o neoliberalismo as acelerou e exacerbou. O problema é que quando mais precisamos de uma ação política eficaz para enfrentar todas essas crises, o neoliberalismo nos diz que os governos não existem para produzir qualquer ação política eficaz. Muito pelo contrário. Os governos devem ficar de lado e não estorvar. Os governos devem permitir que o poder econômico faça o que quiser. Os governos devem derrubar as proteções públicas e todas aquelas regulamentações que incomodam o poder econômico. Temos a pior ideologia dominante, no pior momento possível”.
Para compreender este movimento e a proximidade existente entre extrema direita e neoliberalismo totalitário, e, por que essa ideologia dominante é tão invisível, difícil de ser captado pelo senso comum, é necessário, segundo Monbiot e Hutchison, captar e compreender o cerne da existência do neoliberalismo, neste sentido destacam que: “O neoliberalismo fez um esforço muito grande e deliberado para disfarçar suas ideias. Desde aproximadamente meados dos anos 1950, os pensadores neoliberais pararam de usar o termo neoliberalismo. De fato, não usaram nenhum termo para se descreverem, pois queriam criar a impressão de que estavam descrevendo a ordem natural. É assim que o mundo funciona, é assim que a seleção natural funciona. Para o neoliberalismo, os seres humanos são egoístas e gananciosos. Não só temos que aceitar e abraçar isto, pois o egoísmo e a ganância tornarão todos mais ricos e, por um efeito cascata, o dinheiro chegará aos pobres. No entanto, graças a um amplo leque de estudos científicos, sabemos que os seres humanos não são primordialmente egoístas e gananciosos, exceto uma pequena proporção que chamamos de psicopatas. A maioria de nós tem algo de egoísmo e ganância, mas outros valores são mais importantes para nós, como a empatia e o altruísmo, a comunidade, a família, a pertença e a bondade para com os outros. Queremos um mundo melhor para nós, mas também para as outras pessoas. No entanto, o neoliberalismo nos diz que somos psicopatas e que essa é a nossa única maneira de ser”.
É preciso ficar atento e analisar o movimento que produzem a Extrema direita, o neoliberalismo e o autoritarismo, é fundamental compreender o momento atual da política contemporâneo. Os entrevistados destacam que:“Milei é um exemplo clássico de neoliberalismo. Chegou ao poder com a ajuda de uma rede neoliberal, a Rede Atlas, que coordena as atividades dos thinktanks neoliberais de todo o mundo. Eles forneceram grande parte de sua política, de sua mensagem e seu marketing. Vemos um esforço coordenado em nível mundial, apoiado por algumas das pessoas e corporações mais ricas do planeta, para implementar uma forma específica de política. A Argentina é agora um exemplo clássico de como esse sistema funciona e Milei é um exemplo perfeito de um político neoliberal que corta o Estado de bem-estar social, que destrói os serviços públicos, que abre os recursos às corporações, que derruba regulamentações que protegem os cidadãos comuns. Sua única preocupação é satisfazer o capital e seus lobistas. Milei representa o grande sonho neoliberal”.
Nesse cenário caótico, paraMonbiot e Htrchison, existem dois elementos ou campos fundamentais que alimentam o desejo de domínio da extrema direita, do neoliberalismo e o autoritarismo, que consiste na desinformação e a Inteligência Artificial, neste sentido destacam que:“A desinformação é essencial para qualquer sistema que atue contra os interesses da maioria da população. Trata-se de um sistema deliberadamente desenhado para agir em benefício das pessoas mais ricas do mundo, interesses que são diametralmente opostos aos interesses da grande maioria dos cidadãos do mundo. Portanto, sim, a única maneira de manter esse sistema vivo é por meio da desinformação. O neoliberalismo se sente muito cômodo no campo da desinformação. (…) Estamos falando de uma tecnologia que pode ser usada de forma positiva e negativa, mas que não deixa de ser uma tecnologia muito ameaçadora. Atualmente, pode ser usada para nos manipular em um grau ainda mais sofisticado, com um nível superior ao que até agora as ferramentas informáticas padrão utilizaram. Isso representa uma ameaça adicional. Tornará muito mais fácil fazer vídeos deepfake, por exemplo, e que a reputação de muitas pessoas que lutam contra essa ideologia seja destruída por esses vídeos. Em definitivo, a IA vai gerar uma proliferação de desinformação muito maior do que a que vimos até agora”.
Por sua natureza de índole barbárica e anticivilizatória a extrema direita e o neoliberalismo, precisam do viés autoritário para sepultar as desigualdades historicamente construídas que gerou, Monbiot e Hutchison, destacam que: “Uma das grandes ironias do neoliberalismo é que aqueles que primeiro formularam essa ideologia, como Friedrich Hayek e Ludwig von Mises, disseram que estavam salvando o mundo do totalitarismo. Afirmavam que qualquer tentativa de gerar ação e tomada de decisão coletivas, de usar a política para mudar a vida das pessoas, era um caminho escorregadio em direção ao stalinismo ou ao nazismo. Que isso nos levaria ao totalitarismo. No entanto, como essas políticas são extremamente impopulares e afetam a maioria dos cidadãos, os Estados precisam se tornar cada vez mais autoritários. E enquanto desregulamenta a economia, oprime aqueles que tentam interferir em seu programa pró-capital. Voltemos ao exemplo da Argentina. Milei diz que defende a liberdade, fala sempre em liberdade. Contudo, é um presidente muito autoritário. A liberdade é uma palavra que o neoliberalismo usa como arma. Se você se opõe ao que eles pedem, você é contra a liberdade. São muito cuidadosos em não especificar a liberdade para quem, porque existem bem poucas liberdades universais. A liberdade para um grupo é cativeiro para outro grupo. A liberdade do chefe para explorar seus trabalhadores é cativeiro para os trabalhadores. A liberdade da corporação para despejar produtos químicos em um rio é uma perda de liberdade para as pessoas que vivem daquele rio. Milei e tantos outros líderes políticos buscam a liberdade dos ricos, o que leva ao cativeiro dos pobres”.
Finalmente, Monbiot e Hutchison, alertam que: “Precisamos entender que o capitalismo é muito criativo em seus ataques à democracia. E encontrou duas ferramentas muito poderosas: o fascismo e o neoliberalismo. Agora, vemos um híbrido de fascismo e neoliberalismo em figuras como Trump, Milei ou Victor Orbán, e um de seus instrumentos mais poderosos são as redes sociais. Pensávamos que os meios de comunicação tradicionais eram ruins o suficiente. (…) No entanto, em comparação a ElonMusk ou Mark Zuckerberg, os empresários dos meios de comunicação parecem dirigir uma clínica de yoga. Agora, vemos surgir um conjunto de poderes ainda muito mais perigosos dos que os meios de comunicação tradicionais. E a razão para isso é que as redes sociais penetram em nossas vidas de forma muito mais profunda do que os meios de comunicação tradicionais. Envolvem nossas mentes de forma muito mais eficaz e nos recrutam como soldados rasos contra nossos próprios interesses”.
Dito isso, a extrema direita no Brasil, segue o mesmo roteiro de projeto de poder que mistura e associa neoliberalismo e autoritarismo. Exemplo desta realidade encontramos na turba bolsonarista antidemocrática, anticivilizatória e golpista que pedem anistia para criminosos confessos, e buscam enfraquecer e eliminar a Lei da Ficha limpa, para cultuar seus corruptos e golpistas de estimação em nome de uma falsa liberdade. A mesma turba, que defende liberdade de expressão absoluta, para que seus crimes não sejam punidos. Amarca cruel da extrema direita brasileira, viciada em desinformar a população, busca constantemente alterar o rumo da história e reescrevê-la, alimentando seus ideais totalitários novamente com a marca e o selo da impunidade.
É preciso que defendamos o processo civilizatório e a Democracia, estejamos atentos e vigilantes perante o perigoso projeto de poder totalitário da extrema direita fascista. Nesta tarefa,por exemplo é fundamental: compreender a narrativa que está imersa no jogo do poder que defende a extrema direita; analisar seus perversos métodos de alienação por meio da desinformação compulsiva; captar seus traços anticivilizatóriose antihumanistas desde os discursos de intolerância e discriminação, e finalmente,combater o discurso religioso e moralista de índole fútil e vazia que defendem como modo de controle social. Para alcançar este objetivo, é preciso construir uma leitura histórica crítica, uma memória mais aguçada perante o projeto de poder da extrema direita, que busca se legitimar desde premissas falsas como a liberdade ou a anistia!
A entrevista citada encontra-se em: https://www.ihu.unisinos.br/649017-temos-a-pior-ideologia-dominante-no-pior-momento-possivel-entrevista-com-george-monbiot
Até a próxima!
MEMORIA E DISCURSO
O caminho satânico da religião (III): Religião ou espiritualidade?
Religião e espiritualidade, são duas palavras ou conceitos diferentes, distantes e próximos ao mesmo tempo. Claro, podem sobreviver independentemente. A religião, implica em um sistema de crenças a que um indivíduo adere, institucionalizado e hierarquizado, com regras éticas e morais. Enquanto que, a espiritualidade, pode ser compreendida como a experiência diacrônica de uma pessoa em relação aos outros, com a natureza e com Deus. Espiritualidade, é independente, não cria hierarquia, não alimenta moralismo. A boa Espiritualidade, não compactua com preconceitos ou fundamentalismo de caráter sagrado. A Espiritualidade se for sadia, não fomenta conflito, guerra, extermínio, genocídio.
Nesse contexto de aproximação e distanciamento entre a religião e a espiritualidade, é importante destacar, que todos os conceitos com que a religião se vincula, como atos de cultos, ritos e de outras formas de expressão do sagrado, está dentro do seu território de expressão cotidiano. É importante destacar que Religião é um conceito não abarcativo, não inclui o diferente que está fora do seu alcance doutrinário, enquanto, a espiritualidade, se ela for sadia, é compreendida como uma dimensão humana constitutiva e abarcativa, que se caracteriza por uma dimensão de intimidade interior do ser humano com algo maior. Espiritualidade, assim estabelecida, não está presa a um único sistema ou a um único livro sagrado. Por tudo isso, Espiritualidade pode ser entendida como o conjunto de crenças que traz vitalidade e significado aos eventos da vida, ela abarca o Todo, não fica reduzida a questões morais ou moralizantes, não habita a dimensão periférica do humano. Não se alimenta da culpa, da angustia. Espiritualidade sadia enriquece e valoriza o Humano em todas as suas dimensões.
A religião, por sua natureza punitiva, tende a ser autoritária e tóxica, tem o poder de matar, seja por meio do fanatismo, do fundamentalismo ou por meio do discurso moralista e excludente. Já a Espiritualidade, pelo contrário, busca fortalecer e descobrir o Todo que representa o humano. Espiritualidade, descobre a profundeza do humano e os mistérios que o rodeia. A religião, geralmente, explora a dimensão periférica, o visível, aquilo que é possível ser quantificável. Espiritualidade, pelo contrário, é sempre maior, nela, Deus representa a força criadora, manifesta o mistério e a profundeza da criação, e recebe muitos nomes de acordo com cada cultura. A ciência moderna, já provou que somos infinitamente pequenos perante o universo. Espiritualidade, é abarcativo, suas fronteiras de ação são infinitas. Na espiritualidade, o humano encontra sua profundeza enriquecida por diversos dons. Na Religião, pelo contrário acontece o inverso, por natureza territorialista, preconceituosa, impositiva, ela se alimenta da culpa e da fragilidade para impor suas mais variantes regras de “controle”, produzindo muitas vezes comportamentos delirantes e atitudes masoquistas.
A religião cristã, por exemplo, em sua territorialidade de ação, sempre tentou e ainda busca “converter, modelar, adestrar” fora do seu território, aqueles que não pertencem a sua profissão de fé, estão tacitamente excluídos. Pelo contrário, a espiritualidade cristã, implica a busca por uma vida autêntica e significativa, relacionando as doutrinas fundamentais do cristianismo com todas as dimensões da experiência humana. Espiritualidade cristã sadia – e não a espiritualidade tóxica, exploradora pregada por Malafaia, Padre Paulo Ricardo, Pastor Valdomiro Santiago, entre outros jagunços da religião cristã na contemporaneidade – não explora o sujeito, pelo contrário, enriquece e valoriza sua dimensão sagrada. Na espiritualidade cristã sadia, o sujeito crente não é apenas um simples ouvinte da Palavra, ele é portador da palavra, não desde uma dimensão hierárquica, e sim, desde uma dimensão do espírito, da experiência, da existência no dia a dia. Assim a espiritualidade cristã é muito mais atrativa que a simples e mera religião cristã, presa em um mundo de moralismo e ritualismo, quase sempre excludentes e doentia.
Em seu livro: “As religiões hoje”, Albert Samuel, apresenta algumas características interessantes da religião. Segundo Samuel: “a religião quase sempre está comprometida com a ideologia. Ainda que fosse somente porque ela nasce, propaga-se e se desenvolve em sociedade que vive de uma cultura e de uma ideologia. Ou difunde outra ideologia, oposta a aquela. Muitas vezes a religião é anexada pela ideologia dominante, que a usa para manter sua ordem. A religião veicula então, voluntariamente ou não, as concepções sociais e os valores morais sobre os quais repousa o sistema político. Acaba-se não sabendo se a religião se ideologizou ou se forneceu ao poder a ideologia da qual ele tinha necessidade. (…) Enfim, muitas vezes a religião não fica sem secretar uma ideologia. Ela visa à explicação global do universo e da sociedade e constitui sistema de representação do mundo, dos valores e dos comportamentos que decorrem dela. Tende a modelar o homem e a sociedade segundo a imagem do deus que ele anuncia e das relações desse deus com os homens; por exemplo, uma sociedade monárquica e hierarquizada cujo princípio é a obediência. (…) Religião é o conjunto de crentes unidos por instituição mais ou menos organizada. São ligados por uma tradição, por crenças e por ritos comuns. Essa ligação os une a um grupo humano ocupado de uma história e de um projeto e com o qual participam de uma doutrina mais ou menos codificada. Para muitos, essa religião é o meio privilegiado de ligá-los ao sagrado e ao divino”. Assim, a religião, independente da denominação que ela adquira é um instrumento de controle, de subjugação e de dominação coletiva, social e política. A religião por si mesmo não liberta, ela existe para oprimir, domesticar, controlar, punir, para ser instrumentalizada por grupos de poder econômico com interesses de oferecer um “ópio”, uma “droga”, um “anti-inflamatório” que promete salvação em troca de alienação e servidão mental de uma grande parcela da sociedade contemporânea.
O século XXI, é muito propenso a reascender o imaginário de uma “guerra santa” entre as religiões. Principalmente, nas religiões monoteístas: o judaísmo, o islamismo e o cristianismo. Tensões de natureza bélica, conflitos doutrinários, em confrontos entre grupos fundamentalistas, a utilização de slogan como “Deus, pátria, família e liberdade”, é um claro exemplo da possibilidade perversa que a religião direta ou indiretamente fundamenta e alimenta no conturbado mundo que hoje vivenciamos. A religião é o ópio do povo, já dizia Marx, em tom de crítica e sarcasmo perante a ausência de consciência de classe. Por exemplo, a religião que dizem professar Donald Trump e Jair Bolsonaro representa o rosto visível e perverso da religião tóxica, violenta e satânica.
Ainda, hoje, podemos observar que, novamente, a religião se tornou o ópio do povo, para a radicalização de posturas violentas, belicosas e com grande força discursiva, especialmente, na extrema direita. Deus, e religião, se tornaram um amuleto para declarar conflito e balizar genocídios como o que assistimos todos os dias em Gaza, em que o povo Palestino tornou-se vítima de uma escalada de violência com fundo de viés político-religioso. Por um lado, o extremismo religioso do Sionismo (tão idealizado por grupos de pseudos Cristãos brasileiros), que longe de ser fiel aos preceitos do “não matarás”, busca demonstrar sua força bélica para exterminar um povo a luz do dia e com a cumplicidade de muitos cristãos. Por outro lado, os terroristas do grupo Islâmico do Hamas, que, longe da ideia do islamismo “submissão a vontade de Deus”, continuam propagando e alimentando violência e morte. Encontramos, aqui, o exemplo mais claro de como a religião, orientada desde um viés ideológico, causa estrago e destruição. Basta também lembrar os horrores cometidos pelo cristianismo com a Cruzadas e a Inquisição. A religião mal orientada, cria e alimenta conflitos que destroem a humanidade, e perverte, profundamente, o sentido da existência humana.
Por isso, é importante, retomar a ideia de que a espiritualidade é pacífica, por sua própria natureza. A fé-espiritualidade, não promovem conflitos, nem guerra, nem tentam aniquilar o diferente. A fé-espiritualidade busca dignificar o humano e jamais destruí-lo. Novamente, cito Albert Samuel, para mostrar a riqueza e a diferença que a espiritualidade oferece em comparação a religião: “Espiritualidade é uma crença individual. Crer é um ato individual. Cada qual tem sua crença. Ou suas crenças. E essas crenças não se referem necessária e unicamente a Deus, ao espírito, ao além…Integram toda sorte de explicações de fenômenos incompreensíveis e não são necessariamente coerentes entre si. Desses “crentes”, numerosos, nem todos pertencem a uma “religião”; alguns pertencem a alguma religião, mas sem ter sempre realmente uma fé profunda. (…) a fé-espiritualidade, é mais que simples. Como a crença, ela pode começar por uma espécie de aposta sobre a verdade. Mas essa verdade é menos escolhida pelo fiel do que ele por ela, isto é, o fiel se sente escolhido, tomado por essa verdade antes de escolhê-la. (…) a fé-espiritualidade é também adesão, fidelidade e comprometimento. Para o fiel existe relação muito profunda entre ele e o objeto de sua fé-espiritualidade. Sente-se ligado a ela por todo um passado e principalmente por um futuro, o qual exige a conformidade entre aquilo em que ele crê e o que ele vive”.
Finalmente, é importante voltar a pergunta inicial: Religião ou espiritualidade? Este será e deve ser, um dilema e um questionamento constante na existência humana no século XXI. É preciso, sempre e continuamente, questionar os princípios que as religiões impõem como forma de domínio e domesticação. E será, mais importante e urgente ainda, descobrir o valor que a espiritualidade oferece como caminho de libertação interior. Se a religião, impõe regras pesadas que matam o espírito e a alma, é preciso, urgentemente, redescobrir o valor que a espiritualidade oferece para renascer e redescobrir os dons que na sua gratuidade Deus concedeu a cada ser humano, como fraternidade, amor, misericórdia, compaixão. Se a religião, mata! A espiritualidade, é fonte de vida, de transformação e renovação. É preciso, caro leitor, redescobrir constantemente, a fonte suprema da verdadeira Espiritualidade que nos ajuda a repensar nosso lugar no mundo de hoje. Vivemos tempos tenebrosos, que precisam ser iluminados com a força e a luz de uma espiritualidade sadia e libertadora.
No próximo artigo, continuaremos nossa análise antropológica e sociológica do tema. Até a próxima!
- Obra Citada: Albert Samuel, As religiões hoje. São Paulo. Editora Paulus.
