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MEIO AMBIENTE

Amazônia

Na época do Império, as autoridades brasileiras, fingindo ceder à pressão do Império Britânico, fingiram combater o tráfico negreiro – encenavam ações nos portos e mercados, apenas “para inglês ver”.
Hoje, uma lei, política ou projeto “para inglês ver” é aquela que, de fora, parece resolver um problema, mas que na prática é apenas uma mudança superficial ou uma solução temporária, geralmente acompanhada por um extenso serviço de relações públicas
Em 2020, o Brasil está sob pressão por causa do aumento do desmatamento na Amazônia, pelos terríveis incêndios no Pantanal e pelas políticas de governo parecer ser, justamente, do tipo “para inglês ver”.
Entre eles, decretos que proíbem o uso de fogo e a presença de forças armadas em operações de combate ao desmatamento. Nada disso tem surtido efeito, infelizmente.
Confrontado com a oposição constante da comunidade internacional e a pressão crescente de atores domésticos, o governo Bolsonaro fez algumas concessões. Uma importante foi a nomeação do vice-presidente, general Hamilton Mourão, como chefe do Conselho da Amazônia, em fevereiro de 2020.
Seis meses depois de assumir o Conselho da Amazônia, Mourão conseguiu criar um espaço de diálogo entre governo e iniciativa privada, além de parceiros internacionais. Esse espaço não existia até então, principalmente porque o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, havia gerado todo tipo de conflito com atores privados e civis, inclusive do agronegócio.
Mourão está tentando reconciliar o Brasil com parceiros internacionais, como forma de controlar danos sobre o futuro do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul e para retomar os investimentos internacionais no Fundo Amazônia, interrompidos em meados de 2019. Entre as condições que possibilitam uma reconciliação, o Brasil deve apresentar resultados sólidos no combate ao desmatamento e aos incêndios florestais no segundo semestre de 2020. Números concretos.
Para tanto, Mourão decretou que os incêndios florestais fossem legalmente proibidos a partir de abril de 2020 e durante todo o período de seca, e o desmatamento passou a ser combatido em campo sob o comando do Ministério da Defesa. No entanto, todas essas medidas não estão surtindo efeito. Em vez disso, a operação apelidada de “Brasil Verde 2” teve efeito contrário.
Mais de 9.200 quilômetros quadrados de floresta foram desmatados até agosto de 2020, representando um aumento de 34% no desmatamento nos últimos 12 meses. Este é o segundo ano consecutivo que aumenta o desmatamento na região amazônica.
Os incêndios florestais provocados pelo homem em 2019 e 2020 também são os maiores da década.
Conforme os satélites revelam que a natureza e o nível de esforços são insuficientes, pontos de tensão se acumulam.

Mourão está buscando a aquisição de novas imagens de satélite, como se os sistemas atuais não fossem precisos o suficiente para informar as operações de aplicação da lei – especialistas rejeitam essa visão. O problema é que hoje os policiais são metade do número de uma década atrás.
O mais recente bate-cabeça foi a decisão unilateral do ministro do Meio Ambiente de suspender todas as operações de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia, bem como todas as operações de combate a incêndios no Pantanal e em outras regiões do país. A justificativa oficial foi que houve bloqueio de recursos pelo próprio governo. Na prática, a decisão anunciada sexta-feira, 28 de agosto, significaria o encerramento das ações de campo dos órgãos ambientais, a partir de 31 de agosto. Como apenas esses oficiais podem aplicar multas por violações ambientais, sua ausência significaria que as operações comandadas pelo Exército não teriam sentido.
Não há base para acreditar que a inação possa estar associada à falta de fundos.
Até 31 de julho, o órgão ambiental gastou apenas 20,6% do orçamento autorizado de R $ 66 milhões para ações de fiscalização ambiental em 2020. Esse orçamento não gasto de 80% representa o menor nível de execução dos últimos anos, segundo dados oficiais.
Além disso, haveria fontes alternativas para cobrir as ações de fiscalização: Salles recebeu R $ 50 milhões recuperados pela ‘Operação Lava Jato’ e que não estavam inicialmente previstos no orçamento para 2020. Este recurso é exclusivo para a fiscalização e controle de incêndios florestais – então agora 27% foram usados. Além disso, contrato firmado em março de 2018 com vencimento em abril de 2021 garante recursos do Fundo Amazônia para combate ao desmatamento. Mas a situação é semelhante: até 30 de julho, apenas R$ 10,2 milhões dos R $ 73 milhões disponíveis haviam sido executados.
Os números acima revelam que o anúncio público de Salles de desistir de suas obrigações pode ter sido um ato falho. O anúncio de Salles foi revertido, após fortes críticas, inclusive do General Mourão. No entanto, ecoou entre aqueles que especulam sobre as florestas públicas.
De fato, desde outubro de 2019, multas por desmatamento ilegal estão suspensas por decreto. Agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ​​(Ibama) aplicaram milhares de multas por infrações ambientais, mas novos procedimentos paralisaram praticamente todos os processos. Apenas 5% dos criminosos que colocaram fogo em florestas em 2019 foram punidos, segundo investigação do Greenpeace.
O presidente Bolsonaro revela ter pouca intenção de cumprir as promessas de proteger o ambiente.
No passado, o Brasil demorou 66 anos para promulgar uma ‘Lei Áurea’ para acabar com a escravidão após a medida “para inglês ver” tomada em 1831. No caso do desmatamento, nem o Brasil nem o planeta podem se dar ao luxo de décadas de procrastinação para resolver o assunto.

É hora de Bolsonaro, Mourão, Salles e outras autoridades aprenderem publicamente que as promessas por si só não são suficientes. Se quiserem realmente salvaguardar a economia brasileira, terão de combater as atividades ilegais no curtíssimo prazo. Sem mostrar que sabem resolver este problema, correm o risco de deixar nosso país longe dos necessários investimentos para a retomada econômica.

18 de setembro de 2020 – Natalie Unterstell

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