Conecte-se conosco

COLUNISTAS

Paralelos


Os comentários oriundos da percepção geral se faziam ouvir nas ruas, bares, feiras e igrejas: alguma coisa estava muito errada. Nos meses em que deveria ter chovido, fizera um sol escaldante. Quando se esperava sol, viera a chuva. Os dias frios se tornavam cada vez mais gelados, e os dias quentes incomodavam até mesmo os amantes do verão. A colheita sofria, e os alimentos estavam escassos, custando valores impagáveis para a imensa maioria, quando podiam ser encontrados. Mesmo os ricos enfrentavam dificuldades. Para eles o custo de vida também subira enormemente, e uma nova doença ameaçava acabar com a tranquilidade mesmo daqueles acostumados em pagar pelo próprio conforto e segurança com os frutos do trabalho alheio. Entre o clero a situação também não era confortável. As orações de padres, bispos, cardeais e, mesmo, do papa, não eram capazes de aplacar a ira divina, que parecia cair indistintamente sobre todos os seres humanos da Terra: santos e pecadores, ricos e pobres, homens e mulheres, jovens e velhos. Nunca nos tempos alcançados pela memória a humanidade se sentiu tão igual, tão indefesa, tão ameaçada. O mundo havia mudado, e para pior. Os comentários eram gerais e repetitivos. Ações desencontradas eram adotadas. Várias deram resultado. Inúmeras, não. O que será que estava acontecendo?
O quadro brevemente pintado parece remeter ao contexto pandêmico que, no momento em que escrevo essas linhas, parece estar chegando ao final. Descrevo, contudo, as sensações próprias de um episódio muito mais sombrio na história da humanidade: o século XIV europeu. Iniciado com uma aguda escassez de alimentos que fez com que milhões morressem de fome em todas as regiões do continente, esses que foram considerados os piores cem anos para se estar vivo no ocidente seriam marcados, ainda, por uma pandemia que levaria à morte um em cada três europeus e, como se não bastasse, por um conjunto de conflitos que duraram décadas e são até hoje lembrados pelo sugestivo nome “Guerra dos Cem Anos”. Um daqueles episódios históricos tão ricos em lições que, estupidamente, as gerações atuais insistem em ignorar enquanto investem seu tempo lamentando as tragédias que as cercam.
De saída um elemento une os dois momentos, qual uma ponte claramente perceptível mesmo na mais completa escuridão: a ocorrência de mudanças climáticas que tornaram possível o início da catástrofe. Nos tempos idos, o continente europeu experimentara um progresso sem precedentes, graças à adoção de novas técnicas agrícolas que, elevando a produção, permitiu o renascimento do comércio a partir da realização de trocas entre os excedentes feudais. Nascia uma pujante economia, com o fortalecimento das cidades e o surgimento de grupos sociais dedicados exclusivamente à realização do cada vez mais lucrativo comércio. Por duzentos anos, o êxodo rural foi uma constante, o crescimento urbano foi uma lei, e os antigos senhores feudais, acostumados a mandar, rapidamente se viram na contingência de buscar atrair as simpatias de grupos até então completamente ignorados. O otimismo era geral, a riqueza era multiplicada – embora, como sempre na história humana em todos os lugares, não fosse distribuída.
Acontece, contudo, que a partir dos idos de 1317 as coisas começaram a ficar estranhas, como brevemente narrado acima. As colheitas diminuíram provocando, em um primeiro momento, o colapso da nascente atividade comercial. Os anos se sucediam sem que as estações voltassem ao normal e, rapidamente, a própria alimentação se tornou um desafio, mesmo para os mais ricos. A fome se generalizou. Vários morreram, e mesmo os sobreviventes passaram a conviver com a desnutrição e com o surgimento de doenças graves até então desconhecidas. Entre elas, a peste bubônica. Calcula-se em 75 milhões o número de mortos vitimados por essa pandemia, no espaço de pouco mais de dez anos – cerca de um terço da população europeia. Uma morte lenta, dolorosa e aterrorizante, como deixam claro os testemunhos da época. A mão de obra começou a se tornar item raro nos campos, e a nascente sociedade urbana se desorganizou. Nobres passaram a guerrear entre si por trabalhadores, mais do que por terras, e os camponeses, por sua vez, se rebelaram. A sucessão de guerras dizimou outros milhões, tornando a mera sobrevivência uma conquista além das possibilidades de muitos. Ao final do século, o continente estava devastado, com a ocorrência de estragos semelhantes sendo documentados também em regiões tão distantes quanto a China e a Índia. Era tempo de recomeçar. O que as pessoas frequentemente esquecem, contudo, é que o recomeço quase nunca é uma atividade simples ou agradável.
O clima constitui um dos elementos fundamentais do ecossistema que nos abriga. Está na raiz das condições planetárias que propiciam nossa sobrevivência enquanto espécie. Enquanto néscios continuam discutindo sobre os impactos da diminuição do desmate nos sistemas econômicos, as temperaturas seguem subindo, o regime de correntes marítimas e de ar continuam se modificando, levando a alterações difíceis de mensurar, que dirá de prever. O Paraná ainda não se recuperou da maior estiagem de sua história. Milhares de seres humanos já estão sendo obrigados a se deslocar por falta de água em suas regiões de origem. A imigração já é uma questão que ocupa o noticiário há anos. E cada vez mais estudos começam a apontar para as vinculações entre o surgimento e a rápida disseminação do coronavírus e as alterações nos padrões climáticos do planeta. Ainda há tempo para aprender com a história, e começar a trabalhar pela reversão da catástrofe. Acontece que, como sempre, a humanidade parece estar preocupada demais olhando para o outro lado. Assistiremos a uma mudança de rumos nos tempos vindouros? É necessário ter esperança, e trabalhar por isso. Até a próxima!

09 de março de 2022 – Vitor Marcos Gregório

Continue Lendo
Clique para comentar

Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

EM PRIMEIRA MÃO

Porto União segue com cronograma de pavimentações

A semana iniciou com os trabalhos da secretaria de obras no bairro Cidade Nova, na parte alta rua Joaquim Nabuco, se estendendo para as rua Euzébio Correia, Leno Tonial, Miguel Vieira Rodrigues e parte da rua Eduardo Senff. Essas ruas estão recebendo a camada asfáltica.

No Loteamento Vila Santa Inês, no Distrito Industrial, parte da rua Rogério Lemos de Camargo está recebendo obras assim como a instalação de meio fio nas demais ruas que estão com a base asfáltica concluídas.
No bairro Bela Vista seguem as obras de tubulação e preparação da base da rua Eleseo Secondo Bortoluzzi, que dá acesso à estação Engenheiro Mello.
No interior do município também seguem as obras de pavimentação no distrito de São Miguel da Serra. As ruas que estão tendo a base preparada para posterior pavimentação são Almiro Kreling, José Froelich, Arthur Frei, Francisco Faerber, Fritz Pohlmann, Jacob V. Filho e Irmã Regina Mibach.
No interior também têm vários trechos de estradas rurais recebendo obras depois do final de semana de tempo chuvoso. É o caso da estrada de São José do Maratá, Serra do Maratá, Estrada do Guaraú, Serra do Hipólito no Legru e partes da estrada do Rio Bonito. São reparos emergenciais nos pontos mais críticos, mas o cronograma de manutenção das estradas do interior segue normalmente.

Continue Lendo

EDUCAÇÃO

Simpósio do curso de Enfermagem da Ugvaborda temas atuais da profissão

Entre os dias 02 e 05 de setembro de 2024, aconteceu o Simpósio do curso de Enfermagem da Ugv – Centro Universitário. O evento contou com palestras sobre temas atuais da profissão, e teve a participação de acadêmicos de todos os períodos do curso, além de membros do público externo, que aproveitaram a oportunidade para conhecer mais sobre a área da Enfermagem. Na segunda-feira, 02, o Simpósio foi iniciado com a presença do Conselho Regional de Enfermagem do Paraná (Coren-PR), representado pelas Enfermeiras Doutoras Daniela Avila e Jani Missel, que trouxeram informações práticas sobre o piso salarial e as atualidades da Enfermagem, traçando um panorama contemporâneo da área.

Em seguida, o Enfermeiro Elivelton Luis de Melo, Coordenador do CCHI e do Núcleo de Segurança do Paciente do Hospital APMI de União da Vitória, abordou o tema “Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCHI): Perspectivas Atuais”.
Na terça-feira, dia 03, os acadêmicos assistiram à palestra “Avaliação Clínica e de Enfermagem Farmacológica no Atendimento Inicial de Urgência e Emergência”, ministrada pelo Médico Álvaro Kroetz G. Gomes e pelo Farmacêutico Hospitalar egresso da Ugv, Thiago Schipitoski.
O Empreendedorismo foi destaque na quarta-feira, dia 04, com a palestra realizada por Everton Moreira, Especialista em Empreendedorismo e Negócios e Consultor do Sebrae Paraná. A noite foi finalizada com a fala da psiquiatra Margarete Olivo, que trouxe informações pertinentes para os futuros profissionais da área da Saúde sobre o Transtorno de Ansiedade.
O Simpósio foi encerrado na manhã de quinta-feira, dia 05, com uma simulação realística de resgate de um possível suicida. O cenário contou com a participação dos Bombeiros comunitários de Santa Catarina, acadêmicos e professores, e foi coordenado pelo professor Amarildo Rodrigues dos Santos.
A Ugv – Centro Universitário agradece a todos os palestrantes e profissionais envolvidos por compartilhar seus conhecimentos e experiências. Temos certeza de que o evento proporcionou aprendizados valiosos para nossos alunos, preparando-os para os desafios da carreira na área de Enfermagem!

Continue Lendo

NOTAS DISSONANTES

Djavan: Entre Acordes e Poesia

Ei, Takezo aqui! Este mês, vamos desviar um pouco das guitarras distorcidas e amplificadores valvulados para mergulhar na suavidade e profundidade de Djavan, um dos maiores nomes da música brasileira. Se você acha que é só rock que faz o coração bater mais forte, prepare-se para repensar essa ideia. Djavan é a prova viva de que a música não precisa de rótulos; ela só precisa tocar a alma.

Djavan nasceu em Maceió, em 1949, é um mestre na arte de transformar emoções em melodias. Com uma carreira que se estende por mais de quatro décadas, ele se estabeleceu como um dos artistas mais versáteis e inovadores do Brasil. O cara consegue misturar MPB, jazz, samba, bossa nova e até elementos do pop com uma naturalidade que faz a gente se perguntar como não pensaram nisso antes.
Mas o que faz Djavan ser tão especial? A resposta está no equilíbrio perfeito entre poesia e melodia. As letras dele são verdadeiras obras de arte, onde cada palavra é escolhida a dedo para criar uma vibe única. Em canções como “Sina”, “Oceano” e “Flor de Lis”, Djavan nos leva para um passeio pelas paisagens de suas emoções, onde o mar, o céu e a natureza são metáforas para as complexidades do amor e da vida. E é impossível não se deixar levar pelas melodias que ele cria, cheias de acordes inusitados e harmonias sofisticadas, que são a marca registrada de seu estilo. Esses dias tirei um tempo para estudar algumas músicas dele, e cara, fiquei espantado como as sequências de acordes são lindas e complexas, como as letras são belas e profundas, como tudo na música se encaixa perfeitamente.
E se a gente acha que o rock é o único gênero que sabe improvisar, Djavan vem e mostra que a música brasileira também tem suas jams. O cara tem uma habilidade incrível para criar variações melódicas e harmônicas que surpreendem até os ouvidos mais experientes. É como se ele estivesse sempre em busca de novas formas de expressar as mesmas emoções, e cada vez que ele tenta, acerta em cheio. Além de ser um ótimo cantor e compositor, Djavan também é um grande instrumentista. Sua habilidade no violão é algo que merece destaque, com uma técnica refinada que equilibra a delicadeza e a complexidade. Ele faz parecer fácil o que é, na verdade, extremamente difícil: criar arranjos que soam simples, mas que são repletos de nuances e detalhes.
E não dá para falar de Djavan sem mencionar a importância dele para a música brasileira e para a cultura do país. Suas canções têm um apelo universal, mas nunca perdem a essência brasileira. Ele conseguiu mandar a música do Brasil para o mundo, sem abrir mão de sua identidade. Djavan é aquele artista que consegue dialogar com diferentes gerações, passando sua arte de forma atemporal.
Em resumo, Djavan é um verdadeiro mestre dos sons e das palavras. Ele nos ensina que a música não precisa ser barulhenta para ser poderosa, e que a suavidade pode ser tão impactante quanto o mais estridente dos solos de guitarra. Então, mesmo que o rock seja a nossa praia, este mês vamos tirar o chapéu para Djavan, um artista que continua a enriquecer a nossa cultura e a nos mostrar que a música brasileira tem um lugar especial no cenário mundial. Se você ainda não deu uma chance para Djavan, talvez seja a hora de apertar o play e deixar que as ondas sonoras te levem para lugares onde só a música pode chegar.

Continue Lendo