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COISAS DA BOLA

LOBO DE MIM

Num tempo não muito recente, comandados pela chefia de uma gangue daquela cidade que começou a ser formada com a descoberta de um vau no majestoso e caudaloso rio, os furtos e roubos eram praticados nos silêncios das noites totalmente em breu, após as noitadas boêmias. Bem esquematizados, com ações bem pensadas e planejadas, onde os “clientes” eram escolhidos a dedo, conforme a sua posse. Salvavam-se os bens e as residências dos amigos dos marginais, sendo que nestas ações criminosas, a gatunagem deveria passar por deveras longe. Desconfianças sobre os meliantes haviam, que talvez por conivências de alguns membro daquela sociedade, passavam incólumes. Os atos e notícias sobre os mãos-leves eram sempre comentados nos meios de comunicação, onde alguns, por não quererem jogar lenha na fogueira, por interesses escusos ou sentir aperto no furico anal, somente faziam um breve relato do ocorrido, e mesmo sabendo a autoria, não apontavam para ninguém. Os cidadãos afanados que fossem procurar os seus direitos. Mas, onde? Para quem? O poderio da ladroagem já atingia a idade alta e agia naquela plaga à vontade. Vinha de longa data e os larápios cada vez mais ousados nunca eram pegos – ainda não tinham conhecido uma cela por dentro. Podia-se afirmar eram lobos fantasiados de animais dóceis.
Certa noitada, à revelia do seu mentor e chefe, o baixo clero dos gatunos, sentiu coceira nas mãos ao presenciar estacionado em local ermo, em frente a uma casa de “primas”, um lindo carro da marca Ford, um Maverick, de uma boniteza só. Todo estilizado, pintado na cor amarela, vidros fumês, com volante esportivo, com rodas de magnésio e pneus tala larga deixou os ladravazes com água na boca. Furtaram o veículo. Ao prestarem contas sobre o que fora “amealhado”, os “funcionários” justificaram ao chefe da quadrilha que fugiram do protocolo programado, pois não resistiram à tentação e tomaram a liberdade em afanar aquela belezura de veículo. Ao ver o Maverick amarelo, o chefe da horda foi à loucura. Reconheceu o carro que pertencia a alguém da imprensa, que era “meio conivente” com o bando, pois nunca deu nomes aos bois ao relatar os fatos dos roubos naquela cidade. De imediato, o prócer máximo do bando, decidiu e deu ordens, para que na madrugada seguinte o veículo fosse deixado abandonado no centro da cidade, onde, facilmente, ele seria encontrado pelo seu dono.
Durante a manhã, em seu programa em uma emissora, o dono do veículo descascou o pau no policiamento e na falta de segurança na cidade. Muito brabo por terem surrupiado o seu Maverick, deixou no ar que as quadrilhas de ladrões tinham alguma coisa a ver com as casas noturnas que funcionavam todas as noites, segundo ele, aquelas casas eram uma cortina de frente para atos da marginalidade. Ao saber dos comentários do homem da comunicação, muito fulo da vida, o chefão daquela quadrilha revogou a sua decisão anterior. Não mais devolveriam o Maverick. Deixariam ele totalmente pelado, retirando os bancos de couro, volante esportivo, rodas, pneus, aparelho de som e alto-falantes e jogariam a carcaça do veículo no seu conhecido cemitério de roubos, um conhecido talvegue no rio que passa pela cidade. E assim o fizeram. E aquele veículo, mesmo procurado em todas as plagas brasileiras, como uma fumaça, evaporou.
Passam-se os anos. O clima mudou. Por culpa do ser humano, as quatro estações deixaram de ter uma regularidade, fazendo com que aquele povo sofresse as consequências da maior estiagem já vista naqueles cantos. Aquele rio que era caudaloso, por certo tempo deixou de
ser. Quase com somente um fio d’água escorrendo pelo meio do seu leito, deixou à vista ressuscitando aquele cemitério de produtos “descartados”. E, lá estava a carcaça do Maverick outrora amarelo e agora totalmente embarrado e enferrujado. Maior que o problema causado pela forte estiagem naquelas paragens, um grande rebu foi armado. Emocionado ao ver a carcaça da sua paixão de uma vida toda, o comunicador foi aos prantos. Jurou nos microfones de uma emissora que agora daria nomes aos bois. O negócio federia. Não fedeu. Alguém fofocou que na surdina e na calada ele foi ameaçado de morte. Que sossegasse o facho e fechasse a boca, porque ela poderia amanhecer cheia de formigas, mas o tranquilizaram. Que esperasse pelos dias perto do final de ano, pois seria indenizado e receberia um tutu que daria para comprar dez Mavericks. Não se sabe se foi o aperto no “toba” ou a esperança da grana prometida, o ex-dono do Maverick baixou a bola e fechou a matraca, esperando com ansiedade que logo chegasse o dia do Papai Noel.
Aquele ano parecia que andava a passos rápidos. A movimentação política estava incendiando o país e no ano seguinte, teríamos novas eleições para presidente – a democracia tentava pegar de vez. Os esperançosos continuavam na peleia com armas e dentes para um novo governo, agora bancado pelos trabalhadores. A elite novamente tentava se perpetuar. As discussões imperavam. O mês de dezembro já estava no seu meado. O dono do Maverick defunto, aguardava pelo cumprimento da promessa feita pelos bandidos – o ressarcimento em torno de dez vezes do valor do seu carango.
Voltando de férias com a família, um cidadão de bem, morador naquela terra da beirada do rio e outrora contestada, almoçava tranquilamente em uma churrascaria localizada na costa de uma rodovia perto da cidade sorriso. Ao se dirigir ao banheiro para fazer pipi e cocô, quando estava sentado no vaso, percebeu quando a iluminação total do banheiro foi desligada e um silêncio funesto tomou conta do ambiente. Ouviu então uma voz imperativa e desconhecida que lhe disse: estamos te pedindo um favor. No porta-malas do seu veículo foi deixado uma pequena caixa de papelão que deverá ser entregue para um fulano que mora na sua cidade, cujo nome e endereço estão escritos na caixa. Não abra o porta-malas até chegar na sua cidade. Faça a entrega a sós e peça para ele abrir a caixa na sua frente. Só estamos pedindo este favor. Não se preocupe que não tem nada que te comprometa. Se por ventura você se negar a transportar ou contar para alguém sobre este fato, sua família sofrerá perdas. Tentando intimidar mais, aquela voz autoritária e desconhecida falou o nome dos filhos daquele cidadão de bem, deu detalhes, como, onde estudavam e em que rua moravam. Ao final da prosa a voz estranha perguntou se podia contar com ele. Num sussurro, meio que se esvaindo num desarranjo na pança, aquela voz ouviu um “sim” do homem de bem sentado no vaso.
Colocando os pneus logo na estrada na tentativa de chegar logo na sua terra, tremendo e suando frio, aquele homem de bem era questionado pela esposa sobre o porquê de estar tão nervoso. Ele dava a desculpa que tinha que chegar o quanto antes, pois esquecera que tinha uma reunião de trabalho muito importante. Para seu azar, no percurso deu de cara com uma blitz da Polícia Rodoviária Federal. Achou que teve sorte em somente ser multado pelo excesso de velocidade e o veículo não ser revistado, mas não se garantiria quanto a sua cueca estar borrada. Chegando em sua residência, descarregou a bagagem e deixou a esposa e os dois filhos menores e se preparou para fazer rapidamente a entrega para a pessoa solicitada. Queria se livrar logo daquela incumbência. Após ver o nome e endereço onde deveria ser entregue a encomenda, ficou pasmo, era um colega seu de profissão. A sós em uma sala na casa do seu colega, ele contou o ocorrido e explicou que fora instruído para que ele abrisse a caixa na sua frente. Ao abrir aquela caixa que deveria ter a medida 40 por 40 centímetros, o seu colega quase desmaiou. A caixa estava totalmente cheia das maiores notas em dinheiro vivo e com um bilhete: acho que agora está pago o Maverick!
Após ter efetuado a entrega, aliviado e muito pensativo na aventura em que tinha se metido, já em casa aquele homem de bem sentou no sofá da sua sala no mesmo momento em que tocou o seu telefone fixo. Atendeu e reconheceu aquela voz ainda imperiosa que tinha ouvido quando estava sentado no vaso sanitário daquele restaurante, ela lhe disse: por favor, só me diga o que continha a caixa e o que dizia o bilhete destinado ao seu colega de trabalho. Após responder, também foi questionado pela voz sobre a senha que o seu amigo foi orientado a lhe sussurrar no ouvido. Ele respondeu: conivente. A voz lhe respondeu: Entendeu né, e desligou o telefone. E o assunto morreu para sempre, ressuscitou agora porque os protagonistas estão ardendo no “Céu”. Talvez ainda esteja por aqui o “conivente”.


COISAS DA BOLA são fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outras frutos da minha imaginação. Qualquer semelhança será puro acaso.

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COISAS DA BOLA

Fragmentos de uma infância

Noite sim, e noite também, o compadre Ava e a comadre Landa rumavam até nossa casa para prosear, tomar um capilé e jogar um pife. Naquela noite, só apareceu a madrinha Landa. Justificou, que o marido Ava fora pescar com uma turma de amigos lá para as bandas do Rio Timbó. Pediu para minha mãe se o seu afilhado poderia dormir na sua casa. Tinha medo de dormir sozinha. E, lá fui eu, nos meus dez anos, cuidar da minha madrinha.
A casa dela, de madeira, ainda cheirando à construção recente, comprada de um senhor que morava na beira da antiga Linha Velha, rangia com a leve brisa daquela noite. Papai foi quem fez o transporte com seu velho caminhãozinho Ford F600. Tinha ajudado a desmontá-la e montá-la no lugar atual.

Deitadinho ao lado da madrinha, eu tentava não tossir pela grande quantidade de fumaça dentro daquele pequeno quarto de dormir. Com um canivete afiado igual ao fio de uma navalha, após, cortar o fumo macaio e enrolar em uma palha de milho, ela fumava um paieiro atrás do outro. Parecendo nervosa, deitada de pança para cima e fitando o vazio, resmungava e falava baixinho – o Ava me paga, ele mentiu para mim, não foi pescar coisa nenhuma, tem rabo de saia na jogada. Sem idade para entender o palavreado, eu só queria dormir para acordar logo cedo e armar a capa dali fugindo daquela fumaceira.
A noite já ia para a madrugada, e numa tosse após a outra, acordei. Vi a madrinha Landa roncando. As labaredas já tomavam conta. Gritei e gritei, assustado. Ela acordou. Só tivemos tempo de sair para fora. Tudo ardeu rapidamente. Sobraram ali as cinzas e as muitas lágrimas na feição da madrinha. Ela se ojerizou mais, quando no clarear do dia, o padrinho Ava chegou, e meio sem jeito, lhe entregou uma fieira de lambaris.

Uma mãe. Um filho.

Filho de mãe solteira. O pai, já finado, nunca quis saber dele. Era a mãe e o filho, sozinhos, um para o outro. Eram unha e carne. Se amavam muito. Nunca se largavam. Viviam, um em função do outro. Separados, morreriam. Por que, sem um ou outro, de que lhe valeria viver?

Aquela mãe fez até o impossível para criá-lo bem. Conseguiu que ele não fizesse nada que não fosse direito. Ele dera um rapaz estimado por todos. Na lida então! Se sobressaia. No final da tarde ela sempre o esperava no portão. Quando ela saía para algum afazer, ele não sossegava enquanto ela não chegasse. Ficava ansioso esperando-a. Não quis casar, pois uma nora poderia incomodar a mãe.

Nas vezes em que tomavam chimarrão ao rodar do Sol, sentados à frente da casa conversavam comprido. Ela confidenciava – se ele lhe faltasse, se mataria. Cortaria os pulsos. Ele a acalmava – jamais te deixarei amada mãe. Você é tudo o que eu tenho, quero e preciso. Sem você, não sei se terei forças para prosseguir na jornada. E, assim viviam felizes, um para o outro.

Naquele final de tarde de uma sexta-feira, chovia de bica. Relâmpagos e trovões no céu. Não estranhou ela não estar lhe esperando no portão. Pensou! Não quer se molhar. Entrou, tirou a roupa molhada… sentiu algo estranho no ar. Se arrepiou todo, teve medo. Onde estava a sua mãe? Se perguntou! Chamou, chamou, gritou, gritou e nada. Procurou-a nas peças da casa. Lá estava ela dentro da banheira, somente com a cabeça de fora, ainda com os olhos não revirados. Parecia lhe sorrir. Mas, tinha dormido seu definitivo sono, de parada cardíaca. O chão fugiu de seus pés, ele quase desmaiou. Doeu de montão, dor sem jeito de se medir.

Como de costume naquele chão, chamou uma funerária para providências. Não veio o rabecão, e sim, uma picape. Sentado na traseira, com um guarda-chuva, se protegia e protegia a morta, não conseguiu. O guarda-chuva voou devido excesso de velocidade. Numa freada inesperada, bateu a cabeça na janela traseira. Um galo enorme ficou visível na sua fachada. Era mais uma dor, somada ao desespero. O mundo parecia estar indo ao fim. Doía, doía, tanto, tanto, que pareceu que ele não resistiria. Resistiu.

Enfim, os trâmites transcorreram na normalidade. Não tinha vaga no cemitério. Teve que cremar o corpo. Menos mal, dentro daquele pote as cinzas ficariam na sala. Estariam junto dele. Agora era vida nova, tinha que se acostumar, conseguiria? Uma dor daquelas, curava-se somente com muito tempo. E, ele passara rápido, mas a saudade teimava em ficar ali. Não queria ir embora de jeito maneira. Como consolo vivia beijando aquele pote de cinzas.

O tempo passou e amainou a dor e a saudade. Era chegada a hora de desfazer-se das roupas e objetos dela. Encontrou em cada peça da casa, escondida em algum canto, uma gilete. Atinou, que era verdade o que ela sempre lhe falava, que se ele faltasse, se mataria cortando os pulsos. Chorou, chorou e chorou.

Mais tempo passou, arrumou uma namorada. Daquelas, linda de morrer. Se apaixonou de loucura. Juntou os trapos. Ela foi morar com ele.

Um dia, ao tirar o pó dos objetos na sala ela encontrou aquele pote cheio de cinzas. Jogou no vaso sanitário. Puxou a descarga. Foi a maior cagada que fez. Viu ao maior desespero a que ele foi, ao notar que o pote estava vazio. Conheceu o lado monstro dele. Com uma gilete daquelas da sua mãe, cortou os pulsos da companheira. Viu-a, agonizando, esvair-se. O assoalho ficou vermelho. De frente ao crime, ligou para os tiras. Sentado ao lado do corpo bebeu uma, duas, três pingas misturadas com pólvora. Fez o sinal da cruz e murmurou oração. Com a mesma gilete cortou a sua jugular. E, lá fora chovia novamente, água em bica…

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COISAS DA BOLA

Por trás de um chute no capotão…

Prenunciando o que aconteceria nas arquibancadas do já lendário Estádio da Caixa D’água, a fuzarca já começou no sábado que antecedeu ao prélio. Vários torcedores iguaçuanos, raiz, soltavam rojões noite e madrugada adentro, onde a embaixada do rubro-negro da capital estava hospedada. A boleirada não pregou os olhos. As provocações passaram para o lado dos diretores dos dois Clubes que, em frente a uma bocada boêmia, quase foram às vias de fato. Só não deu um enfrentamento corporal porque o diretor do esquadrão curitibano pipocou e saiu na correria. Também um veículo Corcel, quase novo, ano 1970, que circulava buzinando pelos centros das cidades de Porto União e União da Vitória com um pendão atleticano, teve a sua antena quebrada e a bandeira arrancada e esgaçada.

Como o esperado, o clima estava ardendo. A rivalidade fora para as arquibancadas. Ambas torcidas trocavam, desde palavras das mais cabeludas até arremessos de frutas e ovos. De tanta ojeriza dos lados, antes mesmo da “moganga” rolar no relvado, um fanático atleticano foi cuspido da parte superior da arquibancada. Rolou por cima das cabeças daquele mar de gente quando o pau descambou. Estatelou-se no chão frente ao alambrado apinhado. Ali tinha virado a uma quase guerra, mas que foi contida pelo policiamento e por um pelotão de soldados do exército requisitado às pressas.

As arquibancadas e alambrados estavam estourando de assistência, até uma pulga encontraria dificuldades em se ajeitar para assistir aquele esperado espetáculo de bola, que seria o primeiro a criar a grande rivalidade entre os torcedores do Iguaçu e do Clube Atlético Paranaense, comprovada nos anos vindouros, inclusive com vários feridos e uma morte. Muitas bandeiras tremulavam, pois nunca antes, tanto povo se reuniu proporcionando um recorde de renda. Foi uma festa digna de ser apreciada, mas que deixou marcas, também no lombo de alguns.

Mal acomodados naquela parte das arquibancadas recém-construídas para aquele certame-debute, uma família de desportistas pertencentes ao proletariado chegara cedo ao Estádio. O pai, a mãe e os três filhos indo para a juventude encontraram dificuldades na portaria de acesso. O porteiro insistia em não os deixar adentrar carregando a cesta com frutas e alimentos. Depois do baita sururu e do tempo perdido, o porteiro, orientado, autorizou o acesso daquela família. Já dentro, o pai e a mãe, nervosos, procuravam conseguir um bom lugar e ver pela vez primeira um prélio entre chutadores profissionais. Mas levaram azar danado, o estádio já estava parecendo um formigueiro. Foram obrigados a se sentarem no aperto, no único lugar encontrado, no segundo degrau, que ficava bem próximo dos alambrados. Trazendo uma cesta cheia de frutas e uma volta de chouriço de porco, com sangue pisado, para forrar a barriga e suportar toda aquela tarde assistindo futebol, se acomodaram por ali mesmo. Não viam a hora de testemunharem o fragor da disputa.

Ouviu-se o referee. O balão de couro, enfim foi chutado dentro do palco verde. Um verdadeiro tapete. Entre vaias e muita gritaria os contendores peleavam pelo domínio da pelota como se ela fosse um prato de boia. O extrema-direita do Furacão, cabeludo e baixinho, liso igual a um bagre, rápido como um falcão-peregrino, comia a bola e dava show. Armava uma fumaceira para cima do beque iguaçuano. O que ele fazia com a peca era até de se duvidar. Parecia que tinha ela amarrada nos pés, não lhe fugia. Passava de roldão pelo beque – como queria – e dava risadas com o focinho virado para as arquibancadas. Ouvia xingamentos, mas não dava pelotas. Em um lance quando foi pegar o balão que saíra à lateral, bem em frente daquela família de torcedores, teve um caqui-café arremessado contra si. Não se fez de rogado. Jogando beijinhos, pisou com a chanca naquela fruta e tirando as sementes, sem rodeios, à várias dentadas, engoliu bonito.

Aquilo foi considerado como uma ofensa ao jovem autor do arremesso. Aquele ato ia dar o que falar. Soltando fumaça pelas ventas, fervendo por dentro, com mais raiva, aquele jovem torcedor atirou uma baita mexerica em direção ao corpo do ponteiro. Errou. Quando a pelota novamente saíra em lateral, o dianteiro nanico, apanhou e descascou a mexerica, e na ligeireza consumiu os gomos. Jogou mais beijinhos para a torcida e continuou dando um passeio no seu marcador. Pela sua atuação, ele merecia até que uma medalha fosse cunhada com seu nome.

Diferente do resultado esperado, aqueles torcedores em vez de hostilizá-lo mais, começaram a bater palmas quando ele fazia “gato e sapato” do beque. Começaram a gritar “olé”, “olé”. O coach, pressionado pelo reserva da posição, mandou aquele beque para a cerca – entrou o regra três para acabar com o baile dado por aquele extrema nanico. Ele jurou para o treinador, que ia aparar no meio o pontinha caipora. Não conseguiu cumprir a jura. Também foi mais um a ficar nas saudades. De cara, levou um esticão de bola no costado e viu o ponteiro como um The Flash. Comeu pó. Virou carne de canhão, quando o ponteiro fez um vai-mas-não-vai e quase trincou a sua espinha. Perdido, não sabia nem a cor do balão, só empapou a camisa. Aprendeu facilzinho, que o homem só vê o seu destino depois que tira o último véu. Depois daquela dança, aquele beque desistiu da vida na bola. Jogou as chuteiras na sarjeta. Foi trabalhar de pedreiro “meia cuié”.

Ao fim da peleja, com o quadro iguaçuano “tomando de quatro”, o jovem arremessador do caqui e da mexerica, com o seu peito de “sabiá” grudado ao alambrado, travou uma prosa com o baixinho e escorregadio extrema atleticano. Pediu-lhe a camisa. Se desculpando diante da impossibilidade em dar o manto, o atacante se justificou que não poderia fazê-lo, pois teria que usá-lo mais vezes no certame. Seu Clube vinha passando por dificuldades monetárias. Até o salário por vezes atrasava. Mas, assinou, como autógrafo, em um guardanapo de pano que estava na cesta de frutas do torcedor.

Nos tempos atuais, aquele pano está guardado dentro de um vidro de compota, lacrado, como relíquia e que comprova um tanto da história aqui contada.

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COISAS DA BOLA

Festa do Momo no Salão Poeira

Texto do livro – Missão Dada – Dez meses para a forja de um caráter.

O fato remonta ao início da década de 1970. Terminada a contenda amistosa no campo do Nacional (hoje um cemitério) bem em frente da Madeireira Miguel Forte, aqueles jovens integrantes do esquadrão de futebol do Salão São João, sentados embaixo de um grande pé de pinheiro, faziam planos para a noite carnavalesca. Por fazerem parte do proletariado, pular carnaval nos Clubes Concórdia e Clube Aliança estava fora de cogitação, pois jamais deixariam que aqueles seres da periferia frequentassem aquelas pistas de danças, que eram destinadas para os viventes da alta sociedade. Então, a festa do Momo teria que ser no mais tradicional e famoso salão boêmio das cidades, o Salão São João, conhecido como Poeira, também alcunhado por 25 Metros Abaixo dos Trilhos, afinal, eles teriam entrada franca, pois defendiam o esquadrão dos filhos do dono.
Já se ia pelas onze da noite. A imensa fila de pessoas comprando ingressos para adentrar ao salão era grande. A chuva forte tinha passado. Somente uma garoa fina molhava as cabeças dos enfileirados. Lá dentro o coro estava comendo solto. O senhor Severino fazia milagres no teclado daquele órgão. O baterista também dava show. Mesmo com as janelas fechadas devido a garoa, lá de fora, pelas frestas nas paredes sem sarrafos, através das réstias de luz, notava-se a grande quantidade de poeira dos sapatos, que com o barro já seco, misturado com o fubá que era colocado no assoalho para deixá-lo mais liso, iam ao ar.
Subindo os poucos degraus de madeira da escada de acesso, Kiko, Castro e Tivico, craques do esquadrão, muito conhecidos do porteiro, tinham o acesso livre. Já dentro do recinto se dirigiram ao mictório localizado lá no fundo do salão, e em frente a um pequeno espelho trinta por trinta, deram um trato na feição e pentearam as enormes jubas. Quando saíram do mijadouro, no ato, foram puxados por três damas para irem dançar, onde no tradicional trenzinho em fila indiana, todos cantando as marchinhas carnavalescas, faziam ziguezague por toda a pista.
No segue o baile, após duas danças os músicos paravam e os frequentadores encostavam o umbigo no balcão do bar e tomavam umas Brahmas (bebida da época). Dava-se o tempo para que todos pudessem se hidratar e, novamente as marchinhas carnavalescas eram tocadas. E, aquela gente serpenteava pela pista cantando, Mamãe eu quero… mamãe eu quero mamar… Assim seguia aquele ritual de sempre, até o dia clarear.
Tudo ia muito bem, era um suador só, de alegria, do ziguezague do trenzinho e das muitas cantorias, não deixando que o álcool permanecesse na cabeça das pessoas. Passando das três horas da madrugada, dançando naquele trenzinho da fila indiana, uma mulher muito bonita, esguia e alta, vestindo uma minissaia curtíssima, com o seu traseiro estilo tanajura, chamava a atenção de todos. Os marmanjos disputavam uma vaga naquele trenzinho, para poderem colocar as mãos nos quadris dela. Ora um, ora outro. Dançando, fazendo um carreiro naquela pista cheia de fubá, a “homarada” fazia de tudo para se aproximar daquela dama, que sempre tinha alguém com as mãos grudadas na sua cintura, e as vezes no “descuido”, encostavam nas popas do traseiro. Em dado momento, talvez por uma curva rápida do trenzinho, do meio das pernas daquela mulher desejada, caiu um pedaço de pano aveludado parecendo uma bolacha, igual uma esponja, dessas que as mulheres usavam para passar pó de arroz no rosto, pano este, manchado de sangue pisado – escuro –, que estava sendo usado como absorvente feminino.
Encostado na parede, Castro, que não tirava os olhos daquela fulana, presenciou o fato no ato e viu aquele pano ser chutado por muitos, sem que percebessem. Chutado por um ou por outro, aquele pano chegou até os pés dele, que se agachou e o apanhou. Chamou os amigos Kiko e Tivico e quando eles já estavam ao seu lado, fez uma enorme cagada. Porejado pelo álcool que ainda não tinha saído do seu corpo, Castro não se fez de rogado, pegou o absorvente e jogou para o alto no meio do salão. Aquele “Modess” caiu na cabeça de um homem, que acusou outro de ter jogado aquilo nele, desencadeando a maior briga de todos os tempos sobre aquela pista de dança. O “pau comeu” de cabo a rabo e o baile foi interrompido.
Encostados na parede ao lado do conjunto de músicos, Kiko e Tivico, os mais lúcidos, rezavam para que ninguém tivesse visto que fora o Castro o autor da proeza, pois, se um deles fosse envolvido na briga, os três, com certeza também iam para a porrada, nenhum deixaria o outro na mão, eram parceiros para o que desse e viesse. Após a chegada do policiamento civil, os briguentos foram levados para fora e encaminhados para a delegacia de polícia. Para a dama, que mais tarde descobriu-se o nome, Rachel, só lhe restou ir embora sem acompanhante, pois estava com o “chico”. Kiko, Castro e Tivico, em suas casas curaram o porre tomando chá de “água de valeta”, os bebuns conhecem esse remédio que cura ressaca.

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