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COISAS DA BOLA

Festa do Momo no Salão Poeira

Texto do livro – Missão Dada – Dez meses para a forja de um caráter.

O fato remonta ao início da década de 1970. Terminada a contenda amistosa no campo do Nacional (hoje um cemitério) bem em frente da Madeireira Miguel Forte, aqueles jovens integrantes do esquadrão de futebol do Salão São João, sentados embaixo de um grande pé de pinheiro, faziam planos para a noite carnavalesca. Por fazerem parte do proletariado, pular carnaval nos Clubes Concórdia e Clube Aliança estava fora de cogitação, pois jamais deixariam que aqueles seres da periferia frequentassem aquelas pistas de danças, que eram destinadas para os viventes da alta sociedade. Então, a festa do Momo teria que ser no mais tradicional e famoso salão boêmio das cidades, o Salão São João, conhecido como Poeira, também alcunhado por 25 Metros Abaixo dos Trilhos, afinal, eles teriam entrada franca, pois defendiam o esquadrão dos filhos do dono.
Já se ia pelas onze da noite. A imensa fila de pessoas comprando ingressos para adentrar ao salão era grande. A chuva forte tinha passado. Somente uma garoa fina molhava as cabeças dos enfileirados. Lá dentro o coro estava comendo solto. O senhor Severino fazia milagres no teclado daquele órgão. O baterista também dava show. Mesmo com as janelas fechadas devido a garoa, lá de fora, pelas frestas nas paredes sem sarrafos, através das réstias de luz, notava-se a grande quantidade de poeira dos sapatos, que com o barro já seco, misturado com o fubá que era colocado no assoalho para deixá-lo mais liso, iam ao ar.
Subindo os poucos degraus de madeira da escada de acesso, Kiko, Castro e Tivico, craques do esquadrão, muito conhecidos do porteiro, tinham o acesso livre. Já dentro do recinto se dirigiram ao mictório localizado lá no fundo do salão, e em frente a um pequeno espelho trinta por trinta, deram um trato na feição e pentearam as enormes jubas. Quando saíram do mijadouro, no ato, foram puxados por três damas para irem dançar, onde no tradicional trenzinho em fila indiana, todos cantando as marchinhas carnavalescas, faziam ziguezague por toda a pista.
No segue o baile, após duas danças os músicos paravam e os frequentadores encostavam o umbigo no balcão do bar e tomavam umas Brahmas (bebida da época). Dava-se o tempo para que todos pudessem se hidratar e, novamente as marchinhas carnavalescas eram tocadas. E, aquela gente serpenteava pela pista cantando, Mamãe eu quero… mamãe eu quero mamar… Assim seguia aquele ritual de sempre, até o dia clarear.
Tudo ia muito bem, era um suador só, de alegria, do ziguezague do trenzinho e das muitas cantorias, não deixando que o álcool permanecesse na cabeça das pessoas. Passando das três horas da madrugada, dançando naquele trenzinho da fila indiana, uma mulher muito bonita, esguia e alta, vestindo uma minissaia curtíssima, com o seu traseiro estilo tanajura, chamava a atenção de todos. Os marmanjos disputavam uma vaga naquele trenzinho, para poderem colocar as mãos nos quadris dela. Ora um, ora outro. Dançando, fazendo um carreiro naquela pista cheia de fubá, a “homarada” fazia de tudo para se aproximar daquela dama, que sempre tinha alguém com as mãos grudadas na sua cintura, e as vezes no “descuido”, encostavam nas popas do traseiro. Em dado momento, talvez por uma curva rápida do trenzinho, do meio das pernas daquela mulher desejada, caiu um pedaço de pano aveludado parecendo uma bolacha, igual uma esponja, dessas que as mulheres usavam para passar pó de arroz no rosto, pano este, manchado de sangue pisado – escuro –, que estava sendo usado como absorvente feminino.
Encostado na parede, Castro, que não tirava os olhos daquela fulana, presenciou o fato no ato e viu aquele pano ser chutado por muitos, sem que percebessem. Chutado por um ou por outro, aquele pano chegou até os pés dele, que se agachou e o apanhou. Chamou os amigos Kiko e Tivico e quando eles já estavam ao seu lado, fez uma enorme cagada. Porejado pelo álcool que ainda não tinha saído do seu corpo, Castro não se fez de rogado, pegou o absorvente e jogou para o alto no meio do salão. Aquele “Modess” caiu na cabeça de um homem, que acusou outro de ter jogado aquilo nele, desencadeando a maior briga de todos os tempos sobre aquela pista de dança. O “pau comeu” de cabo a rabo e o baile foi interrompido.
Encostados na parede ao lado do conjunto de músicos, Kiko e Tivico, os mais lúcidos, rezavam para que ninguém tivesse visto que fora o Castro o autor da proeza, pois, se um deles fosse envolvido na briga, os três, com certeza também iam para a porrada, nenhum deixaria o outro na mão, eram parceiros para o que desse e viesse. Após a chegada do policiamento civil, os briguentos foram levados para fora e encaminhados para a delegacia de polícia. Para a dama, que mais tarde descobriu-se o nome, Rachel, só lhe restou ir embora sem acompanhante, pois estava com o “chico”. Kiko, Castro e Tivico, em suas casas curaram o porre tomando chá de “água de valeta”, os bebuns conhecem esse remédio que cura ressaca.

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Fragmentos de uma infância

Noite sim, e noite também, o compadre Ava e a comadre Landa rumavam até nossa casa para prosear, tomar um capilé e jogar um pife. Naquela noite, só apareceu a madrinha Landa. Justificou, que o marido Ava fora pescar com uma turma de amigos lá para as bandas do Rio Timbó. Pediu para minha mãe se o seu afilhado poderia dormir na sua casa. Tinha medo de dormir sozinha. E, lá fui eu, nos meus dez anos, cuidar da minha madrinha.
A casa dela, de madeira, ainda cheirando à construção recente, comprada de um senhor que morava na beira da antiga Linha Velha, rangia com a leve brisa daquela noite. Papai foi quem fez o transporte com seu velho caminhãozinho Ford F600. Tinha ajudado a desmontá-la e montá-la no lugar atual.

Deitadinho ao lado da madrinha, eu tentava não tossir pela grande quantidade de fumaça dentro daquele pequeno quarto de dormir. Com um canivete afiado igual ao fio de uma navalha, após, cortar o fumo macaio e enrolar em uma palha de milho, ela fumava um paieiro atrás do outro. Parecendo nervosa, deitada de pança para cima e fitando o vazio, resmungava e falava baixinho – o Ava me paga, ele mentiu para mim, não foi pescar coisa nenhuma, tem rabo de saia na jogada. Sem idade para entender o palavreado, eu só queria dormir para acordar logo cedo e armar a capa dali fugindo daquela fumaceira.
A noite já ia para a madrugada, e numa tosse após a outra, acordei. Vi a madrinha Landa roncando. As labaredas já tomavam conta. Gritei e gritei, assustado. Ela acordou. Só tivemos tempo de sair para fora. Tudo ardeu rapidamente. Sobraram ali as cinzas e as muitas lágrimas na feição da madrinha. Ela se ojerizou mais, quando no clarear do dia, o padrinho Ava chegou, e meio sem jeito, lhe entregou uma fieira de lambaris.

Uma mãe. Um filho.

Filho de mãe solteira. O pai, já finado, nunca quis saber dele. Era a mãe e o filho, sozinhos, um para o outro. Eram unha e carne. Se amavam muito. Nunca se largavam. Viviam, um em função do outro. Separados, morreriam. Por que, sem um ou outro, de que lhe valeria viver?

Aquela mãe fez até o impossível para criá-lo bem. Conseguiu que ele não fizesse nada que não fosse direito. Ele dera um rapaz estimado por todos. Na lida então! Se sobressaia. No final da tarde ela sempre o esperava no portão. Quando ela saía para algum afazer, ele não sossegava enquanto ela não chegasse. Ficava ansioso esperando-a. Não quis casar, pois uma nora poderia incomodar a mãe.

Nas vezes em que tomavam chimarrão ao rodar do Sol, sentados à frente da casa conversavam comprido. Ela confidenciava – se ele lhe faltasse, se mataria. Cortaria os pulsos. Ele a acalmava – jamais te deixarei amada mãe. Você é tudo o que eu tenho, quero e preciso. Sem você, não sei se terei forças para prosseguir na jornada. E, assim viviam felizes, um para o outro.

Naquele final de tarde de uma sexta-feira, chovia de bica. Relâmpagos e trovões no céu. Não estranhou ela não estar lhe esperando no portão. Pensou! Não quer se molhar. Entrou, tirou a roupa molhada… sentiu algo estranho no ar. Se arrepiou todo, teve medo. Onde estava a sua mãe? Se perguntou! Chamou, chamou, gritou, gritou e nada. Procurou-a nas peças da casa. Lá estava ela dentro da banheira, somente com a cabeça de fora, ainda com os olhos não revirados. Parecia lhe sorrir. Mas, tinha dormido seu definitivo sono, de parada cardíaca. O chão fugiu de seus pés, ele quase desmaiou. Doeu de montão, dor sem jeito de se medir.

Como de costume naquele chão, chamou uma funerária para providências. Não veio o rabecão, e sim, uma picape. Sentado na traseira, com um guarda-chuva, se protegia e protegia a morta, não conseguiu. O guarda-chuva voou devido excesso de velocidade. Numa freada inesperada, bateu a cabeça na janela traseira. Um galo enorme ficou visível na sua fachada. Era mais uma dor, somada ao desespero. O mundo parecia estar indo ao fim. Doía, doía, tanto, tanto, que pareceu que ele não resistiria. Resistiu.

Enfim, os trâmites transcorreram na normalidade. Não tinha vaga no cemitério. Teve que cremar o corpo. Menos mal, dentro daquele pote as cinzas ficariam na sala. Estariam junto dele. Agora era vida nova, tinha que se acostumar, conseguiria? Uma dor daquelas, curava-se somente com muito tempo. E, ele passara rápido, mas a saudade teimava em ficar ali. Não queria ir embora de jeito maneira. Como consolo vivia beijando aquele pote de cinzas.

O tempo passou e amainou a dor e a saudade. Era chegada a hora de desfazer-se das roupas e objetos dela. Encontrou em cada peça da casa, escondida em algum canto, uma gilete. Atinou, que era verdade o que ela sempre lhe falava, que se ele faltasse, se mataria cortando os pulsos. Chorou, chorou e chorou.

Mais tempo passou, arrumou uma namorada. Daquelas, linda de morrer. Se apaixonou de loucura. Juntou os trapos. Ela foi morar com ele.

Um dia, ao tirar o pó dos objetos na sala ela encontrou aquele pote cheio de cinzas. Jogou no vaso sanitário. Puxou a descarga. Foi a maior cagada que fez. Viu ao maior desespero a que ele foi, ao notar que o pote estava vazio. Conheceu o lado monstro dele. Com uma gilete daquelas da sua mãe, cortou os pulsos da companheira. Viu-a, agonizando, esvair-se. O assoalho ficou vermelho. De frente ao crime, ligou para os tiras. Sentado ao lado do corpo bebeu uma, duas, três pingas misturadas com pólvora. Fez o sinal da cruz e murmurou oração. Com a mesma gilete cortou a sua jugular. E, lá fora chovia novamente, água em bica…

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Por trás de um chute no capotão…

Prenunciando o que aconteceria nas arquibancadas do já lendário Estádio da Caixa D’água, a fuzarca já começou no sábado que antecedeu ao prélio. Vários torcedores iguaçuanos, raiz, soltavam rojões noite e madrugada adentro, onde a embaixada do rubro-negro da capital estava hospedada. A boleirada não pregou os olhos. As provocações passaram para o lado dos diretores dos dois Clubes que, em frente a uma bocada boêmia, quase foram às vias de fato. Só não deu um enfrentamento corporal porque o diretor do esquadrão curitibano pipocou e saiu na correria. Também um veículo Corcel, quase novo, ano 1970, que circulava buzinando pelos centros das cidades de Porto União e União da Vitória com um pendão atleticano, teve a sua antena quebrada e a bandeira arrancada e esgaçada.

Como o esperado, o clima estava ardendo. A rivalidade fora para as arquibancadas. Ambas torcidas trocavam, desde palavras das mais cabeludas até arremessos de frutas e ovos. De tanta ojeriza dos lados, antes mesmo da “moganga” rolar no relvado, um fanático atleticano foi cuspido da parte superior da arquibancada. Rolou por cima das cabeças daquele mar de gente quando o pau descambou. Estatelou-se no chão frente ao alambrado apinhado. Ali tinha virado a uma quase guerra, mas que foi contida pelo policiamento e por um pelotão de soldados do exército requisitado às pressas.

As arquibancadas e alambrados estavam estourando de assistência, até uma pulga encontraria dificuldades em se ajeitar para assistir aquele esperado espetáculo de bola, que seria o primeiro a criar a grande rivalidade entre os torcedores do Iguaçu e do Clube Atlético Paranaense, comprovada nos anos vindouros, inclusive com vários feridos e uma morte. Muitas bandeiras tremulavam, pois nunca antes, tanto povo se reuniu proporcionando um recorde de renda. Foi uma festa digna de ser apreciada, mas que deixou marcas, também no lombo de alguns.

Mal acomodados naquela parte das arquibancadas recém-construídas para aquele certame-debute, uma família de desportistas pertencentes ao proletariado chegara cedo ao Estádio. O pai, a mãe e os três filhos indo para a juventude encontraram dificuldades na portaria de acesso. O porteiro insistia em não os deixar adentrar carregando a cesta com frutas e alimentos. Depois do baita sururu e do tempo perdido, o porteiro, orientado, autorizou o acesso daquela família. Já dentro, o pai e a mãe, nervosos, procuravam conseguir um bom lugar e ver pela vez primeira um prélio entre chutadores profissionais. Mas levaram azar danado, o estádio já estava parecendo um formigueiro. Foram obrigados a se sentarem no aperto, no único lugar encontrado, no segundo degrau, que ficava bem próximo dos alambrados. Trazendo uma cesta cheia de frutas e uma volta de chouriço de porco, com sangue pisado, para forrar a barriga e suportar toda aquela tarde assistindo futebol, se acomodaram por ali mesmo. Não viam a hora de testemunharem o fragor da disputa.

Ouviu-se o referee. O balão de couro, enfim foi chutado dentro do palco verde. Um verdadeiro tapete. Entre vaias e muita gritaria os contendores peleavam pelo domínio da pelota como se ela fosse um prato de boia. O extrema-direita do Furacão, cabeludo e baixinho, liso igual a um bagre, rápido como um falcão-peregrino, comia a bola e dava show. Armava uma fumaceira para cima do beque iguaçuano. O que ele fazia com a peca era até de se duvidar. Parecia que tinha ela amarrada nos pés, não lhe fugia. Passava de roldão pelo beque – como queria – e dava risadas com o focinho virado para as arquibancadas. Ouvia xingamentos, mas não dava pelotas. Em um lance quando foi pegar o balão que saíra à lateral, bem em frente daquela família de torcedores, teve um caqui-café arremessado contra si. Não se fez de rogado. Jogando beijinhos, pisou com a chanca naquela fruta e tirando as sementes, sem rodeios, à várias dentadas, engoliu bonito.

Aquilo foi considerado como uma ofensa ao jovem autor do arremesso. Aquele ato ia dar o que falar. Soltando fumaça pelas ventas, fervendo por dentro, com mais raiva, aquele jovem torcedor atirou uma baita mexerica em direção ao corpo do ponteiro. Errou. Quando a pelota novamente saíra em lateral, o dianteiro nanico, apanhou e descascou a mexerica, e na ligeireza consumiu os gomos. Jogou mais beijinhos para a torcida e continuou dando um passeio no seu marcador. Pela sua atuação, ele merecia até que uma medalha fosse cunhada com seu nome.

Diferente do resultado esperado, aqueles torcedores em vez de hostilizá-lo mais, começaram a bater palmas quando ele fazia “gato e sapato” do beque. Começaram a gritar “olé”, “olé”. O coach, pressionado pelo reserva da posição, mandou aquele beque para a cerca – entrou o regra três para acabar com o baile dado por aquele extrema nanico. Ele jurou para o treinador, que ia aparar no meio o pontinha caipora. Não conseguiu cumprir a jura. Também foi mais um a ficar nas saudades. De cara, levou um esticão de bola no costado e viu o ponteiro como um The Flash. Comeu pó. Virou carne de canhão, quando o ponteiro fez um vai-mas-não-vai e quase trincou a sua espinha. Perdido, não sabia nem a cor do balão, só empapou a camisa. Aprendeu facilzinho, que o homem só vê o seu destino depois que tira o último véu. Depois daquela dança, aquele beque desistiu da vida na bola. Jogou as chuteiras na sarjeta. Foi trabalhar de pedreiro “meia cuié”.

Ao fim da peleja, com o quadro iguaçuano “tomando de quatro”, o jovem arremessador do caqui e da mexerica, com o seu peito de “sabiá” grudado ao alambrado, travou uma prosa com o baixinho e escorregadio extrema atleticano. Pediu-lhe a camisa. Se desculpando diante da impossibilidade em dar o manto, o atacante se justificou que não poderia fazê-lo, pois teria que usá-lo mais vezes no certame. Seu Clube vinha passando por dificuldades monetárias. Até o salário por vezes atrasava. Mas, assinou, como autógrafo, em um guardanapo de pano que estava na cesta de frutas do torcedor.

Nos tempos atuais, aquele pano está guardado dentro de um vidro de compota, lacrado, como relíquia e que comprova um tanto da história aqui contada.

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A vergonha de 16 de julho – Brasil em prantos – decisão da Copa do Mundo de 1950

Em razão da segunda guerra mundial não houve mundiais nos anos de 1942 e 1946. Segundo relato de jornalistas e historiadores, o Brasil já tinha largo interesse em sediar o torneio. Prova disso foi que não fez parte do boicote dos países sul-americanos ao mundial de 1938 na França, sendo o único país a participar. Um outro fator favorável ao Brasil foi que Jules Rimet gostava do Rio de Janeiro, achava lindo. Inclusive quando esteve no nosso país, os cartolas brasileiros levaram o presidente da Fifa para uma ZBM (Zona do baixo meretrício). Ele ficou encantado, escreveram.
Não menos importante foi o fato de que o presidente Eurico Gaspar Dutra deu seu apoio e o país ajudou a construir o maior estádio de futebol do mundo, à época, chamado de Mendes de Moraes, pois, acreditava o Presidente, que o futebol era uma extensão da educação. De fato, o Brasil tinha feito quase o necessário para ganhar a Copa de 50. Conseguiu ser sede e construiu o maior Estádio do mundo para servir de palco à sagração do seu futebol.
No desenrolar da Copa, já no quadrangular final, tendo goleado a Suécia e Espanha por 6 a 1 e 7 a 1, respectivamente, antes mesmo da grande contenda final, o clima do “já ganhou” tinha tomado conta do país. O Uruguai vinha de um empate com a Suécia e um triunfo sobre a Espanha no apagar da vela. Todos tinham certeza que o Brasil sairia campeão no Mendes de Moraes. O escrete brasileiro era o favorito, tinha o melhor elenco e peleava por uma simples igualdade no escore. O clima de euforia culminou com a péssima preparação no pré-jogo.

Centenas de milhares de flâmulas foram feitas com os dizeres: Brasil campeão do mundo. Foram impressos em tipografias vários milhões de cartões-postais com a chapa do escrete Brasileiro contendo os dizeres: Brasil campeão do mundo. Estúdios fotográficos produziram milhares de cópias de uma pose do selecionado brasileiro com letras garrafais em preto: Brasil campeão do mundo. O prefeito do Distrito Federal do Rio de Janeiro, Mendes de Moraes, mandou preparar um carnaval nunca visto, o maior que se veria no mundo. Em cima das marquises foram colocados milhares de sacos de confetes para serem jogados, logo que o apitador desse o trilo final. Uma rampa de ferro fora construída para ser colocada sobre o fosso minutos antes do prélio findar, por onde deveriam passar os jipes das sociedades carnavalescas que fariam a volta do campo. Contrataram-se bandas de clarins, baterias de Escolas de Samba. A festa estava preparada e seria monstruosa. Só, que esqueceram de passar um telegrama para avisar o Uruguai.

No sábado de 15 de julho, no final da tarde, já boca da noite, os craques brasileiros, despreocupados assistiam um voleibol de moças, quando veio uma ordem para rumarem em direção ao salão nobre do Vasco. É, que se faziam presentes no recinto algumas futuras autoridades, candidatos a vereador, a deputado, a senador, para cumprimentar os jogadores, que no dia seguinte seriam campeões mundiais. Mal se podia respirar naquela peça, e, durante horas, em pé, os jogadores do escrete, ouviram discursos inflamados. Assim, naquela véspera do cotejo final, os craques já recebiam tratamento e se sentiam campeões do mundo. Atendia-se a solicitação de todos, muitos autógrafos, dos “campeões”, foram assinados nos cartões postais, nas fotografias, nas flâmulas, até em chapéus de futuras e outras já autoridades.

No dia do enfrentamento, a mando do treinador todos os craques foram obrigados a participar de uma missa pela manhã. Rezaram em pé por duas horas. Após a missa, os jogadores brasileiros foram levados da concentração para almoçar no Estádio de São Januário, onde não puderam descansar direito, indo em seguida para os vestiários do Estádio Mendes de Moraes, ficando lá fechados, por horas, numa tensão terrível e sobre-humana.

Na entrada dos escretes às quatro linhas, notou-se que a bandeira brasileira estava de ponta-cabeça e assim mesmo foi hasteada. Era um mau sinal. Na hora dos capitães escolherem os lados do campo, o nosso capitão perdeu pela primeira vez no toss e o Brasil teve que iniciar uma disputa no lado oposto a que estava acostumado quando deixava o arqueiro contrário tomando o sol bem no focinho. Outro mau presságio.

Aquele mar de gente ouvindo o discurso do prefeito Mendes de Moraes, afirmando nos 254 alto-falantes que era hora de mostrarmos para o mundo que não éramos bugres e venceríamos como verdadeiros cavalheiros.

  

Com o escrete perfilado para cantar o hino nacional, alguns fazendo “máscara” erguendo os calções para deixar mais a mostra as pernas troncudas e brilhantes pelo óleo de massagem, eles ficaram impassíveis quando ouviam os seus nomes nos autofalantes, principalmente quando foi dada a escalação do ponteiro esquerdo Chico e ouviu-se novamente uma enorme vaia, que mesmo sendo um jogador voluntarioso que levava tudo no peito e na raça, era meio duro de bola. E, assim, aconteceu o maior pesadelo do escrete brasileiro em uma Copa do Mundo.

Diante do boato de que os uruguaios já se sentiam perdidos, sujeitos a levar uma sacolada, e por qualquer mínimo entrevero, agarrariam um mínimo detalhe para justificarem um possível abandono do campo de jogo, o apitador fora conversado. Devido ao temperamento e indisciplina dos contrários, com medo de tal situação, pediu-se aos jogadores do escrete deste país varonil, para jogarem somente na bola, com lealdade e sem fuzarca, porque não tinha como perder, deveria ser de um mundaréu de tentos o triunfo. Além de tudo a festa não poderia ser maculada, pois não se tinha visto até ali um incidente, sendo este mundial o mais limpo que jamais se disputara. O Brasil construíra o maior Estádio do mundo, e que ainda não totalmente pronto, encheu. Tudo fora feito para ser campeão mundial.

Uma pergunta não respondida até hoje é de estremecer o escritor e o leitor dessa crônica: e se desse cagada contar com ovo antes? O que eles estavam fazendo não devia ser feito por nenhum clube na véspera de decisão de um certame. Afinal! Mesmo o “onze” sendo muito bom e estar jogando o fino e mais belo futebol visto até então, um jogo é um jogo, e num jogo, é onde tudo pode acontecer. O mistério somente seria desvendado, após o último apito do referee. Para um lado ou para outro.

Favoritíssimo e peleando por um empate para abiscoitar o título, embora melhor em campo, na primeira metade regulamentar o onze brasileiro não conseguiu mexer no escore. Suspiros longos. Nada da esperada goleada. Até que, logo na largada do período derradeiro, exatamente aos 1 minuto e 21 segundos, o polivalente dianteiro Friaça, estufava as redes. Ouvia-se os 220 mil brasileiros espremidos, empoleirados e se ajeitando de todo tipo gritarem, mais um, mais um, mais um. O Estádio Mendes de Moraes quase se desintegrou. Pessoas desconhecidas se abraçavam. Enamorados, noivos, amasiados, casados na igreja, mesmo à beira de uma separação, se amavam a olhos vistos. Inimigos pegavam nas mãos uns dos outros. A multidão pulava enlouquecida. Tremiam as estruturas do Mendes de Moraes. Acharam que a esperada goleada começara. E os jogadores brasileiros se lançaram para o mais um, pedido por aquele mundaréu de torcedores. O almejado caneco estava vindo, de fato.

Daí em diante o inferno começou a rondar o escrete brasileiro. Os uruguaios comandados por El Gran Capitan, Obdúlio Varela, dominador e cheio de autoridade, que primeiro empurrou e peitou o seu extrema-direita, Ghiggia, para que deixasse de se acovardar. Depois agarrou pelo pescoço o asa-médio-esquerdo brasileiro, Bigode, chamando-o nas puas, porque ele parecia uma fera quando dava o bote de cobra com os dois pés e anulava o extrema-direita Ghiggia. O juiz, como dito, já estava conversado, e sorrindo separou Obdúlio Varela do asa-médio Bigode. Longe dele, estava de expulsar os dois. Acabar com a festa esperada, nunca. Quem imaginaria que aquele ato mudaria o cenário final.

O asa médio-esquerdo, Bigode, seguindo a orientação dada antes do cotejo não podia reagir e nem dar os seus “carrinhos”. Não reagiu, não carrinhou, não marcou duro. Com o fuço ardendo de vergonha, louco para dar um cacete no ponteiro, conteve-se e não mais o dominou. Começou a fazer um “cerca-lorenço”, e recuando, recuando, não deu mais o bote de cobra. Deixou o ponteiro Ghiggia matar a pelota na calma e quase da linha de fundo efetuar um centro. O centro teve como destino certo ao meia-armador, Schiaffino, aos 20 minutos e 13 segundos, que solteiro dentro da pequena área, não perdoou, pegou o balão à meia altura, desviou de leve. O guardião Barbosa reagiu tarde, se pinchou, e quando estendeu as mãos, a peca já dormia no fundo do seu barbante, 1 a 1. Os uruguaios correram em volta do gramado dano socos ao vento.

Um silêncio frio, como um balde de gelo, jamais visto ou sentido se derramou sobre o Estádio Mendes de Moraes. Um silêncio de mais de 200.000 bocas. Podia-se ouvir o voo de uma mosca.

Lá dentro do relvado, como um pesadelo, os jogadores brasileiros sentiram o peso esmagador daquele silêncio, quase mortal. Com o 1 a 1, ainda eram campeões mundiais. Mas, para o brasileiro ao redor do palco verde, o título teria que ser com um vareio de bola e um balaio de tentos. Esperavam isso. Teria tempo ainda? Mas, já tinham peleado por quase 21 minutos na etapa derradeira. Não dava mais tempo para encher os uruguaios de golos. Era uma vergonha ser campeão assim. Haveria desgraça maior?

Sim! Havia desgraça maior, enorme desgraça, para não ser esquecida. Ela veio aos 33 minutos e 30 segundos, quando aquilo que ninguém ousou imaginar, se deu, de verdade.

Em lance idêntico ao primeiro tento uruguaio, o extrema Ghiggia avançava pela direita. Bigode só no cerco, sem bote. O balão fora esticado no seu costado, numa jogada desenhada como na primeira derrubada da cidadela brasileira. Esperando o centro, o arqueiro Barbosa deu um passo à frente. Se o ponteiro cruzasse ele cataria lá no alto. Quase sem ângulo, o ponteiro em vez de cruzar, arrematou no contrapé do guardião Barbosa, pegando-o de calças curtas. Ouviu-se o “chuá” da sua rede. Gol da celeste olímpica. Mais de 220.000 pessoas emudecem de vez, num silêncio de tumba. O silêncio ensurdecedor, que agora poderia até matar, acaba psicologicamente com o quadro brasileiro. Um narrador brasileiro amoleceu o garrão e desmaiou na cabine.

Obdúlio Varela, puxando a camisa ensopada como querendo mostrar as cores da sua pátria, olhando para a massa, gritava: – Es la Celeste! Es la Celeste! Quando o escrete do Brasil sai da letargia, apoiado pelo mar de torcedores, pressionou, e não achou, o agora “unicozinho” tempo de empate. Não conseguiu mais esticar as malhas uruguaias. O título já tinha viajado. Os uruguaios, agora mais que nunca, se atiravam de corpo e mais alma, comandados pelo mulato El Gran Capitan, Obdúlio Varela, dispostos a finar pela vantagem que tinham. O escrete uruguaio virou em dez beques e, bola para o mato que é cotejo de caneco. Quando o apitador fez funcionar o seu referee pela última vez naquele prélio, poucos foram os que não choraram.

O Uruguai levantou o bicampeonato mundial. Antes de se entregar à tristeza, os mais de 200 mil torcedores bateram palmas para o escrete uruguaio. Não tinham um “que” para contestar o triunfo limpo. Pós isso, O Estádio Mendes de Moraes se transformou no maior velório da história. Aos poucos, todos indo embora, a passos de enterro.

Aqueles que não choravam, com o queixo no peito, olhando para o chão, esbravejavam. Como sempre, procurou-se um culpado. Uns acusavam o treinador. Teorias da conspiração foram criadas. Sobrou para dois pretos do selecionado brasileiro. Foi o Bigode! Foi o Barbosa! Os bodes expiatórios. Tinha no que dar, segundo aos racistas que apareciam aos montes. Escalar mais mulatos e pretos do que brancos, era só no que daria. Escaparam da pecha os craques Zizinho, Bauer e Jair da Rosa Pinto. Outros, como justificativa falavam que não tínhamos El Gran Capitão. Teríamos que ter um Obdúlio Varela, não importando que ele fosse mulato e de cabelo enrolado.

OBS: O Estádio Mendes de Moraes, alcunhado de Maracanã, no ano de 1966 passou a se chamar Mário Filho, em uma homenagem ao considerado maior jornalista esportivo, que muito esforço fez, para que o referido Estádio fosse construído do jeito que foi, e no conhecido Bairro Maracanã.

Jair da Silva – Craque Kiko – Escritor da periferia.

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